Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Monday, November 12, 2012

SOBRE CABRAS, PIRANHAS E "VIADOS"



Desde ontem não se fala de outra coisa: a comparação esdrúxula dos relacionamentos homossexuais ao gosto pelo espinafre e o impedimento do casamento de homossexuais do mesmo modo que não se pode casar com uma cabra ou com a própria mãe. O teatro do absurdo teve como palco a Revista Veja dessa semana, sendo a vedete-mor o tal (jornalista?) J. R. Guzzo, corajoso, desrespeitoso e politicamente incorreto autor do artigo (artigo?) chamado "Parada Gay, cabras e espinafre". Nessa "escrivinhação" de péssima qualidade, ele especula sobre assuntos que provavelmente desconhece, espraiando conceitos preconceituosos e deslocados sobre homossexualidade (que ele chamou de homossexualismo) e questões concernentes e importantes, como casamento, constituição de família, doação de sangue e organização do movimento GLBT no Brasil.


Confesso que fiquei um pouco tímido para escrever ao ver textos tão brilhantes versando sobre o ocorrido, como o texto do cientista político Lucas Rezende (https://www.facebook.com/lucas.rezende.75098/posts/10151180309449823), o do jornalista e escritor Carlos Orsi (http://carlosorsi.blogspot.com.br/2012/11/a-falacia-da-falsa-dicriminacao.html) e do Deputado Jean Willys (http://jeanwyllys.com.br/wp/veja-que-lixo), mas acho que tudo que for escrito contra essa coisa horrorosa, vale, e vale muito. E depois tem outra: eu não sou cientista político, eu não sou deputado e nem jornalista. Mas sou um monte de coisa importante. Eu sou um cidadão. Sou gay. Sou psiquiatra. Sou escritor. E sou humano, sensível às brutalidades desse mundo.

Todo mundo sabe para qual time a Revista Veja joga. Talvez só não saiba de fato quem lê. Mas já faz tempo que vem decaindo em sua qualidade editorial, vendida a propagandas, promovendo pessoas que desejam espaço midiático e apavorando com matérias de baixo jornalismo, se é que se pode chamar de jornalismo. Tenho dó e peço perdão a alguns poucos jornalistas de qualidade que conheço que ainda se sujeitam a trabalhar para a Veja, coisa que acredito que o façam pela necessidade de pagar coisas mundanas, como aluguel e comida, algo que nem podemos chamar de prostituição, profissão em minha opinião honrada, embora não regulamentada em nosso país, mas que segue princípios muitas vezes mais éticos do que essa revistinha.


O fato preocupante é: quantas pessoas lêem esse lixo? Quantas pessoas adotam essa escultura fecal como modelo de informação política e cultural? Milhões. Na semana passada, um conhecido veio debater comigo uma outra reportagem equivocada da mesma revista, colocando em cheque o meu conhecimento como médico, comparando as minhas informações à incoerência da revista. Soube perdoá-lo. E pude mostrar a ele o quanto a revistinha é tendenciosa e suas matérias "encomendadas", com pouco rigor científico e zero de verdadeira discussão. Mas quantas são as milhões de pessoas que não terão acesso a uma contra-argumentação?


E o que cabras, “viados” e piranhas têm a ver com isso? Na falta de assunto ou na necessidade de criar assuntos polêmicos que geram discussões inflamadas, desviando o foco dos verdadeiros problemas, que deveriam ser discutidos e criticados, o jornalismo quadrúpede, encomendado, grotesco ganha espaço. E dos jovens, pela ignorância tanto quanto dos "experientes" pela cara de pau auto-atribuída que os anos de carreira podem lhe conferir, têm-se a sensação do direito de dizer o que se pensa, de qualquer jeito, sem respeito à norma ou à ética. Somos bombardeados diariamente com baixa cultura que causa polêmica,vende revistas e aumenta audiência das TVs.

Outro dia, um conhecido veio me chamar para assistir a um espetáculo de Stand Up comedy num teatro da cidade onde o Danilo Gentilli se apresenta. Após cair cinquenta pontos no meu conceito e roubar o sorriso da minha cara, coisa que ele não entendeu muito bem, ainda me dei o trabalho de dizer o quanto ele deveria ter vergonha de me convidar para tal merda. Fiquei pensando o quanto isso deve ter sido inútil, porque ele é apenas um dos milhares de ignorantes que se refastelam gargalhando homofobias, sexismos e outras preconceituosas bizarrices.

Acho que esse mundo não tem salvação. E eu continuo sentindo muita vergonha. Vergonha mesmo.

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