SOBRE CABRAS, PIRANHAS E "VIADOS"
Desde ontem não se fala de outra coisa: a comparação esdrúxula dos
relacionamentos homossexuais ao gosto pelo espinafre e o impedimento do
casamento de homossexuais do mesmo modo que não se pode casar com uma cabra ou
com a própria mãe. O teatro do absurdo teve como palco a Revista Veja dessa
semana, sendo a vedete-mor o tal (jornalista?) J. R. Guzzo, corajoso,
desrespeitoso e politicamente incorreto autor do artigo (artigo?) chamado
"Parada Gay, cabras e espinafre". Nessa "escrivinhação" de
péssima qualidade, ele especula sobre assuntos que provavelmente desconhece,
espraiando conceitos preconceituosos e deslocados sobre homossexualidade (que
ele chamou de homossexualismo) e questões concernentes e importantes, como
casamento, constituição de família, doação de sangue e organização do movimento
GLBT no Brasil.
Confesso que fiquei um pouco tímido para escrever ao ver textos tão brilhantes
versando sobre o ocorrido, como o texto do cientista político Lucas Rezende (https://www.facebook.com/lucas.rezende.75098/posts/10151180309449823),
o do jornalista e escritor Carlos Orsi (http://carlosorsi.blogspot.com.br/2012/11/a-falacia-da-falsa-dicriminacao.html)
e do Deputado Jean Willys (http://jeanwyllys.com.br/wp/veja-que-lixo),
mas acho que tudo que for escrito contra essa coisa horrorosa, vale, e vale
muito. E depois tem outra: eu não sou cientista político, eu não sou deputado e nem
jornalista. Mas sou um monte de coisa importante. Eu sou um cidadão. Sou gay.
Sou psiquiatra. Sou escritor. E sou humano, sensível às brutalidades desse
mundo.
Todo mundo sabe para qual time a Revista Veja joga. Talvez só não
saiba de fato quem lê. Mas já faz tempo que vem decaindo em sua qualidade editorial,
vendida a propagandas, promovendo pessoas que desejam espaço midiático e
apavorando com matérias de baixo jornalismo, se é que se pode chamar de
jornalismo. Tenho dó e peço perdão a alguns poucos jornalistas de qualidade que
conheço que ainda se sujeitam a trabalhar para a Veja, coisa que acredito que o
façam pela necessidade de pagar coisas mundanas, como aluguel e comida, algo
que nem podemos chamar de prostituição, profissão em minha opinião honrada,
embora não regulamentada em nosso país, mas que segue princípios muitas vezes
mais éticos do que essa revistinha.
O fato preocupante é: quantas pessoas lêem esse lixo? Quantas
pessoas adotam essa escultura fecal como modelo de informação política e
cultural? Milhões. Na semana passada, um conhecido veio debater comigo uma
outra reportagem equivocada da mesma revista, colocando em cheque o meu
conhecimento como médico, comparando as minhas informações à incoerência da
revista. Soube perdoá-lo. E pude mostrar a ele o quanto a revistinha é
tendenciosa e suas matérias "encomendadas", com pouco rigor
científico e zero de verdadeira discussão. Mas quantas são as milhões de
pessoas que não terão acesso a uma contra-argumentação?
E o que cabras, “viados” e piranhas têm a ver com isso? Na falta de
assunto ou na necessidade de criar assuntos polêmicos que geram discussões
inflamadas, desviando o foco dos verdadeiros problemas, que deveriam ser
discutidos e criticados, o jornalismo quadrúpede, encomendado, grotesco ganha
espaço. E dos jovens, pela ignorância tanto quanto dos "experientes"
pela cara de pau auto-atribuída que os anos de carreira podem lhe conferir,
têm-se a sensação do direito de dizer o que se pensa, de qualquer jeito, sem
respeito à norma ou à ética. Somos bombardeados diariamente com baixa cultura
que causa polêmica,vende revistas e aumenta audiência das TVs.
Outro dia, um conhecido veio me chamar para assistir a um espetáculo
de Stand Up comedy num teatro da cidade onde o Danilo Gentilli se apresenta.
Após cair cinquenta pontos no meu conceito e roubar o sorriso da minha cara,
coisa que ele não entendeu muito bem, ainda me dei o trabalho de dizer o quanto
ele deveria ter vergonha de me convidar para tal merda. Fiquei pensando o
quanto isso deve ter sido inútil, porque ele é apenas um dos milhares de
ignorantes que se refastelam gargalhando homofobias, sexismos e outras
preconceituosas bizarrices.
Acho que esse mundo não tem salvação. E eu continuo sentindo muita
vergonha. Vergonha mesmo.
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