ENCONTRAR ALGUÉM

Antes de abandonar o velho e mofado closet, várias contradições circundavam os pensamentos de André: não acreditava em Deus, mas pedia de joelhos a Ele que fizessem seus pais pararem de brigar durante a madrugada; dizia que não queria casar, que queria ser padre, mas vivia chorando ao ouvir músicas românticas e ao assistir filmes de amor. De fato, após tanta dor, tanta angústia, tanto medo e ainda mais, depois de ter vivido alguns longos anos com “um cavalo vestido” – uma sábia alusão de um amigo à pessoa com quem foi casado – ficava difícil acreditar na possibilidade de amar alguém.
Logo após seu oficial coming out, mergulhou numa maratona a nado pelo pântano dos encontros pela internet e, considerando já ter certeza absoluta de que gostava de homens e pela dificuldade em encontrar algo mais sólido que um pênis – carinho, cumplicidade, amor...- rapidamente ficou cansado de encontros fortuitos e arriscados. Sim, o sexo foi ótimo, mas faltava algo que ia muito além do sexo. Mas, sem dúvida, guarda boas e engraçadas lembranças desse tempo.
Numa madrugada fria, André estava na internet, doido de tesão e de medo. Naquele tempo ainda se disfarçava de “bissexual”, pois acreditava que sair com alguém casado ou noivo ofereceria mais segurança no que diz respeito a escândalos públicos. Até descobrir o quanto as pessoas mentem pela internet. Conversando com um cara, perguntou a ele se ele era mesmo “bi” e ele perguntou raivosamente a André:
- E que diferença isso faz?
-Nenhuma. – respondeu. E resolveu encarar. Eram duas da manhã. Saiu de casa ao seu encontro, com todo o arsenal necessário: cueca bonita, preservativos, lubrificante. Seu nome era Wilbor. Gringo? Chique? Não, cafona mesmo. Dizia ter trinta e cinco anos, mas André lhe daria bem uns quarenta e cinco. Mas tinha corpo bom, transava bem. Passaram a noite – ou o resto dela – juntos. Ao acordarem, parecia que moravam juntos: uma assustadora cumplicidade por parte dele, como se fossem muito íntimos. Falava de se encontrarem no final do dia, de jantarem fora, mesmo já tendo dito que era noivo (esse era o “personagem sexual” de André...). Mesmo assustado, a possibilidade de ter uma pessoa com quem pudesse ter algo além de um sexo-expresso, principalmente um bom sexo, o atraía.
Marcaram de almoçar na casa de Wilbor, num sábado à tarde. André saiu da ginástica e foi encontrá-lo. Honrando a tradição casamenteira de que “o peixe morre pela boca”, Wilbor não mediu esforços para concluir sua pescaria: preparou um banquete, com tudo do bom e do melhor e durante o preparo, e durante o almoço, e em todos os momentos, muitas preliminares... Mas a decepção de André com sua espontaneidade veio a cavalo: enquanto preparava a sobremesa, colocou um CD da Sarah Brigtman e, quase como uma mulher enlouquecida, tirou André pra dançar, que logo desculpou-se, dizendo que era tímido. Mas Wilbor, não se fazendo de rogado, continuou dançando pretensamente sexy diante de André, como faziam as chacretes da Discoteca do Chacrinha. Passada a indigestão do tal showzinho, empurrado goela abaixo pelo excelente almoço, foram para a cama. Não só para a cama: para o chão, para o chuveiro, para a cama de novo...e, esgotadas as forças, ficaram lá, largados, conversando....começava a anoitecer e, com a escuridão, desaparecia seu senso de razão e crescia o medo de André. Também o assustava o robe de seda com flores cor-de-rosa que Wilbor vestiu após o banho.
- Vamos fugir?
- Como assim?
- Acho que vou raptar você pra ter você só pra mim. Então André havia entendido. Na cabeça de Wilbor, André era uma vítima indefesa do seu noivado e ele seria a salvação. Hora de zarpar.
-Bem...acho que tenho que ir embora...
- Ah, não !!! Você prometeu que ia passar o dia comigo!!! Disse ele, apertando “de brincadeira” o pescoço de André com as mãos.
Se até aquele momento André não entendia muito bem a acepção do termo “bicha-louca”, agora estava mais do que claro. Bicha-louca não são aqueles homossexuais afetadíssimos, cheios de trejeitos, como pensava...Wilbor era uma bicha-louca...faltavam vários parafusos na cabeça dele... André ficou com tanto medo daquele acesso de fúria que decidiu permanecer por mais algum tempo e sob a promessa de verem-se novamente. Daquele sábado em diante choviam mensagens pelo telefone, cafoníssimas mensagens animadas por e-mail e milhões de “eu te amo”... André acabou percebendo que, não bastasse o seu medo, que já lhe causava enorme mal-estar, estava sendo desonesto com Wilbor pois, embora não dissesse que o amava, não colocava um fim nesse papo. Resolveu mandar-lhe uma mensagem, onde explicava que o achava uma pessoa muito legal, mas que não estava preparado para um relacionamento. E nunca mais se encontraram.
Como disse, André guardou consigo várias histórias curiosas que vão muito além do bom sexo. Mas a história do seu encontro com Giuliano foi uma das mais pitorescas. Era um garoto de vinte e quatro anos e, de acordo com a foto – e a presença confirmava a foto – era bem interessante. Marcaram um encontro num lugar próximo a sua casa e, mediante magnetismo imediato, correram para seu apartamento. Pouco conversaram. Em um minuto o garoto pulou em cima de André, beijando, acariciando, gemendo, numa tal incandescência que, embora empolgante, trazia algo estranho no ar. Já explico: à medida que a empolgação foi crescendo, partiram para as vias de fato e, na iminência da “hora H”, melhor dizendo, a poucos milímetros da penetração, ele começou a gritar:
- Pára, pára, que eu tenho asma e não consigo respirar!!!
André parou. Parou tudo, exceto a vontade de rir. Mas venceu o instinto. Sabia que aquilo não era uma crise de asma. Só não sabia do que exatamente se tratava. E então começaram a conversar, e Giuliano falava o quanto sua mãe era importante em sua vida e como era difícil pensar que nunca lhe daria um neto. Mais uma vez tiro o chapéu para o bom velhinho – ele mesmo, o velho Freud – que afirmou que a histeria não acometia somente as mulheres. E imagino que, sem saber, André havia testemunhado um gozo histérico.
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