Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Sunday, July 01, 2012

“ESSES DENTISTAS SÃO TARADOS”




Não eu não penso isso. Já fui “tarado” por uma enfermeira que mandou avisar no conforto médico que um paciente me esperava e, ao entrar na sala escura do pronto-socorro, ela veio que veio. Também já fui “tarado” por um médico que ficou alisando meu pé no pós-operatório de uma cirurgia de unha encravada. Mas por dentista, nunca. Nem dentista, nem dentisto. Foi minha amiga, psicóloga, exorta pelas mirações de um quentão, em plena festa de São João, que proferiu a pataquada: “Esses dentistas são todos uns tarados!”. Acho que ela queria dizer que eles são perversos. E a perversidade, segundo ela, estava na insistência que eles têm em querer conversar com seus pacientes impossibilitados de falar enquanto são “broqueados”, “sugados” ou “anestesiados”. Realmente é desconcertante. Deitado na cadeira, luz quase estroboscópica acesa na cara, pensamento atento na mão certa que se deve levantar para pedir ajuda, guardanapo em punho, motorzinho comendo solto, varrendo cáries e amálgamas, sugador acoplado, jatos de água lambendo os óculos meus, da dentista, da assistente. No meio dessa confusão, ela pergunta: “Você sabe se esse dente tem canal?” Essa é fácil. Basta fazer ou sim, ou não ou sacodir os ombros. Daí ela se anima: “E aí, que fez de bom no final de semana?” Puta que pariu. O pior é que a gente se vê com a obrigação de responder, e tenta falar, mesmo com a parafernália metida na boca. E, como disse a minha amiga, “o pior é que eles entendem tudo o que a gente fala.” Uma outra amiga dentista, ainda por cima minha dentista, trouxe palavras conciliadoras: “Vai ver que ele quer distrair a pessoa, ajudar a relaxar...” Eu sou testemunha que ela não fica me torturando com perguntas difíceis de responder. Até porque eu não fico muito tempo acordado na cadeira, que tem um efeito imediato na minha melatonina endógena. Mais que a escuridão, os sons da natureza ou frontal, a cadeira do dentista ativa em fração de segundos a minha narcolepsia. Será o barulho? Será o estresse? Já me peguei com as mãos suadas e uma certa tensão enquanto aguardo. Pânico? Nem de longe. Negócio bom é dormir mesmo.

E fiquei circulando mentalmente, enquanto conversava, pelos dentistas da minha existência. O primeiro, um senhor de meia-idade bruto, que enfiava aquela mão larga e dedos grossos na boca da gente e não abria a boca. A ele agradeço o condicionamento de quebrar os dentes em balas e pirulitos, após a explicação que era melhor morder as balas do que ficar chupando, deixando o açúcar o menor tempo possível na boca. O segundo foi o “dentista dos aparelhos”. Fez cirurgia, colou brackets, apertou ferrinhos. Quase dois anos indo semanalmente, esperando horas para ser atendido, lendo Revistas Manchete com dois anos de atraso. Até o dia em que levei uma bolada na cara no jogo de vôlei e os brackets grudaram na minha boca. Arranquei uma parte na quadra e o restante em casa com um alicate. E jurei nunca mais passar perto da ortodontia. O terceiro era um brilhante recém-formado pelo USP. Um nerd exemplar. Seu único defeito era a lentidão obsessiva e o fato de atender em casa, logo após o banho e uma extensa enxurrada de perfume. Graças a ele nunca mais usei Stiletto do Boticário. Na época da VARIG, passei um por um dentista bem ortodoxo. Ele me encaminhou para um “curso” de escovação e fio dental. E me lembro bem da cena dele arrancando o meu siso com força, colocando os pés na cadeira, como se estivesse fazendo sexo animal. Já psiquiatra, fiz um (eca!)  convênio odontológico e fui a um dentista perto de casa. Gente boa. Esse era dos “tarados” que a minha amiga citou: passava o tempo todo falando das crises de orientação sexual e me perguntava opiniões, que eu tentava responder. A sexta era a mais tarada de todas. Falava tanto que me deixava tonto. O lado bom é que, enquanto conversava, ela parava de trabalhar. O que era também o lado ruim, porque uma sessão virava três. Acho que foi nessa fase que a narcolepsia se agravou. Tive sétima e oitava juntas num ambulatório no qual eu trabalhava. Essas falavam pouco durante o atendimento. Conversavam entre si, e com as assistentes, o que leva a crer que minha dentista atual está errada. O dentista não fala para distrair o paciente; ele fala para não ficar entediado, o que é muito mais compreensível. A nona era terrível. Falava pelos cotovelos. Acometida da síndrome do Nouveau Riche, precisava contar o tempo todo dos famosos que se sentavam naquela cadeira. E lá ficava eu, mudo, ouvindo ela contar os “causos” das celebridades enquanto olhava aquele espelhinho cafona do Feng Shui grudado no teto. Hoje em dia, posso dizer que estou no paraíso. Minha dentista fala pouco, conversa apenas enquanto estou aguardando a anestesia  “bater” ou enquanto se revela o raio-x. Na “brocação”, só pergunta sobre dor ou algum desconforto, isso quando eu ainda estou acordado.


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