CONSCIÊNCIA NEGRA, INCONSISTÊNCIA BRANCA.
Eu escrevi esse texto há mais de dez anos, já repostei mais de uma vez e hoje decidi “revisitá-lo”, melhorando algumas ideias. Fico feliz de olhar um texto escrito há tempo e perceber que aprendi coisas novas, que podemos mudar sempre. Mas também fico triste de, mesmo após tantos, termos evoluído tão pouco enquanto humanidade. E mais triste ainda de perceber que muitos de nós involuíram.
Mas deixo aqui, carinhosamennte, meu texto. E dedico esse texto, esse dia, às minhas musas pretas guerreiras, amigas que tanto me trazem orgulho em dia luta.
Tenho ouvido muitos comentários de pessoas
criticando o Dia da Consciência Negra. Todo mundo critica, mas ninguém abdica.
Há quem tenha inclusive aproveitado o tão renegado feriado para emendar a
semana em Nova Iorque, Miami ou Buenos Aires.
O Carnaval brasileiro também é uma festa negra,
um feriado negro. O ritmo e os instrumentos que sacodem nossos corpos no samba
foram trazidos por negros, diretamente na África. A maioria das Escolas de
Samba, dos blocos e afoxés espalhados pelo Brasil - e hoje até pelo mundo -
reverenciam o Candomblé, uma religião de matriz africana, de matriz negra, uma
religião de negros.
Mas isso está suficiente para a nossa
sociedade. Negro é feito para sambar, fazer macumba e servir as nossas casas. E
oferecer seu corpo secretamente desejado. Ninguém se importa com o fato de que
a quantidade de negros nas universidades públicas, nos cargos de liderança
públicos e privados é ínfima.
Outro dia fui a um hospital estilo
"Nouveau Riche" e fiquei perplexo: à porta, um concierge negro,
abrindo a porta para os carros, usando quepe e luvas brancas, sempre cordial e
sorridente. Qual a necessidade de haver um concierge, nesses trajes, já que
haviam manobristas? Deve ter gente que se sente bem chique sendo reverenciado
por um vassalo forçadamente submisso.
Sinto vergonha das dondocas que desfilam por aí
com suas babás de uniforme branco, cuidando dos filhos delas e passeando com
seus cachorros nas horas vagas. De novo: você tem o direito de contratar uma babá, mas será que isso lhe dá o direito de vestí-la com um uniforme,
como uma dama de companhia colonial? Faltam as pulseiras e coleiras de ouro
ostentando o poder dos senhorios.
Sou um homem branco. Cresci num bairro de
classe média da cidade, onde eram poucos os negros. Minha família
"orgulhosamente" branca sempre teve muito pouca tolerância com
a negritude, com a presença negra perto de nós. Meu pai era daqueles que faziam
piadas e comentários incorretos sobre negros.
Eu não sei de onde veio o meu amor pela
negritude. Talvez de outras vidas, talvez dessa vida mesmo, pelo amor da
Narcisa, a empregada baiana que me deu tanto amor e carinho
na infância. Assim também se passou com Elza, Madalena, Helena, as negras
mulheres da minha vida que amaram a minha frágil e triste existência branquela rejeitada
pelos mesmos brancos que me criaram, me chamando de gordo, lerdo, bastardo e “viado”.
A Bahia e o Candomblé derreteram meu coração de
vez, mas com certeza esse amor já existia. Ele encontrou porto, morada, no
cerne de uma religião complexa, elaborada e em cujo alicerce está a compreensão
das diferentes naturezas humanas, da diversidade.
Talvez seja mesmo a rejeição que tenha jogado a
minha alma para o lado dos excluídos. Talvez ter passado tanta necessidade
naqueles sofridos anos da faculdade, dormindo e batendo a cabeça nos vidros dos
ônibus, tenha despertado a identificação com tanta gente, negra ou não, que
sofre privação, exclusão e preconceito.
Dizem que tem um negão dentro de mim. E eu
acredito. Mas se os negros são os humanos mais antigos do mundo, todo
mundo, cada pessoa vivente, por menos que se aceite ou deseje, tem ao menos uma
gota do sangue desses ancestrais correndo em suas veias. Aqueles que chamam os
negros de macacos, vale lembrar, então, que todos nós temos, em ao menos uma
molécula, algo desse mesmo macaco.
Eu espero que esse dia, que essas palavras,
sejam faróis a iluminar a nossa ignorância e um sincero pedido de perdão à raça
negra e ao meus ancestrais negros por todo o preconceito que já tive e pelos
restinhos que ainda possa ter.
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