Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Wednesday, March 10, 2010

SÃO PAULO RESTAURANT WEEK OU A QUINZENA DA FRANÇA NO BRASIL


Sim, eu sou um guloso confesso. Gosto de cozinhar, gosto de comer a comida do outros, gosto de experimentar novos pratos. Experimentar restaurantes novos, atravessar a cidade e até ir pra outras cidades para provar alguma novidade. Além de guloso, sou consumista. Mas toda vez que viajo, a minha maior “gana” de consumismo está nos temperos, nos sabores, nos utensílios para cozinha.

Quando ouço falar de uma comida diferente, fico com ela na cabeça enquanto não satisfaço a minha curiosidade. Às vezes me decepciono. Certa vez estive em Manaus a trabalho e os “locais” falaram que eu tinha que experimentar o café da manhã regional e comer tapioca com tucumã. Fiquei possuído. Saí feito louco atrás desse tucumã, que é uma fruta típica da Amazônia. Imaginei um fruto suculento, pastoso, saboroso, misturado com o salgadinho da tapioca. Descobri um parque ao lado do local do curso, o Parque do Mindú, que servia o tal café regional. Num intervalo da aula, caminhei uns 20 minutos até o local e fiquei extasiado ao encontrar uma barraquinha vendendo tapioca com tucumã.

Esperei a confecção do prato, com água na boca. Fui correndo pra mesa e na primeira mordida, nada. A parte do tucumã que se come é a casca da fruta e tem um curioso sabor de... nada. Era como se eu mastigasse cascas secas de laranja, embora essas têm gosto e cheiro. Voltando, decepcionado, contei aos alunos minha decepção, e eles me disseram que “existem tucumãs e tucumãs”. Pode ser que sim, mas encerrei minhas tentativas. Da Amazônia, fico com a farinha d’água, com o pato no tucupi, tacacá e pirarucu. E quase nada mais.

Já faz algum tempo, assistindo ao programa do Jamie Oliver (Oliver’s Twist), vi o gordinho preparando pratos para um piquenique. Champagne, Club Sandwich de Lagosta e frutas vermelhas levemente aquecidas com açúcar de confeiteiro, suspiros e Clotted Cream. Vendo ele preparar essa sobremesa, babei. O Clotted Cream, como me informou o Mr. Google, é um tipo de creme de leite de uma região específica da Inglaterra. Não conseguia pensar em outra coisa. Procurei nos supermercados chiques da cidade e nada. Ninguém conhecia esse tal creme. Passado algum tempo estive em Londres e, acompanhado de uma amiga comilona, finalmente encontrei o tão sonhado creme. O aspecto era estranho. Um pote de plástico, um aspecto denso e uma capa de gordura que encobria o conteúdo. Compramos morangos frescos num empório e uns suspiros gigantes com sabor de chocolate. Só não pudemos “refogar” os morangos, mas nos afogamos na sobremesa demoníaca. Gordura pura, essa é a chave. E pra quem gosta de creme de leite, digo com certeza que, ninguém é mais o mesmo depois do Clotted Cream.

Quando fiz meu estágio em Paris, tive a oportunidade de circular e desvendar diversos endereços gastronômicos maravilhosos na cidade. Um deles, encontrei por acaso num dia de muita fome, no Marais (lê-se “marré”), o bairro gay-judeu de Paris. Lá descobri o “Le Bouquet des Archives”, um restaurante-bar muito charmoso. Comi o “PF” local e me deliciei. Numa outra viagem, levei meus amigos para conhecer essa “pérola” e comemos Steak Tartare Poëlé. Traduzindo: o delicioso steak tartare, um prato composto de carne crua, muitos temperos e um ovo cru, mas com um requinte parisiense. Uma passadinha de segundos na frigideira (com manteiga, bien sûre, deixando uma fina camada de cozimento por fora, acentuando o sabor da carne. Tivemos a pachorra de voltar lá e repetir o prato numa viagem de quatro dias. (Falando nisso, tive um acesso de fome, mas tenho que me contentar com uma barrinha de cereais no momento).

Vejam vocês que estou falando de maravilhas gastronômicas cuja composição não é nada sofisticada. E resolvi exemplificar primeiro com maravilhas tão simples para que entendam meu descontentamento, uma vez que não é imprescindível a presença de trufas negras, ovas de ouriço cego da Lapônia ou flores-de-sal retiradas pelas virgens islâmicas de Marseille. Basta bom gosto e criatividade.

E o São Paulo Restaurant Week representa mal esse espírito. Criado (ou copiado ou inspirado) a partir das versões internacionais mundo afora, compõe-se de um período de duas semanas no qual um pool de restaurantes oferece um Menu “Prix Fixe”, composto de entrada, prato principal e sobremesa, por preços razoáveis. Por trinta a cinqüenta reais, em média, variando entre almoço ou janta e o tipo de restaurante, é uma excelente oportunidade para pessoas que amam degustar pero-non-gastar e visitar restaurantes chiques e famosos da cidade. Já estive em várias temporadas do evento em vários lugares e procuro prestigiar e aproveitar também em São Paulo. Mas esse ano, fiquei um tanto decepcionado.

Passeando por alguns restaurantes da promoção, não todos, o que mais me decepcionou foi a “economia” de alguns pratos. Entradas minúsculas, pouca quantidade no prato principal, muito, mas muito arroz. Sobremesas insípidas. Tudo bem que a proposta é oferecer pratos “especialmente preparados” para o evento e não discordo que esse preparo especial se componha a partir de uma composição harmônica entre preço, quantidade e qualidade. Não, não estou querendo comer trufas negras por 30 reais. Mas fiquei realmente decepcionado com alguns lugares que visitei, por servirem pratos totalmente “franceses”, não pelo sabor, mas pela pequenez. Já estive em diversos restaurantes sofisticados na França, mas os pratos mais “franceses” que já encontrei foram no Brasil. Não preciso dizer que saí de vários desses restaurantes com fome, contendo minha fúria para não fazer um pit stop no Black Dog da Rua Joaquim Eugênio. Num desses dias, chegando em casa, a fome aumentou. Conhecendo minhaa gulodice e o tamanho do meu estômago, terminei a noite com um belo sanduíche de queijo e peito de peru (light...).

Essa “escassez” de comida me fez lembrar os tempos de faculdade, quando eu ia com uma amiga numa cantina italiana, pedíamos um único prato para dois gordos e entupíamos a comida de queijo ralado para matar a fome de modo econômico. Mas hoje as coisas mudaram na minha vida e passar fome pagando caro não faz parte do meu cardápio.

Do mesmo modo que não vou deixar de freqüentar o tal hotel francês que serviu bigato no brunch, provavelmente não vou deixar de freqüentar o São Paulo Restaurant Week, nem mesmo os restaurantes que visitei e nos quais me senti um pouco roubado. Como bom brasileiro, parecido com aqueles que reelegem os mesmos ladrões a cada eleição, persisto sendo assaltado de forma “fina”. Nada que um bom vinho não amenize.

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