Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Monday, November 08, 2010

ESTRADAS DE RECONCILIAÇÃO


Eu choro por coisas bobas. Choro quando o animalzinho se perde da mãe na floresta no desenho animado. Choro quando os casais apaixonados se encontram no final do romance ou quando o mocinho morre no final. Choro quando vejo alguém chorando, mesmo que não saiba o motivo. Quando ouço músicas tristes, daquelas que cantam dores ardidas no peito.

Choro também por coisas importantes. Choro de saudade quando meu amor está demorando muito para chegar, mesmo sabendo que ele sempre chega; choro discretamente quando perco alguém de vista numa aglomeração, por medo, por insegurança.

Sou, portanto, um chorão confesso. Mas eu não choro só por coisas menores. Chorei quando morreram meus avós, quando minha grande amiga foi embora do país e quando pensei que meu amor havia morrido porque dormia profundamente e não abria a porta de casa.

Já faz quase um ano, chorei muito ao ver uma pessoa que amo em pleno processo de auto-destruição. Chorei dia seguidos, por culpa, por pena, por frustração, por desespero. Não cheguei a escrever o que pensava na época, mas sei que se tivesse postado algum texto, ele se chamaria "Estrada da Perdição".

E hoje, depois de vários meses passados, volto ao ponto de partida pra me encontrar com a emocionante cena de ver caminhos concertados. E me emocionei. Não chorei em lágrimas o quanto a alma mandava, porque não quis dar vexame público. Mas a alma chorava muito, como se lavasse uma antiga ferida que sangrava há tempos, mas não podia parar para curá-la. Isso me lembra uma vez que estava em meu trabalho no aeroporto e um colega chegou em meio a uma tempestade. Ensopado, se enxugou com folhas de papel toalha e tirou seus coturnos. Cheirando muito mal e encharcados, estavam seus pés, cheios de bolhas úmidas, embrulhados em folhas de jornal. Acho que fiz isso com essa ferida. Embrulhei-a em jornal velho, tentando ocultar de todos e de mim mesmo a dor e o desconforto que ela causava.

A ferida não está curada, do mesmo jeito que os problemas que rondam esses acontecimentos não estão resolvidos. Mas, tanto um quanto o outro se encontram à mostra. Arejados. Abertos. Secando ao Sol, que o Astro-Rei que tudo cura, que ajuda a secar as feridas, que não deixa que os bolores se proliferem, que alimenta as plantas para que elas floresçam e a alma, para que ela se enriqueça.

É nesse momento que me vejo em plena reconciliação com minhas origens.

Faz algum tempo, ganhei de uma amiga um livro de Mia Couto, chamado "Um rio chamado vida, uma casa chamada terra". Como ela mesma disse, o livro era o presente ideal para mim, pois era uma história contada de um avô para seu neto. Chorei em vários momentos da leitura, fui lendo aos poucos, conforme arranjava tempo e sobrou só um pedacinho dele, o finalzinho mais finalzinho para ler nessa última viagem. De forma que não acredito em coincidências, foi nesse momento tão importante da minha vida que leio o final do livro e descubro que o avô não é avô: ele é pai. Já me sentia tão identificado com aquela história de avô que era mais pai do que o próprio pai e cheguei a fantasiar sendo filho de uma outra mãe, com aquele meu verdadeiro pai-avô sendo pai mesmo.

Como diz a música "Xingú", "minha loucura tem trilha sonora". Foi ouvindo músicas de missa, embalada por violões e vozes dentro de uma missa, que esse rio de lágrimas e sorrisos foi lavando minha alma, minha vida, minhas lembranças. Passei rapidamente por diversos acontecimentos, dores e alegrias, dificuldades e realizações, refletindo sobre tudo o que passou para que eu chegasse até ali.

A música falava de um trecho da Bíblia que conta a história de Zaqueu, que significa "puro", mas que era um judeu desonesto que cobrava os impostos para os romanos e sobe numa figueira para conseguir ver o Cristo. Não, não aderi novamente ao catolicismo e tampouco à Revolução Carismática. Naquela hora, nem entendia o que dizia a música, tampouco sabia qualquer coisa sobre Zaqueu; mas aquele energia tocou sinceramente o meu coração. É nisso que acredito: que Deus está presente em todos os lugares e crenças. Como no cântico que ouvi na Festa de São Lázaro, esse ano, em Salvador: “Quando eu cheguei por aqui, meu senhor já estava”; é porque ele está em todos os lugares, para onde quer que possamos ir e basta, como Zaqueu, “subir na árvore”, elevar um pouco o nosso olhar, e lá O encontraremos.

Mais tarde, ainda nessa “vibe” celestial, foi continuar meu papo com Deus à minha maneira. Desci à praia, me banhei no mar, rezei e agradeci carregado pelas ondas. Esse Deus que está no mar é o mesmo Deus que está na Igreja ou qualquer outro templo, porque ele realmente está em todos os lugares; mas para mim, é nas coisas da natureza que o sinto mais próximo e mais vivo.

E foi essa a Estrada que percorri e tenho percorrido nesses últimos tempos. Fiz as pazes com Deus, com meu sangue, com minhas origens. Acabou que fiz as pazes comigo mesmo, porque sou isso, sou tudo isso.

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