O REIKI DA CACHORRA LOUCA

"Troque seu cachorro por uma criança pobre... Deixe na história de sua vida uma notícia nobre" ("Roque da cachorra", Eduardo Dusek)
Belo Horizonte. Final de semana com amigos, boa comida, bom vinho, bons passeios, lançamento de livro e muita fofoca. Adoro contar e ouvir histórias de todo o tipo que alegram esses encontros e alimentam meu banco de dados. Relembrando estórias, revisitando momentos do passado e desenterrando defuntos de todo o tipo, vamos pouco a pouco remontando o quebra-cabeças de "causos" memoráveis.
Foi assim que nos lembramos de Pipinha, uma moça que trabalhou com a gente num determinado lugar, fazendo um certos trabalho. Gargalhadas. Ela era psicóloga e tinha aquela intragável mania de chamar todo mundo de "querido". Todo mundo era querido dela. Inclusive as pessoas de quem ela falava mal. Até porque ela falava mal de todo mundo.
Teve uma época que a Pipinha resolveu namorar um médico que trabalhava conosco. Eu sempre achei que ela sofria daquela doença grave, chamada A.S.M.A. E quando vi os dois juntos, confirmei minhas certezas. Não, não é aquela doença que dá falta de ar. Essa é outra. É uma síndrome desesperadora: "Agarre Seu Médico Agora". O engraçado desse namoro, que obviamente durou pouco, era a nítida incompatibilidade. Pipinha era metida a perua, e digo metida porque ela não era uma perua de verdade. Era um protótipo mal resolvido de perua. E Pipinho, seu namorado, era o oposto disso: um tipo simples, extremamente básico e nem um pouco ligado em consumos fashionistas. Por um certo tempo de paz relacional, creio que ele tenha feito algumas concessōes e ganhou sapatos novos, calças de sarja cáqui e camisas polo. Não durou muito e Pipinho logo voltou ao seu free style habitual. Segundo consta (ou terceito consta?), Pipinho foi prêmio de consolação, porque a ASMA delaera bem mais grave: ela queria mesmo um "homem-chefe".
Mas a coisa mais engraçada de Pipinha era uma estória que eu só vim a conhecer nesse mineiro final de semana. Segundo consta, Pipinha se aproximou de minha amiga, que escorregou no truque da simpatia forçada de Pipinha. Um belo dia ela se convidou para ir à casa de campo da minha amiga que até acho seria legal.
Foi um fiasco. Pipinha criticavag tudo: a desarrumação da casa, as lâmpadas queimadas, a falta de faxina, a lareira sem lenha. Foram caminhar pela cidade e, esbaforida, disse que achava brega esse negócio de caminhada, porque deixava as pessoas suadas e fedidas. Era por isso que ela frequentava a Competition, porque lá tinha ar condicionado e blá, blá, blá.
Chegando em casa, nova estupidez de Pipinha. Disse à minha que ela precisava se cuidar mais, aplicar Botor, colocsr fios de ouro porwu, segundo ela, detestava gente velha corpo de moça. Chuuuuuuuuupa Pipinha! Anos depois minha amiga deixa para ela, pelo meu blog, a resposta para essa imbecilidade: "é melhor que ser inteira feia, porque daí nao em jeito".
Com tanta indelicadeza, as duas começaram a se estranhar. E minha amiga começou a se ocupar de outras coisas, passou a caminhar sozinja enquanto Pipinha dormia. E Pipinha, que também estava se sentindo um tanto descondortável, afeiçoou-se à cachorra da minha amiga. Chiqueta era uma pastora alemã de quase vinte anos, que ficava lá, largada num canto, esperando a morte chegar. Comia pouco, andava com dificuldade, quase não latia e já não escutava mais.
E Pipinha cismou que ela estava doente e decidiu aplicar sessões de reiki na Chiqueta. Todos os dias que restaram do feriado, Pipinha se dedicou a curar Chiqueta. Aplicava várias sessões em diferentes posiçōes e chegou a ficar de quatro no chão uivando para chiqueta, entoando mantas caninos. Ligou atè para sua mestra de reiki para pedir uma "segunda opinião". A mestra não atendeu; sua filha disse que ela estava na Daslu comprando um tapete de yoga da Louis Vuitton.
Minha amiga adorou a dedicação de Pipinha. Foi a forma mais tranquila de se livrar da convivência com Pipinha até que o feriado acabasse. Elas nem comiam mais juntas. Ela só se me meteu nas sessōes de curs quando Pipinha resolveu dar um banho ritual na cachorra moribunda e disse que ia marcar mais algumas sessōes aos finais de semana para tirar a cachorra daquela agonia.
- Pipinha, agora já deu! Deixe a Chiqueta morrer em paz!
- Nossa, como você é insensível!
Minha amiga deu de ombros e virou as costas. Terminado o feriado, voltatam mudas. E nunca mais tiveram encontros amigáveis. E assim caminhava Pipinha, na contra-corrente da humanidade, invadindo privacidades, borrifando ácido por onde passava. E foi ficando sozinha, porque ninguém mais aguentava ela. E finalmente Pipinha largou o trabalho. Nunca mais a encontrei, nem ouvi falar dela. Essa é uma daquelas defuntas bem defuntadas, que morrem ou desaparecem e nem deixam saudades.
Só digo uma coisa: chuuuuuuuuuuuupaaaaaaaaaa Pipinha!!!
3 Comments:
I loved your crazy dog post, Doutor.
You identified and described a type we all, unfortunately, know.
It's funny and perceptive and sarcastic in your own inimitable style.
Thanks for the entertaining read and the great illustration.
- O Velhinho
Alan,
My dear Velhinho, I swear you I didn't meant to make a protrait of that specific lady you've mentioned. It's about another lady. But I'm just shocked about your perception and all the coincidences that make this awesome link. Thank you.
Post a Comment
<< Home