A VERDADE QUE ESTÁ NOS OLHOS

As atribulações da vida nos roubam o tempo necessário para fazermos várias coisas que gostamos. Não tenho muito do que reclamar nesse quesito, porque apesar de trabalhar muito, consigo curtir a vida, me divertir, fazer muita coisa que gosto. Hoje, minha cunhada, ao ver meu livro, perguntou: “Como é que você ainda arranja tempo pra escrever livros?”. É realmente dessas coisas inexplicáveis. Nesses anos todos, trabalhando tanto, ainda consigo enfiar aqui e ali um monte de satisfações. Mas é verdade que temos que deixar várias coisas de lado, simplesmente porque não sobra tempo.
O hábito de assistir filmes, por exemplo. Não sou um tipo fanático por ir ao cinema e me dou o direito de faze-lo somente quando tenho quase que absoluta certeza que vai valer à pena. Filmes com grandes efeitos especiais ou com incontestável sucesso de crítica têm a preferência. No mais, não me atrevo a descarrilar até um cinema. Mas gosto muito de assistir filmes em casa. Tenho a coleção completa dos filmes da Juliette Binoche. Guardo comigo alguns filmes que são clássicos para mim e vez ou outra compro, alugo ou empresto filmes de meu interesse. Mas já fazia muito tempo que não assistia a filmes em casa e em lugar algum.
Mas hoje a gripe forte e o mal estar físico me propiciaram a oportunidade de atualizar – ao menos em parte – a minha cinefilia. Comecei atualizando os episódios de Dexter que eu adoro tanto e parti para os filmes propriamente ditos. Não sei se é porque fico muito carente quando fico doentinho, ou se é porque sou assim mesmo, emotivo e chorão, mas me estranhei chorando em algumas cenas bestas de Dexter.
Depois foi a vez do besteirol. Assisti Eating Out 3, um pastelão gay americano que se superou frente às duas versões anteriores, sendo o pior de todos. Emotivo que estava, decidi assistir “O segredo dos teus olhos”, um belíssimo e poético filme argentino. Não chorei o quanto pensei que iria, mas fiquei tocado pelo filme. Fiquei pensando no que escondem nossos olhos, ou melhor, que os olhos não escondem nada. Nós podemos fingir, mentir, dissimular, atenuar, apaziguar mas os olhos, que são os verdadeiros espelhos da alma, não escondem nada.
E foi isso, do desenrolar do filme, que mais me tocou. A linguagem dos nossos olhos. Como disse um dos personagens do filme, Pablo Sandoval, “o homem pode mudar de endereço, de trabalho, de roupa, mas suas paixões nunca mudam”. Não apenas as paixões carnais ou por algum objeto específico, mas a paixão primeva que move nossa essência, que mantém acesa a chama da vida.
E voltando para Dexter, parei para pensar na passagem do tempo. Na quinta temporada da série, o vilão Jordan Chase fala “Tic-tic-tic. That’s the sound of your life running out”. É isso. Perdemos tempo na vida. Com coisas bestas. Com brigas, desentendimentos e fofocas. E quando vemos, a vida passou, acabou, o tempo se esgotou. E é disso também que fala o filme. A vida está passando. A verdade está estampada nos olhos. Mas as pessoas perdem tempo e vida se ocupando de coisas menos importantes e não dizem o que está evidente nos olhos. Não dizem que amam, não se deixam ser levados pelas asas do amor, da paixão.
E quando me lembro do quanto a verdade está nos olhos, paro para pensar em quantas coisas deixei escapar porque não acreditei no que meus olhos viam e no que os olhos de outrem diziam. É nos olhos que estão as percepções essenciais da vida e, toda vez que desprezei essa intuição, me arrependi. Não estou lamentando. Estou apenas celebrando e ressaltando o valor do olhar. Não existem segredos nos olhos. Existe apenas a verdade que muitas vezes nos recusamos a enxergar.
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