Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Friday, April 22, 2011

SABEDORIA OCULTA NAS BORDAS DO MUNDO


Todo mundo já ouviu falar de pessoas muito simples, mas muito sábias. Pessoas que não tiveram acesso a escola, a cultura, mas guardam em si uma sabedoria ímpar. Seja um velho caboclo na porta de um empório numa cidadezinha perdida do interior de qualquer lugar, seja a avózinha simplória com a barriga encostada no fogão de lenha, a benzedeira no pequeno vilarejo de pescadores e até mesmo a nossa modesta faxineira (Se bem que a minha não é nada dessas!). Pessoas simples, de poucos ou quaisquer requintes e português parco, mas capazes de proferir pérolas de experiência, sabedoria e evolução em simples frases.

Cada vez mais o mundo e a humanidade correm atrás de valores invertidos. Corre atrás dos dinheiros, das posses, dos diplomas e cada vez mais se esquece da alma, da sabedoria humana, das coisas mais naturais do viver. Vejo o desespero de algumas pessoas para obterem aquele carro mais novo, mais moderno, mais caro. Não pelo conforto, mas pelo confortável prazer de mostrar-se. Já faz algum tempo, convivia com um sujeito desses “mostradores”. Saímos para almoçar um dia e, na saída do restaurante, procurei o seu carro e ele disse: “Não, não é mais aquele. Agora é esse aqui.” Dei os parabéns pela nova aquisição e ele respondeu: “O outro estava uma carroça.” Um tempo depois, soube que ele havia se mudado para um bairro mais chique, para um apartamento melhor, ainda alugado, mas ainda sem móveis e sem televisão. Cada um faz o que bem entende com o seu próprio dinheiro; mas era óbvio que, para ele, era mais importante o que saltava aos olhos. Dos outros.

Às vezes somos aconselhados por atendentes de botecos, por faxineiros de aeroportos, por humildes taxistas. Numa simples corrida de cinco quilômetros podemos ter conferências gratuitas com “Dalai Lamas”disfarçados pela cidade. Gente iluminada, que não se iluminou com livros, diplomas, línguas, estudos ou viagens. Gente que é luz por si só e que nos torna pequenos, miúdos, simplórios, ignorantes e neófitos da vida perante tanta sabedoria.

Quando penso nesse tipo de pessoa, lembro do “Seu” Serginho. Um negro baixinho, magrelo, de sorriso largo e cabelos grisalhos que trabalhava de caseiro numa empresa do meu pai. O velho estava sempre de bem com a vida, sempre pronto a ajudar. Comia a mesma comida da sua cadela Zuzu, fumava cigarro de palha e, quando sentia que o clima estava pesado, acendia uns incensos de tablete lá no porão onde morava. Eu costumava passar horas brincando e conversando na casa dele, longe dos barulhos e agressões do meu pai. Era minha fuga, meu porto seguro, meu calmante. Só vi tristeza em seus olhos quando Zuzu escapou pelo portão da casa e desapareceu. Mas logo se conformou e tratou de se ocupar com as outras coisas da vida, respirar fundo e seguir em frente.

Lembro também da Dona Darci, a funcionária da farmácia do hospital onde trabalhei. Sempre contente e paciente com todo mundo, sabia escutar e estava sempre pronta a ajudar as pessoas à sua volta. Costumava ficar um tempão conversando com ela, sobre a vida, trocando receitas, dando opiniões e comendo seus quitutes. Era o tipo de avó que eu queria ter para mim e por muito tempo cultivei essa “avozagem” ao seu lado.

Eu poderia ficar horas relembrando pessoas que fizeram essa amorosa diferença em minha vida. Mesmo essas com as quais convivi pouco e que encontrei durante alguns minutos, por vários dias da minha vida, me retribuindo um sorriso ou um bom dia no balcão de um boteco ao tomar um café.

Mas o mais importante disso tudo é a energia que essas pessoas evocam. Em tempos de páscoa, ainda que com valores perdidos, somos levados de alguma forma a refletir sobre caridade, generosidade, bondade. Repartir o pão, doar-se, ajudar o próximo. Fico saudoso de tantas pessoas que me deram muitas mãos nessa vida e saudoso desses pequenos grandes sábios que passaram por mim e deixaram seus ensinamentos. Sinto uma imensa felicidade por estar cada vez mais cercado por pessoas tão importantes em minha vida, mas sinto saudades de tanta gente que já passou e, possivelmente não voltará mais.

Eu ainda sou meio “de mal” com a morte e com a finitude, mas sou muito mais brigado com essa morte em vida. Esse desenlace. Esse desatar. Esse perder-se que por vezes ocorre. Enquanto escrevo, vejo as cíclicas imagens das fotos de muitos anos e histórias da vida, contados através de viagens, almoços, jantares, passeios. Deu saudades de um monte de gente. Deu saudosismo. Deu um nó. Em plena sexta-feira da paixão, estou acordado, vendo a vida passar em letras e fotos, sem saber ler ou perceber muitos dos seus signos.

Quem será a velhinha sábia que decifrará tais enigmas? Quem vai me explicar por que algumas pessoas morrem e outras desaparecem? Quem será o porteiro e de qual prédio e em qual bairro que chegará, dará um tapa em minhas costas, afirmando que tudo terminará bem?

Eu sei que hoje é apenas sexta-feira santa. Ainda tem o sábado de Aleluia e o domingo de Páscoa, tal como os ritmos da vida. Feito criança curiosa esperando o coelhinho trazer os ovos de páscoa, espero ansioso pra ver o que me reserva a vida, o que esperar das coisas, das pessoas.

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