Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Thursday, February 03, 2011

LOLLA & LAYLA

Ando muito “santificado” esses dias. Frequentando missas, festas religiosas, tomando “axé” daqui e dali. E não foi só pela minha temporada em terras baianas; já faz um tempo que ando um homem naturalmente “regenerado”, com menos ácido correndo nas veias e cuspindo menos fogo. E não me forcei a isso; do mesmo jeito que escrevo, num ritmo natural que acompanha os compassos e descompassos da minha alma, é assim que sinto as coisas, já que sinto o que escrevo e escrevo o que sinto.

Entretanto, tenho que ponderar, suave ou não, ácido é ácido. Do mesmo jeito que assim são as diversas tonalidades de uma mesma cor. Rosa claro, rosa bebê, pink, fúcsia e toda uma roda de cores que são tão diferentes e ainda assim chamamos da mesma coisa.

Levado por impulsos raivosos explicáveis pela obrigação de deixar Salvador para trás, empurrado pelas confusões aeroportuárias, com gente se acotovelando em filas intermináveis, crianças chorando e casais quebrando seus paus sem nenhuma intimidade, o ácido ferve com minha taquicardia. É claro, com toques de água de coco e alfazemas de Iemanjá, lá vou eu destilando meus pensamentos agridoces.

Ouvindo estórias curiosas fui lembrando de outras tantas, das quais Lolla e Layla são apenas estandartes, apanágios do desespero feminino frente à imperiosa necessidade de se casarem ou manterem seus casamentos. É lógico que já ouvi algumas estórias de homens que fazem feitiços e mandingas para conquistar a mulher ou o homem desejados. Mas, na minha modesta casuística macumbística, esse é um terreno bem feminino. São elas que lotam as giras de esquerda para se consultar com as Pomba Giras, para pedir amor, casamento, fidelidade e até “brochura” do homem traidor. Sim, porque da necessidade de conquista à ira pelo abandono ou traição, temperadas por distintas personalidades, variam assim, seletos, macumbas e feitiços.

E assim conheci Layla, já faz alguns anos. Uma menina bonita de seus vinte e poucos anos. Comunicativa, inteligente, olhos feiticeiros, era quem eu menos imaginaria que necessitaria de recorrer às magias para o amor. Mas ela não sabia valorizar o que tinha e pior; não sabia esperar para que o deus Tempo trouxesse à sua porta o amor tão esperado. Achava-se velha e tinha pavor de terminar solteira. Sempre gostou muito de videntes, cartomantes e feiticeiros, e foi na época em que jogava meu baralho cigano que a conheci. Desesperada, avessa às metáforas, não aquietava sua ansiedade ao ouvir a poesia mística das minhas tiragens. Só queria saber uma única coisa: “Ele vai ficar comigo? Mas ele vai ficar comigo? Eu vou conseguir ficar com ele?”

Deve ter sido por isso que Layla desapareceu das minhas vistas e só fui reencontrá-la anos depois no banco da Igreja Nossa Senhora do Brasil, na missa de sétimo dia de uma conhecida nossa. Quando me viu, me abraçou e começou a chorar. Espantei. Será que ela gostava tanto assim da defunta ou era a reminiscência de uma outra vida como carpideira? Nada disso. Chorava porque havia sido abandonada pelo noivo. Chorava tanto e tão alto que tive que arranca-la da igreja. E lá fora, sentados aos pés do Lúcifer de Jânio Quadros, ela me contou sua triste e desesperada estória.

Disse que não suportou o abandono de seu noivo e, começou a ir em todo tipo de terreiro, de feiticeiro, catimbozeiro e bruxo que encontrou pela cidade. Enterrou corações em cemitérios, fez pacto de sangue com um certo demônio à meia-noite em uma encruzilhada, tomou banho na perereca de leite de cabra preta e matou todo um zoológico em sacrifícios, tudo para trazer o seu amado de volta. Deu jóias pra Exus, garrafas de uísque importado, costurou linhas pretas e vermelhas nas cuecas do macho. Pelas minhas contas, gastou dinheiro suficiente para comprar um Mini Cooper conversível zero quilômetro. Talvez mais. E de nada adiantou. Êita homem de santo forte que não cedeu um passo nessa feitiçaria toda.

O tempo passou e o príncipe não chegou. Mas seu desespero só passou mesmo quando arranjou outro namorado. Bastante segura de seu amor por ela, nem se preocupou em fazer mandingas para segurar o homem, até porque, mesmo anos após aquela macumbaria toda, ainda parcelava dívidas em empréstimos e cartões de crédito.

Layla me contou um dia que precisava de comprimidos para dormir, pediu indicação de um psiquiatra. Dizia que só dormia bem fora de sua casa. Achei estranho e, antes de indicar alguém, tratei de investigar essa insônia “situacional”. Colchão, barulho, calor, poluição, brigas, televisão ligada. Nada. Não dormia bem praticamente desde que terminou o antigo e desesperado noivado.

Falei que tentasse defumar o quarto antes, mudar a cama de lugar, jogar alfazema pelos cantos. E então ela tira da cartola uma pérola “daquelas:

“Eu tenho uma perna de bode embaixo no meu colchão. Será que é isso?”

“E por que raios você tem uma maldita perna de bode embaixo do seu colchão???”

“Oras...é de um dos trabalhos que eu fiz... A mãe de santo matou um bode e disse que eu tinha que guardar a perna dele pra chamar o cara para mim...”

E nem precisa dizer que Layla voltou a dormir bem. Não conseguiu encontrar a mãe de santo que havia feito essa maravilha; soube que ela tinha ido morar em Miami, com o dinheiro que ganhou dos clientes. Com meus parcos conhecimentos macumbísticos, pedi a ela que colocasse aquela perna fedida nos fundos de uma igreja e que pedisse perdão a Deus pela insanidade e que libertasse a vida do moço.

Nunca mais encontrei Layla. Soube, através de uma amiga, que encontrou um homem que se apaixonou e casou com ela e a levou para morar no Canadá. Sem macumba, sem feitiço, sem amarração, sem gastar nenhum tostão. Fácil assim. Difícil foi faze-la esperar que isso acontecesse.

Com Lolla foi igual, mas foi diferente. Era como se fosse um desdobramento de Layla. Bonita, inteligente, charmosa e católica. Fez primeira comunhão, ia à missa todos os domingos e comungava fielmente. Cometia vários pecados: era briguenta, desaforada e vaidosa, mas jamais havia cometido o pecado de traição, coisa que se arrependeu, após ter sido traída pelo marido.

Além de traída, fora trocada. Por uma mulher mais velha, menos bonita e pobre. Traição é sempre traição, e já evoca por si só sentimentos de inferioridade e desmerecimento. Mas não há ser humano que aguente ser trocado por menos. É uma humilhação que só. E não sei se foi por isso ou pelo amor doente que Lolla começou a recorrer aos serviços de uma “benzedeira”, a Dona Miminha. Benzedeira uma ova. Feiticeira de mão cheia, famosa pelos seus feitiços, recebia até gente de outros estados que recorriam aos seus talentos amarrativos. E ela fez de tudo que pode para trazer o mancebão de volta: matou galinhas, patos, tartarugas. Foi no cemitério, na cachoeira, no bosque, na estrada, em outro cemitério. Cavou osso de catacumba, levou roupas, deixou coisas, soprou pembas multicoloridas. E nada. Usasse um pouco mais da inteligência, perceberia que estava perdendo tempo e dois Mini Coopers. Zero. Perdeu a paciência. Dona Miminha dizia que era porque a “outra” estava mexendo com “energias fortíssimas”. Dá-lhe contra-ataques, desmanche de trabalhos, ebós de limpeza. A única coisa que mudava era a sua conta bancária, que foi ficando magrinha, magrinha. Ficou guardando aquela frustração toda, por respeito e por temor ao poder de Dona Miminha. Mas um dia não aguentou. Explodiu. E a feiticeira contornou, de modo suave e inteligente, a ira de Lolla:

“Olha minha filha, vamos tentar uma última coisa. Traz o homem aqui. Inventa que é um benzimento e a gente faz uma amarração ao vivo, que é bem mais forte.”

E lá se foi Lolla driblar o ceticismo de seu amado e arrasta-lo para um benzimento. Esgotou argumentos, implorou, chorou aos pés dele. Quase desistindo, lembrou de um ataque fatal:

“Mas, Lolla, deixe disso, você sabe que não ligo a mínima pra essas coisas!”

“Ô homem teimoso! A mulher disse que se você não for tirar essa coisa ruim que colocaram em você o treco vai cair nos seus filhos e eles podem morrer de desgraças!”

E foi assim que arrastou Tonhão à benzedeira-feiticeira. Quando chegaram à casa de Dona Miminha, a velha tomou um susto. Olhava espantada para Tonhão, perdia a concentração enquanto tentava fazer o falso benzimento.

“Desculpem meus filhos. Tem umas energias muito fortes rondando. Preciso parar um pouco. Tonhão, vai lá fora fumar um cigarro enquanto eu converso aqui com a Lolla.”

“O que aconteceu Dona Miminha? Tá tão ruim a coisa?”

“Nada filha. Estou é indignada.”

“Indignada com o quê?”

“Minha filha, você é uma mulher tão bonita, charmosa, garbosa. Você tem certeza que você quer mesmo esse homem? Tanto feitiço pra um homem tão feio... Eu não vou fazer nada agora. Vai pra casa refletir, porque se eu fizer esse feitiço, daí é quase impossível desmanchar.”

E Lolla foi embora atônita. Perplexa. Tonhão xingando o tempo perdido. Ela olhando para a cara dele, tentando decidir se a feiticeira tinha ou não razão. Não conseguia ver desse modo. Talvez ele nem fosse mesmo tão bonito, mas era aquele homem que havia amado e com ele construído uma família. Era a ele que tinha entregue seu amor e dedicado a sua vida. Mas as palavras da feiticeira serviram para desencadear uma certa “magia”: olhou para si e viu o quanto ainda era bonita e o quanto ainda tinha “lenha pra queimar”. Decidiu parar de gastar dinheiro com feitiçarias inúteis e investiu todo o dinheiro em si mesma. Fez plástica, aplicou Bottox e um monte de outras coisas de vaidade de mulher. Não demorou nada para arrumar um namorado, homem mais novo e de ares rústicos, mas que a fazia ver as estrelas que seu ex-marido nunca fizera. Nem demorou muito tempo, Tonhão batia à sua porta pedindo para voltar. Ficou indecisa, não sabia se era o efeito do feitiço ou a magia da estética. Fosse o que fosse, resolveu recusar a proposta, só pra castigar o traidor.

O pior de tudo nem foi o dinheiro que gastou. Passado algum tempo, achou uns restos de feitiços de Dona Miminha na gaveta de sua cômoda. Resolveu passar lá para perguntar o que fazer com aquilo e deu de cara com a “outra”, saindo de lá, chorando. Tratou de se esconder atrás de um poste e esperou a profana maldita sair. Santo Deus! Era por isso que a macumbaiada não fazia efeito! Será que ela sabia que fazia feitiço de duas mulheres para o mesmo homem? A quem será que ela enganava? O sangue de Lolla ferveu, abriu a porta com um pontapé, gritando: “Sua velha safada, macumbeira fajuta!”

Mas já era tarde demais. Dona Miminha jazia, plácida, em um caixão de compensado bege. Na sala, sentados num canto, seus dois filhos, chorando sua morte. Teve um infarto fulminante lá no meio da sala, enquanto benzia uma criança doente. Os filhos disseram que Miminha aceitou dar a sua vida por aquela criança agonizante e que a sombra da morte passou a foice no pescoço da sua alma no mesmo momento em que deixou de sufocar aquela pobre criancinha, que imediatamente parou de chorar e respirou normalmente.

Lolla pediu desculpas. Saiu envergonhada pelo vexame e também acabou concluindo que Miminha não devia ser trambiqueira ou má; talvez nem soubesse que trabalhava para duas inimigas e que isso devia ser mesmo obra de Deus, porque, se a feitiçaria tivesse dado certo, muito provavelmente nem encontraria esse seu novo namorado.

Lembro de diversas outras estórias, de gente que gastou e gasta dinheiro com feitiços, tentando mudar o curso natural das coisas, mudar a vontade das pessoas. No aspecto religioso, essas pessoas se tornam escravas e escravizam almas desorientadas que se prestam a esses macabros favores. Não sei explicar porque às vezes pode dar tão certo e às vezes tão errado. Dizem que o Destino é um caderno, com partes em branco, para serem escritas; partes escritas a lápis, que podem ser mudadas e partes escritas a tinta que não mudam jamais. E tentar mudar essas, só à custa de borrões ou rasgando as folhas.

E sempre me vem à mente uma lição do Mestre dos Magos, no desenho “A Caverna do Dragão” quando o jovem mago resolve tirar água de seu chapéu, para matar a sede no deserto. E o Mestre aparece de trás de uma pedra, dizendo que ele deve tomar cuidado com o uso dos seus poderes, porque se ele fez a água aparecer ali, talvez ele tenha secado um rio ou uma fonte em algum outro lugar.

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