Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Monday, November 25, 2013

CONSCIÊNCIA NEGRA, INCONSISTÊNCIA BRANCA.



Eu escrevi esse texto há mais de dez anos, já repostei mais de uma vez e hoje decidi “revisitá-lo”, melhorando algumas ideias. Fico feliz de olhar um texto escrito há tempo e perceber que aprendi coisas novas, que podemos mudar sempre. Mas também fico triste de, mesmo após tantos, termos evoluído tão pouco enquanto humanidade. E mais triste ainda de perceber que muitos de nós involuíram. 

Mas deixo aqui, carinhosamennte, meu texto. E dedico esse texto, esse dia, às minhas musas pretas guerreiras, amigas que tanto me trazem orgulho em dia luta.


Tenho ouvido muitos comentários de pessoas criticando o Dia da Consciência Negra. Todo mundo critica, mas ninguém abdica. Há quem tenha inclusive aproveitado o tão renegado feriado para emendar a semana em Nova Iorque, Miami ou Buenos Aires. 

O Carnaval brasileiro também é uma festa negra, um feriado negro. O ritmo e os instrumentos que sacodem nossos corpos no samba foram trazidos por negros, diretamente na África. A maioria das Escolas de Samba, dos blocos e afoxés espalhados pelo Brasil - e hoje até pelo mundo - reverenciam o Candomblé, uma religião de matriz africana, de matriz negra, uma religião de negros. 

Mas isso está suficiente para a nossa sociedade. Negro é feito para sambar, fazer macumba e servir as nossas casas. E oferecer seu corpo secretamente desejado. Ninguém se importa com o fato de que a quantidade de negros nas universidades públicas, nos cargos de liderança públicos e privados é ínfima. 

Outro dia fui a um hospital estilo "Nouveau Riche" e fiquei perplexo: à porta, um concierge negro, abrindo a porta para os carros, usando quepe e luvas brancas, sempre cordial e sorridente. Qual a necessidade de haver um concierge, nesses trajes, já que haviam manobristas? Deve ter gente que se sente bem chique sendo reverenciado por um vassalo forçadamente submisso. 

Sinto vergonha das dondocas que desfilam por aí com suas babás de uniforme branco, cuidando dos filhos delas e passeando com seus cachorros nas horas vagas. De novo: você tem o direito de contratar uma babá, mas será que isso lhe dá o direito de vestí-la com um uniforme, como uma dama de companhia colonial? Faltam as pulseiras e coleiras de ouro ostentando o poder dos senhorios. 

Sou um homem branco. Cresci num bairro de classe média da cidade, onde eram poucos os negros. Minha família  "orgulhosamente" branca sempre teve muito pouca tolerância com a negritude, com a presença negra perto de nós. Meu pai era daqueles que faziam piadas e comentários incorretos sobre negros. 

Eu não sei de onde veio o meu amor pela negritude. Talvez de outras vidas, talvez dessa vida mesmo, pelo amor da Narcisa, a empregada baiana que me deu tanto  amor e carinho na infância. Assim também se passou com Elza, Madalena, Helena, as negras mulheres da minha vida que amaram a minha frágil e triste existência branquela rejeitada pelos mesmos brancos que me criaram, me chamando de gordo, lerdo, bastardo e “viado”. 

A Bahia e o Candomblé derreteram meu coração de vez, mas com certeza esse amor já existia. Ele encontrou porto, morada, no cerne de uma religião complexa, elaborada e em cujo alicerce está a compreensão das diferentes naturezas humanas, da diversidade. 

Talvez seja mesmo a rejeição que tenha jogado a minha alma para o lado dos excluídos. Talvez ter passado tanta necessidade naqueles sofridos anos da faculdade, dormindo e batendo a cabeça nos vidros dos ônibus, tenha despertado a identificação com tanta gente, negra ou não, que sofre privação, exclusão e preconceito.

Dizem que tem um negão dentro de mim. E eu acredito. Mas se os negros são os humanos mais antigos do mundo, todo mundo, cada pessoa vivente, por menos que se aceite ou deseje, tem ao menos uma gota do sangue desses ancestrais correndo em suas veias. Aqueles que chamam os negros de macacos, vale lembrar, então, que todos nós temos, em ao menos uma molécula, algo desse mesmo macaco. 

Eu espero que esse dia, que essas palavras, sejam faróis a iluminar a nossa ignorância e um sincero pedido de perdão à raça negra e ao meus ancestrais negros por todo o preconceito que já tive e pelos restinhos que ainda possa ter. 

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