MUNDO ANIMAL E SUAS BESTIALIDADES
Tenho ficado cada dia mais perplexo com a bestialidade dos humanos.
Se, de um lado, crescem atitudes e consciências acerca do respeito ao próximo,
preocupações com a preservação da natureza e com os direitos humanos, do outro
lado vemos a proliferação das atitudes inconsequentes, o crescimento do
preconceito e da intolerância, a degradação da vida, o desrespeito e o desamor
instalados.
Outro dia estava lendo a coluna do Gilberto Dimenstein na Folha de
São Paulo, que criticava a idiotice do tal Rafinha Bastos ao banalizar o
estupro e fiquei bestificado com os comentários das pessoas no Facebook. De cem
comentários, mais da metade eram preconceituosas e banalizadoras sobre o fato de um demente fazer piadas sobre
assuntos sérios, contundentes, estigmatizantes. Ele nunca deve ter conhecido
alguém que tenha sido violentado sexualmente, estuprado, humilhado. Nesse anos
de trabalho como psiquiatra, acompanhei de perto a dor, a sensação de
humilhação, a revolta e o sofrimento de pessoas que são estupradas. Mulheres
feias, mulheres bonitas, crianças e adolescentes. Gente que não deveria, não
precisava, não merecia passar por isso.
Essa semana vi um post no Facebook sobre um vídeo desse tal Rafinha
Bastos sobre bullying. Achei que era uma dessas medidas políticas de fazer cena
de bom moço para limpar a sujeira que anda espalhando por aí. Nada disso. Ele
acaba humilhando e satirizando uma pessoa no vídeo e coloca a seguinte frase:
“Bullying: às vezes não dá pra segurar”. Não vejo nada de curioso nas atitudes
desse cara. De uma cobra, esperamos que ela pique; de um pitbull, que morda; e
de um facínora, que alastre suas maledicências pelo mundo. Mas me assusta como
as pessoas se identificam com seu comportamento vil, alegando que ele é um
gênio, ou o “maior comediante brasileiro”. E volto a pensar no Zé Cardonha, meu
professor de história da quinta série. “Esse pais merece ser governado pelo
Diabo”, ele dizia. E acho que merece mesmo.
Tenho acompanhado a falta de ética crescente, a falência do respeito
ao próximo, a idiotia transformada em “arte”; que me perdoem os artistas de
verdade pelo emprego da palavra. Recentemente vejo anunciar no novo programa da
intelectualóide Fernanda Young, a presença de Rafinha Bastos em seu programa.
Eu detesto tudo o que ela faz. Acho tudo de mau gosto, inclusive sua pretensa
intelectualidade. Confesso que até assisti o programa dela quando vi que ela ia
entrevistar a Marisa Orth, mas minha opinião não mudou em relação a ela. Mudou
em relação a Marisa Orth: fiquei triste ao saber que elas são amigas. Deixe
estar. Sabemos que muitas vezes o que leva uma pessoa à fama não é exatamente o
seu talento. Sou convicto da validade da teoria “com quem se deita ou de quem
se é filho.” Não posso dar exemplos dessa teoria, mas todo mundo sabe de ao
menos um bom exemplo midiático.
O tal do Rafinha não tem culpa. É a mentalidade das pessoas que está
apodrecendo. Ouço todos os dias comentando o quanto ele é genial ou o quanto é
divertido assistir o CQC; canso de ver o Datena falando alto em tantas
televisões de bares, restaurantes e táxis. Estamos cada vez mais selvagens; não
os bons selvagens. Os selvagens degenerados, que consomem sangue e eventos
sanguinários todo o tempo. E eu só sei sentir vergonha e medo.
Os fanatismos religiosos também têm mostrado a sua cara bestial.
Recentemente, um sacerdote afro-brasileiro filmou seu terreiro sendo invadido
por uma multidão de crentes em Recife. Cada vez mais, várias igrejas têm
perseguido e violentado terreiros de umbanda e candomblé, atacado homossexuais,
incitando, em “nome de Deus” a violência e a intolerância. Há muitos anos eu já
dizia que tinha medo dessa “revolução crente”, prevendo o óbvio: está será a
nossa próxima inquisição e começará aqui, no “pais do futuro”.
É lógico que eu tenho fé. Mas será que a minha fé e a fé de tantos
será capaz de conter esse Tsunami de ignorâncias e retrocessos? Outro dia levei
meu sobrinho de cinco anos a Salvador. Fomos ao teatro, ver uma peça infantil
que falava sobre a lenda da criação do mundo, sob a ótica das religiões
afro-brasileiras. Ele gostou da peça. Achou legal ao descobrir que “a árvore
que fala” era Deus e sorriu quando expliquei a ele que, na peça, Deus era uma
árvore porque Ele está em tudo, inclusive na natureza. Mas quando falei a
palavra “macumba”, ele rapidamente retrucou:
- Padrinho,
esse negócio não é legal.
- O que
não é legal, Pedro?
- Esse
negócio de macumba, isso não é bom.
- Pedro,
você não acha seu padrinho um cara muito legal? – Minha amiga perguntou.
- Acho - Ele
assentiu com a cabeça, sem titubear.
- Pois
seu padrinho é macumbeiro! – Ela disse.
- Pedro,
macumba é apenas um jeito diferente de rezar e de conversar com Deus. Não
existe nada de errado nisso.
Fiquei pensando. Quem teria colocado essa imbecilidade na cabeça dele?
Com certeza não foram as pessoas da sua família materna. Depois me lembrei: foi
assim que aprendi a ter medo e preconceito com a religião que amo tanto. E
provavelmente com a mesma pessoa. Hoje ele me ligou. Disse que estava com
saudades. Ele me contou que ia dormir com a avó, porque iria numa “festa muito
legal da igreja”. Fiquei com vontade de “sequestrá-lo” e declarar uma guerra
religiosa. Mas decidi deixar. Quem sabe o amor vença.
Entre os facínoras e os fanáticos, excluindo-se os bandidos e os psicopatas,
o que sobra? Qual a proporção de pessoas no mundo que são legais, libertas, “mente
aberta”?
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