Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Saturday, December 25, 2010

NATAL É SIMPLICIDADE.


Natal, como todo mundo sabe, é a data na qual festejamos o nascimento de Jesus Cristo. Embora se façam presépios, árvores enfeitadas e luzinhas coloridas, faz tempo que vejo perdido o sentido do Natal.

Não estou falando disso pela minha "neurose de guerra natalina". Faz muito tempo que o Natal não tem esse significado para mim, embora uma estrelinha de Natal tenha se acendido em meu coração nos últimos tempos. Vejo essa estrela brilhar em meus olhos e sinto seu calor em meu coração ao saudar meus amados sobrinhos, minha querida irmã, meus amigos sinceros e, sobretudo, meu grande e verdadeiro amor. De qualquer forma, não são presentes, ceias, roupas bonitas e enfeites luminosos que fazem meu Natal. Meu Natal é composto de sensaçōes gostosas.

Mas, ano após ano, o que vejo do Natal por aí mais e mais me entristece. Vejo as pessoas estressadas, correndo para chegar em lugares; vejo raiva (e nessa eu me incluo) ao ficarmos presos no trânsito de ruas e avenidas que viram pontos de visitação natalina; vejo pessoas fazendo dívidas para comprar e comer o que não têm, seguindo os ditames da época; vejo, acima de tudo, o mundo perder suas cores e sua simplicidade.

Natal me lembra eiqueta. Mesas fartas, guardanapos de pano, talheres de prata, coquetéis elegantes. Tudo cada vez mais chique e mais caro para comemorar o nascimento de um cara que nasceu num curral, dentro de uma manjedoura. Tem algo errado nisso tudo.

Essa semana fui jantar com minha amiga no Le Vin, em São Paulo, para comemorarmos nosso Natal antecipado. E de repente o Maître chega, empunhando um porta-guardanapos de papel, pedindo perdão pela ausência de guardanapos de pano. Pensei alto: "Será que tem alguém que realmente se ofende com isso?" É claro que sim. Minha amiga disse que conhece uma distinta senhora que se recusa a limpar sua baba em guardanapos de papel. Mas ninguém me pediu perdão no dia em que tirei um fio de cabelo comprido de dentro de um brioche.

Na mesma semana almocei no restaurante Dalva e Dito com outra amiga. Uma delícia. Requintado, comida deliciosa. Comi um tal de porco na lata. O mesmo porco na lata que os capiras comem em suas casas caiadas. Vi uma mesa com quatro dondocas que pediram "frango de televisão", aquele delicioso frango assado, bem engordurado, que compramos na padaria aos domingos e comemos com maionese e farofa. Tenho quase certeza que essas dondocas acharam o máximo, porque além de maravilhoso, foi feito por um chefe de cozinha famoso. Tenho quase absoluta certeza de que elas nunca comeram o frango de padaria, que tem o mesmo gosto e custa dez vezes menos. Também me arrisco a ter certeza de que elas nunca chuparam os ossinhos suculentos do frango, até porque, nesse chiquérrimo restaurante, o garçom desossa o frango para as peruas, poupando-lhes o constragimento de ver um osso de frango ao vivo.

Ontem, aqui em Manhattan, almocei no Spice Market, um restaurante maravilhoso, com comidas de influências orientais. De entrada, serviram um molhinho de tomate apimentado com uns pães torrados. Estava delicioso. Mais delicioso ainda foi meter o dedão na tigelinha para aproveitar até a última gota do molho. Quem me viu fazendo isso deve ter me achado bem porco e desclassificado. Devo ser. Tenho um conhecido que diz que a gente pode tirar a pessoa da favela, mas não tira a favela da pessoa.

E esse deve ser o meu lado favela, interior, "ZN". Esse lado simples, que come coxa de frango com a mão e mastiga e chupa o ossinho; que não come hambúrguer com garfo e faca no Ritz, que passa o dedos no restinho de molho do prato e que se segura fortemente para não lamber o prato de sobremesa, embora tenha planos diabólicos de faer isso um dia, talvez lá mesmo, no Le Vin.

Sim, eu adoro comidas e restaurantes sofisticados, mas detesto me sentir tolhido das minhas vontades e da minha liberdade nesses lugares. Não troco talheres para cortar as coisas no prato: primeiro porque sou canhoto e sempre me atrapalhei com esse troca-troca; o legal é que, por ser canhoto, quem vê pensa que eu troquei. Esse era meu segredo. Dizem que a lógica do troca-troca estar em ter mais força para cortar, mas eu sei lá. Deve ser por isso que às vezes faço voar alguns pedaço do meu prato.

Legal mesmo é ver as peruas em lugares não peruescos. Tem um restaurante maravilhosos na Zona Norte de São Paulo chamado Mocotó, e que está super na moda. É divertido ver as peruas dasluzetes chegando par almoçar naquele bairro, em suas Mercedez Benz e Land Rovers. Vão tomar caldo de mocotó e comer baião-de-dois e vão achar uma delícia, não exatamente porque é uma delícia de fato, mas só porque está na moda. E sem direito a guardanapos de pano. E irão falar, como já ouvi algumas vezes, enquanto olham bem fundo nos olhos azuis do proprietário do restaurante e sua mão forte apertam as suas frágeis e ornamentadas mãos: "Ai! Está di-vi-no! Mas você devia abrir uma casa lá nos Jardins!"

E acho que o Natal, que simboliza a celebração da vida e a própria vida necessitam dessa injeção de simplicidade. Na verdade nem é a simplicidade que precisa ser injetada, como mais um excesso, como mais uma obrigação de sermos simples, orgânicos, ecológicos e simples. A simplicidade deve brotar em áreas livres e limpas da mente, como os cogumelos que brotam no campo depois da chuva. E para isso precisamos de ejeção, extração, sangrias mentais. Sanguessugas de consciência que expurguem e cuspam para longe o excesso, o inútil, o circunstancial.

Esse é o meu Natal desejado. Um Natal que não se perca em pacotes, embrulhos, engodos. Um Natal que seja composto pela renovação de votos de coisas simples, sentimentos simples. É claro que Jesus merece um luxozinho, um brilhozinho. É lógico que eu adoro ganhar presentes. Mas que os pacotes, as fitas e laços, não sejam mais brilhantes que seu conteúdo. Na alma ou na matéria.

Feliz Natal para todos.

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