Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Sunday, May 21, 2017

13 RAZÕES.

Eu ando sempre meio atrasado em relação aos modismos e ao consumo em geral. Isso inclui meu atraso em assistir filmes e séries novos. Isso inclui a nova série 13 Reasons Why, disponível no Netflix. Demorei para ouvir falar e estava pouco interessado em assistir até que, numa reunião de amigos, os comentários divergentes aguçaram o meu interesse. 

"Ah, é sobre bullying" - disse alguém.

"Eu assisti, mas não vi nada demais, nada tão importante assim para ela se matar. Eu passei por tudo isso na minha época e não me matei" - disse um outro.

"Ela era muito desequilibrada, na verdade" - retrucou mais outro.

"Esse mundo anda muito chato. Não se pode falar mais nada." - falou mais um.

No grupo, duas pessoas combinavam um evento para discutir a série com os alunos de uma escola, e diziam que seria “legal” usar o material para discutir sobre bullying e suicídio, principalmente com o advento da tal “baleia azul”. 

Ouvi algumas pessoas preocupadas com o poder da série de induzir o suicídio e em pessoas propensas a isto. Rapidamente me lembrei que li e assisti, na infância, “O meu pé de laranja-lima”, vi o assassinato da Odete Roitman, o suicídio da garota dos frangos em “Garota interrompida”, a execução por enforcamento em “Dançando no Escuro”, a morte de Virginia Wolf em “Mrs. Dalloway” e tantos outros. Há uma lista enorme de filmes, séries e novelas revelando o tema. Pensei sobre a época em que não existia televisão ou nas pessoas que vivem na roça, afastadas das influências da mídia e que, ainda assim, suicídios já ocorriam. 

E então eu decidi assistir. E fiquei realmente impressionado. E logo nos primeiros capítulos, decidi que gostaria de escrever as minhas impressões sobre a série, não apenas desse lugar “privilegiado” como psiquiatra e psicoterapeuta, mas como alguém que sofreu muito bullying (na época em que não se falava sobre isso), muita violência na escola e em casa e, por conta de tanta fragilidade, quase teve o mesmo trágico fim de Hannah. 


Em 13 episódios, Hannah revela as 13 razões que a levaram a cometer o suicídio. E veja, ela não faz apenas culpar os outros, como o início da série dá a impressão. Ela também reflete sobre seus erros, seus medos, seus fracassos, sua solidão num mundo mental perturbador e suas tentativas frustradas em conseguir se livrar da dor. 

A partir de cada revelação, a série também vai nos apresentando situações tão comuns e tão graves no ambiente escolar e que, sem dúvida, podem levar uma pessoa que SEJA ou ESTEJA mais frágil a desejar acabar com a própria vida, mas também que podem se FRAGILIZAR e desencadear o mesmo processo. Assédio moral e sexual, abusos físicos, humilhações, estupro, exposição indevida de intimidades, preconceito, racismo e silêncio. Sim, o silêncio dos colegas, observando, de longe, a violência sofrida por uns e outros; o silêncio das escolas, dos educadores, que deveriam investigar e proteger tais abusos; o distanciamento dos pais a despeito da vida e do sofrimento dos seus filhos. A série é um fiel retrato de situações que são vividas diariamente, por diversas pessoas, não importa o tipo de escola ou a classe social. 

Hannah “presenteia" seus colegas com a consciência sobre suas atitudes e suas consequências, deixando com eles a culpa, a impotência, a reflexão sobre seus atos. Nos primeiros episódios, cheguei a sentir raiva dela, julgando-a “sacana” por jogar para cima deles a culpa pela seu suicídio, como uma forma de vingança. Na verdade, é bem mais fácil enxergar a coisa desse modo. Dizer que ela era louca, desequilibrada e sacana, por querer se vingar e torturar as pessoas, mesmo depois de morta. 

Mas, se olharmos mais fundo, veremos que há uma importante mensagem nas fitas gravadas por Hannah. Quando ela descreve cada uma das atitudes das pessoas envolvidas, ela nos mostra, como disse o jovem Clay, o que estamos fazendo com as pessoas e como deveríamos tentar agir de uma forma melhor. 

Além de Hannah, há, em minha opinião, dois importantes personagens que guardam em si uma chave simbólica na trama: Clay e Tony. Clay, que em inglês significa “barro”, é quem dá o amálgama a toda a trama. É ele, durante todos os episódios, quem ouve as fitas deixadas por Hannah e vai nos mostrando, vivenciando um turbilhão de sentimentos e provocando reações, ações, que tentam, de alguma forma, reparar os erros cometidos por aquelas pessoas. Tony, encarregado de distribuir as fitas e guardar os segredos de Hannah, com seu carro vermelho, seu visual rebelde e afeito às coisas do passado, é o mensageiro, o “trickster”, o “Hermes” que tem a função de trazer a verdade e está sempre presente para facilitar o trânsito entre os vivos e a morta. 


Minha angústia crescia conforme avançava a série. Crescia porque ficava apreensivo em saber o motivo pelo qual Clay, o menino bonzinho, estava entre as 13 razões e também porque, embora já soubéssemos o “final”, esse passo a passo que vai culminar com essa desistência, esse vazio que Hannah descreve, me fez refletir sobre o que já senti no passado e sobre quantas pessoas passam por isso todos os dias. Muitas conseguem obter apoio e sair desse buraco, mas muitas - e nem sabemos quantas - não saíram e não sairão. 

É por isso que a palavra chave é empatia. Empatia é uma palavra muito falada e pouco sentida. Colocar-se no lugar do outro. Será que conseguimos? E se conseguíssemos? Será que queremos? Empatia não brota em árvores. É claro que há pessoas que têm uma capacidade mais espontânea de empatia. Mas só algumas. Na grande maioria dos casos, empatia exige esforço, trabalho, deslocamento da nossa posição para a do outro, e não raras vezes falhamos. Em muitos casos, por mais que tentemos, não conseguiremos estar ali e precisamos reconhecer isso, o que já é bastante válido. 

Mesmo que eu já tenha passado pelo mesmo sofrimento, eu não sou Hannah. A dor, o sofrimento, o vazio de cada um é de cada um apenas. E temos a obrigação de saber que não estamos aptos a julgar os sentimentos do outro. Então, se não somos capazes de compreender, o máximo de atitude empática que poderemos ter é despir-se da beca de juiz e aceitar aquele sofrimento como possível. Sendo legítimo, vindo da alma, já pode ajudar. 

Também não devemos julgar o tipo de ajuda à qual a pessoa recorre. Profissionais da saúde tendem a acreditar que os remédios e a terapia são os únicos recursos disponíveis. São importantes recursos, obviamente, mas não os únicos. Muitas pessoas que passaram por essa situação conseguiram apoio, recuperação e cura através de muitos outros meios e muitas pessoas que procuraram remédios e terapia sucumbiram. 

Parece que não julgar é o que há de mais importante. E eu não falo de um lugar todo especial, de nenhum altar de superioridade, me colocando como uma pessoa que não julga nunca, que aceita e empatiza sempre. Eu falo do lugar onde me encontro agora: um cara que já passou por coisas difíceis e que quase sucumbiu e encontrou apoio em alguns amigos, espíritos, terapias, remédios e que hoje é capaz de amar a vida e desejar continuar vivendo. E mesmo assim, fui convidado por Hannah - e aceitei o convite - a julgar ainda menos e empatizar ainda mais. 



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