Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Thursday, October 04, 2012

BRASILIANAS AMBIVALÊNCIAS


"Brasil, mostra a tua cara, quero ver quem paga pra gente ficar assim" 
("Brasil", Cazuza)

Tem um lado meu, provavelmente o esquerdo, o lado do coração, que sente um grande orgulho em ser brasileiro. A música maravilhosa, a riqueza das cores, a exuberante natureza, a comida variada e espetacular. Amo o brasileiro - com algumas poucas exceções -mas amo de fato. Amo os sotaques, as cores, a malemolência, o gingado, o bom humor, a hospitalidade. 

Tenho amigos e pessoas que admiro espalhadas por todo o país. Cada dia que passa, conheço mais gente interessante e coleciono inúmeras histórias para contar. 

Durante essa semana em New York, várias pessoas vieram me falar do quanto gostariam de conhecer e viver no Brasil. Já tinha ouvido isso antes, mas dessa vez ouvi muito mais. Nos restaurantes somos surpreendidos com música brasileira que não é forró ou sertanejo universitário, nem pagode, nem axé music. Graças aos deuses,  só me perguntaram do Michel Teló uma vez e torço o nariz quando me perguntam sobre o Lula. 

Definitivamente  há lugar no meu coração para as três pátrias da minha alma. E o Brasil, mesmo que seja fundamentalmente um tipo bem baiano, é uma dessas pátrias. E elas convivem harmoniosamente em minha alma, sem lugar para a discórdia. E nem sei se terei que decidir, tal como Páris, pela mais bela algum dia. Mas se tiver que decidir, talvez o Brasil fique para trás.

Sim, porque tenho sentido, particularmente hoje, uma grande vergonha do meu país. Em minha "feicebucagem" matinal, uma amiga pergunta, mostrando um rol de apresentadoras brancas: "Será que a TV brasileira é preconceituosa?" e eu respondi-perguntando:  "Será que o povo brasileiro não é preconceituoso?" Até porque acho que somos mesmo.  Fiquei pensativo. Como podemos ainda ser tão escravos de valores mesquinhos, ainda construindo pessoas-robôs preconceituosas e intolerantes? Continuamos fabricando em nossos "Dantes", "Portos Seguros" e "Arquis" espalhados por todo o país, um bando de gente muito inteligente e muito higienista. Pensei em coisas indizíveis agora. 

Algumas horas depois, vejo a notícia de que a FIFA (puta que pariu, a FIFA!) proibiu a venda de acarajé nas imediações do Estádio da Fonte Nova em Salvador, na Copa do Mundo. Que lixo! Que vergonha. Não sinto vergonha da FIFA, mais uma instituição representante do poder capialista, que está mais interessada em vender "gentes" e seus royalties do que realmente realizar futebol. Tenho vergonha do governo brasileiro por aceitar tamanha dominação colonialista por causa de uma merda de Copa do Mundo. Tudo bem, dou um desconto; detesto futebol. Quero estar" milhas e milhas distante" dessa merda toda quando ela chegar.  Mas o que o acarajé, as baianas, Bahia, têm a ver com isso? Não é só o acarajé. São todos os ambulantes, com seus cachorros-quentes, suas pipocas, seus coquinhos e tapiocas. Morram, ambulantes, Ronaldinho, o bolo-fofo vai fingir que vai jogr futebol enquanto posa para a Nike. Vixi, agora tem também aquele gremlin do Neymar. 

E para acabar com o dia, mordendo as bolas da brasilidade, a Câmara Municipal de Piracicaba aprovou uma lei que proíbe as práticas das religiões afro-brasileiras na cidade, com direito a multa e tudo mais. Junto da Câmara, a Aliança para a Supremacia Cristã, a nova Santa Inquisição contemporânea. Há vários anos venho dizendo que tenho medo da ascensão desmesurada em escala mundial dessas igrejas e que serão elas as estandartes da repressão, da crueldade e do autoritarismo entre os povos. Será que ainda sobram lugares onde a tal "palavra" ainda não tenha chegado?

Espero que não chegue o tempo ou que morra antes dele, no qual terei que me esconder debaixo dos caracóis da Igreja Católica. Pelo menos já sou batizado. Espero que não precise ser obrigado a aceitar esse Deus tirano que me obrigará a desprezar as escolhas e os chamados da minha alma. 

Pobre Piracicaba, pobre e podre Brasil. Esse lado da vergonha, alheia e minha; esse lado que não é o esquerdo e nem o direito; esse lado dos fundos, da sola dos pés, das costas, do rabo do Diabo; esse lado me dá vontade de não estar no Brasil e nem de ser brasileiro. Esse lado me dá brotoejas e me faz vomitar. Esse lado me torna francês, jamaicano, senegalês, yorubá. Ativa meu arquétipo da Odete Roitman e me faz odiar e desprezar os tupiniquins que trocaram cocares por bíblias. 

"Nos deram espelhos, vivemos num mundo doente"
("Índios", Legião Urbana)

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