DESCONTENTAMENTO INFINITO

Antigamente as coisas eram mais fáceis. As pessoas nasciam, cresciam, morriam com menos alarde. Curtiam um viver mais simples, as coisas da natureza, uma boa comida, carinho, amor, amigos. Esse “antigamente” era a época da juventude do mundo. Conforme o mundo cresceu, veio o descontentamento próprio da idade. Uma “aborrescência”, uma insatisfação com o status da hora.
Ganhamos carros, telefones ultra-modernos, aparelhos cibernéticos, encurtamos distâncias, falando com pessoas em tempo real pela tela do computador. Lembro de quando era mais jovem e tinha um grande amigo que foi morar no Japão. Trocávamos cartas. Cada carta demorava, em média, dez dias pra chegar. Por muitos anos guardei-as comigo, como símbolo da nossa amizade. A amizade partiu, as cartas não existem mais. Se aquela época fosse hoje, não haveria nem cartas. Somente MSN, Skype, iChat, Windows Live Messenger, ICQ...
Temos tudo tão à mão que perdemos a noção do valor das coisas. Não existe mais saudade. Ou, pelo menos, não podemos demonstra-la. Outro dia encontrei uma amiga que não via há anos – pessoalmente. A gente se fala, se beija, manda amor e presentes todos os dias no Facebook. Ela lê meu blog, conhece meus sobrinhos, viu meus álbuns das minhas viagens. Sabe de tudo, mas será que ela lembra meu nome?
Nem de sexo precisamos mais. Podemos fazer sexo virtual. Tem sites de pessoas que ficam se masturbando na CAM. É só pagar. Pagar e levar. Também não precisamos ir mais ao supermercado, porque as compras podem ser feitas pela internet e são entregues em casa. Não olhamos mais se a carne está bonita, se o peixe está fresco, não apertamos mais os abacates pra ver se eles estão maduros. E quando menos você sai de casa, mais você ganha: suas compras viram prêmios, bônus, torradeiras, calças Levis e milhas do Cartão Fidelidade da TAM.
Sempre fico observando as crianças e os adolescentes. Nenhuma dificuldade. Google, Wikipedia e muitas outras bases de dados podem ensinar qualquer coisa. Lembro quando tinha que fazer trabalhos de Geografia e copiava páginas de enciclopédias. Claro que não tenho saudades. Mas esse jovens de hoje têm tudo tão fácil, tão à mão, que acabaram perdendo a noção do valor das coisas. Também não precisamos ler livros. Não precisamos tê-los, nem aluga-los, nem empresta-los. E-books, Kindles, audio-books, leitores virtuais.
Somos como aqueles japoneses que vemos em Paris: com uma semana de férias por ano, a “graça” está em filmar tudo na viagem pra ver depois, em casa. Ou como os americanos que vão a Las Vegas e conhecem todo o mundo em praticamente uma avenida. Pra que viajar a Paris, se a Torre Eiffel é igualzinha à de Vegas? Logo, logo, os pacotes de viagens serão substituídos por pacotes de Blue Ray com as melhores viagens do mundo. Lembro quando assistia ao desenho dos Jetsons e eles comiam comprimidos com gosto das “antigas” comidas e outro dia fui a um restaurante vegetariano que costumo frequentar e ouvi a dona dizendo: “Chegou ração humana!”. Perguntei o que seria, e ela explicou que era uma mistura de fibras e proteínas e o caralho-que-o-parta... O pior é que tem um monte de gente que come isso...O futuro realmente chegou...
Tudo cada vez mais fácil acaba por tornar a vida cada vez mais difícil, porque ela se torna chata. Qual objetivo podemos ter na vida, qual a meta, qual o sonho, se tudo já vem feito, pronto pra vestir ou consumir? E ainda vivemos mais do que vivíamos antes. Muito mais tempo para o tédio.
Já inventaram vários substitutos para o sexo. Bonecos infláveis, vibradores e “dildos” cada vez mais potentes e performáticos. Logo, logo chega um vibrador que você assobia ou grita o nome dele, e daí ele vem correndo e faz o serviço, como o “Thing”, a mãozinha autômata da Família Adams, porque a fantasia já chega pronta, em embalagens discretas, pelo correio. E do mesmo jeito que inventaram o i-doser, uma espécie de pega-trouxas que produz sons e vibrações que provocam as sensações das diferentes drogas, devem inventar o i-sex ou i-fuck ( na verdade o i-doser já vende a vibração do orgasmo...
Quem desejar ficar sem ter nenhum trabalho, a modernidade também trouxe o “no-sex” ou “i-not-fuck”... Prozac, Cocaína, Ecstasy...basta tomar que o sexo vai embora. O pau não sobe mais, as pererecas não ficam mais molhadinhas. A libido desaparece. É uma forma moderna de não se ter trabalho com os dilemas do sexo.
Até a experiência mística perdeu a graça. Recentemente uma pesquisadora em neurociências descobriu uma forma de mapear a região do cérebro relacionada às experiências místicas, como visões, êxtase místico, entre outros. E pior: conseguiu estimula-las eletricamente. Portanto, em pouco tempo não será preciso meditar, ir a templos, rezar. Você terá um aparelho no seu criado-mudo, menor que um rádio-relógio, bastando conecta-lo à sua testa para encontrar Deus. Até a Madonna não precisará perder mais tempo com a Cabala. A única coisa é que o aparelho não vem equipado com o Jesus que ela encontrou no Rio de Janeiro.
Tudo isso que existe era pra tornar o mundo mais fácil, não mais sem-graça. Mas eu não acho que a culpa sejam os aparelhos, as comodidades, a tecnologia. Acho que tudo isso, inclusive a tecnologia, é reflexo da falta de sentido, da falta de compromisso e de maturidade da humanidade.
Somos insatisfeitos com tudo à nossa volta. O melhor restaurante tem algo errado; a pessoa pela qual nos interessamos não serve porque falta isso ou sobra aquilo; a viagem de férias teria sido melhor se não tivesse acontecido tal coisa. Somos criados baseados num modelo de perfeição divina e esperamos que tudo o que encontrarmos pela frente deve vir pronto para uso, impecável, funcionando perfeitamente, como o iPhone ou o iPod que acabamos de tirar da caixa. E como qualquer mercadoria, devolvemos na menor ameaça de defeito.
Nesse mundo tão ilusoriamente perfeito, onde aparentemente tudo funciona tão bem, não há espaços para defeitos ou mazelas. A mulher foi educada para encontrar o príncipe, que deve ser bonito, cavalheiro, talentoso, bem-sucedido, muito bem resolvido financeiramente e emocionalmente, ser bom de cama, culto, gostar da sogra e não ser dependente da mãe, no mínimo. Onde é possível encontrar um homem desses? Na caixa, direto da fábrica de andróides.
Tão grande é a necessidade de perfeição, que esquecemos de valorizar o que possa haver de belo, interessante, importante numa pessoa. Os defeitos, as “faltas” ficam sob os holofotes, cegando as possibilidades. O príncipe não é príncipe se não preencher todos os requisitos.
Só consigo pensar numa resposta para isso: lendo um livro sobre Jung, gravei na minha mente algo que ele disse. Muitas vezes as pessoas fazem psicoterapia com a expectativa de conseguir uma vida de felicidade plena, sem problemas. O máximo que ela conseguirá será lidar melhor com seus problemas, mas eles sempre existirão. Portanto, não existe vida sem problemas, do mesmo jeito que não existem pessoas ou coisas perfeitas. É a ilusão de encontrar a perfeição que faz a maioria das pessoas tão infeliz.
1 Comments:
Lembro-me de um trecho do Jung que me marcou muito, e acho que deve ser o mesmo, quando ele diz algo como: não busque a perfeição, busque a plenitude. É incrível como isso faz uma enooorme diferença!
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