TE AMO, MÃE YEMANJÁ
Houve um tempo em que eu te repudiava. Achava que era
por causa dos seus peitos grandes e caídos, porque arrastava pescadores
inocentes para o fundo do mar com seu canto ou mesmo porque roubava os homens
das suas filhas, deixando-as solteiras e mal sucedidas nas matérias do coração.
Mentia. Eram apenas histórias que ouvia e fingia acreditar. Também não sabia
compreender a sua grandeza. E pra mim, toda mulher, toda a cidade tinha quer
ser filha da mãe das outras águas, as doces.
Foi quando minha amiga, filha sua, estampou igual
bofetada uma verdade inconteste na minha cara lavada: eu não te amava porque
tinha problemas com a maternidade, com a maternagem e todo esse monte de
atributos e expectativas que depositamos na chamada arquetípica Grande Mãe.
Faltou sim o carinho legítimo, faltou não ser usado, faltou ser protegido do
monstro que me perseguia noites e dias, faltou ser defendido de ser roubado,
faltou dar-me segurança. Não de você, mas da criatura que deveria ser a
depositária dessa figura com seus atributos. Faltou tanta coisa. Faltas.
Demorei anos e idas e vindas às terapias para poder
compreender que ninguém pode dar o que não tem, e mais anos ainda para poder
perdoar essa falta advinda da impossibilidade. Foram embora a mágoa e o ódio
que faziam sombra à sua aparição. Ficaram, como disse uma vez um dos mestres
das terapias, as cicatrizes dos sofrimentos passados. E Deus pode enfim me
presentear com a serena visão da sua face, do seu olhar sobre mim, da sua mão
afagando silenciosamente a minha cabeça.
Deus, não o Deus supremo que tudo pode e tudo vê, mas
o deus-em-mim, o todo-poderoso instinto da minha consciência que habita o fundo
da minha alma.
Foram necessárias muitas peregrinações a sua primeira
morada em Terra Brasilis, a Bahia de Todos os Santos, para aprender a te amar,
respeitar e te aceitar como Mãe Suprema. Jamais esquecerei o dia em que, estonteado pela sua
vibração de amor e dando ouvido aos seus sussurros de mãe, desci as escadarias
de seu palacete no Rio Vermelho e fui dar de encontro ao mar, o fabuloso jardim
da sua morada.
Foi ali, Mãe, que a Senhora me presenteou com o
presente dos presentes, a minha própria cabeça. A minha cabeça, tão sua, e me
devolvia refeita, renovada ou, melhor dizendo, feita. Feita naquele momento em
coral negro, para que eu lembrasse do Caboclo Pedra Preta. Feita negra para que
eu lembrasse desse meu reencontro com essas origens africanas. Um coral preto,
negro, embreuzado, ebanoide para lembrar o quanto essa cabeça pertence a esse
grande pai negro, meu Pai Xangô.
Hoje eu caminho esses caminhos segundo seus desígnios
e não me arrependo de nenhum passo dado, exceto por não ter começado antes essa
minha jornada e ter me desviado ou parado tantas vezes.
Hoje minha cabeça e meu coração são seus. Da Senhora e
de meus Orixás.
Te amo, Mãe Yemanjá.
2 Comments:
Que linda homenagem!
lindo marcelo!
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