A GRANDE BOLA BIPOLAR DO MUNDO

Bipolares do mundo, uni-vos!

Há mais ou menos oito anos estive num evento patrocinado por um Laboratório Farmacêutico sobre Transtorno Bipolar. Além de ilustres convidados brasileiros, estava o Professor Hagop Akiskal, um médico sírio radicado nos Estados Unidos e tido como um dos maiores especialistas em Transtornos de Humor. Naquela época, mesmo com muito menos experiência que hoje, já tinha achado a apresentação dele meio chata e me assustei um pouco com o grau entusiasmado de “propagandismo” com que ele falava de uma determinada medicação psiquiátrica, apontando-a como a melhor medicação para a doença.

Anos se passaram e Akiskal volta ao Brasil, dessa vez patrocinado por um outro Laboratório. Não me entusiasmei com o convite, mas resolvi acompanhar duas amigas minhas que não conheciam o “Deus da Bipolaridade”. Além disso, achava que ia encontrar uma boa “boca livre” de almoço num sábado ensolarado.

Minha intuição estava, como sempre, certíssima. Perda de tempo sair da cama cedo em pleno sábado para esse evento. Chegando lá, reconheci imediatamente o lugar ridículo onde seria. Um espaço chamado Villa Noah, um verdadeira arca de Noé moderna, mais parecida com um grande caixote, um galpão de self-storage do que qualquer outra coisa.
Isso já me cheirou mal. Sabia que a boca livre não seria tão boa.

E lá veio ele, o senhor gordinho, andando torto, desatando a falar de Transtorno Bipolar. E passava longe do que eu desejava ouvir. Começou a falar de supostos bipolares da história do Mundo, como Elvis, Hendrix entre outros. Listou uma série de características de comportamento que seriam “sugestivas” da doença, como ter mais de três casamentos, falar mais de três línguas, viajar muito, gostar muito de sexo e... usar chapéu vermelho! Pasmem! Coisas aparentemente normais e atribuíveis a pessoas inteligentes ou encaradas como comportamentos normais entre as pessoas podem ser sinais de uma doença gravíssima!!! Fiquei com medo de ser bipolar. Adoro viajar e realmente viajo bastante, tenho um lado consumista forte, sou comilão, falo três línguas, estou no segundo casamento...

Mas o Professor não parou por aí. Inovou com seus “slides” com as fotos dos pesquisadores, com a foto da mulher de chapéu vermelho, com uma lista de personagens da história que, segundo eles, eram bipolares. Quase disse que todo artista é bipolar. E tudo o que há diferente em psiquiatria pode ser bipolar. AIDS pode ser bipolar. Unha encravada pode ser bipolar. Tudo,tudo, tudo.

Fiquei feliz por saber que talvez eu seja bipolar. E fiquei mais feliz ainda em saber que, caso eu seja, não estarei sozinho, porque, se levarmos em conta todas essas sandices do honorável professor, só não é bipolar quem está morto! O mundo é uma grande bola bipolar! Haja lítio! Ou “X”, ou “Y”, dependendo do laboratório que paga a conta da palestra. Como são versáteis esses professores!

Mas a tristeza maior foi ter que aguentar , mergulhado no horrível sotaque arabesco, as piadas do Professor. Tentando ser inovador, brincando de show-man, passou o tempo todo fazendo piadas sem graça. Minha amiga perguntou se ele estava treinando para fazer stand up comedy. Se for isso, é melhor continuar sendo psiquiatra.

Tédio, tédio, tédio. Costumo sentir tédio mesmo quando o tema é interessante. Ainda mais quando não é. Mas sou muito grato a Deus, porque colocou Steve Jobs no mundo, que criou a Apple e com ela, o iphone. Só assim para ajudar o tempo passar mais rápido enquanto o Professor proferia desavergonhadamente as suas bobagens pouco científicas.

Terminada a palestra, verifiquei que o almoço ia ser chinfrim, como tudo que aconteceu nesse sábado até então. Decidimos não perder mais tempo e fomos embora. Pior que assitir uma palestra ruim é finalizar com um almoço ruim. Akiskal nunca mais, nem de graça, a não ser que eu seja obrigado a assisti-lo pra concorrer a uma viagem pra Bora Bora. Tomamos um “café com lítio”... quer dizer, com “divalproex” e fomos embora terminar de forma digna o sábado de primeiro de maio....