Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Monday, March 29, 2010

O TABU DAS SENHAS OU AS SENHAS DOS TABUS?


Somos rodeados de senhas. Desde que o mundo é o mundo que conhecemos, os homens se valem de senhas, códigos secretos, símbolos para protegerem seus tesouros. Hoje, com a tecnologia, somos bombardeados com a obrigatoriedade de portar senhas para tudo o que fazemos. Senhas para o banco, que geralmente são três ou quatro, porque precisamos de uma para o cartão magnético, que em um dos meus bancos são duas, uma para a internet, uma senha móvel para transações na internet... Considerando que tenho conta em cinco bancos diferentes, multiplique essa parafernália toda....

Precisamos de senhas para a internet, para as contas de emails, para os cadastros dos sites, para resgatar pontos, para fazer compras, para acompanhar a chegada das encomendas. Cada novo site, uma nova descoberta e...uma nova senha, um novo nickname... Os celulares precisam de senhas também... Para ouvir mensagens, para acessar a caixa postal internacional, para falar com um de nossos atendentes.... As companhias aéreas e seus pontos, milhagens também requisitam senhas, inúmeras... Só na TAM, por exemplo, tenho três. Tem uma para acessar a internet, uma para o resgate de pontos, uma para sei lá mais o quê...

Todos os meses recebo créditos de dois hospitais nos quais trabalho, correspondentes à cesta básica. Chamo de vale-coxinha. Tenho dois cartões magnéticos de duas empresas diferentes, com dois códigos diferentes. E como se não bastasse trocar as senhas entre elas, vez ou outra vem à minha cabeça a senha de um outro vale-coxinha aposentado! E como ninguém disse que a vida é fácil, na maioria das vezes as senhas não podem ser escolhidas, somos escolhidos por elas!

Além dessas senhas da pouco prática vida cotidiana, somos expostos a um outro universo de senhas que nos dão acesso a todo tipo de coisas, lugares e sei lá mais o quê... Uma certa analista minha tinha seu consultório instalado num prédio super-chique em São Paulo. Como muitos psicanalistas, ela não tinha secretária e adotava aquele velho esquema de “entrou por uma porta e saiu pela outra”, para que as pessoas não se encontrassem... E na porta de entrada, uma fechadura eletrônica com uma senha... Maldita senha que me causava tantos constrangimentos solitários! Quando ela me deu a senha, tratei de arquivar no meu celular. Na primeira vez anotei errado. Na segunda vez, decorei na cabeça, mas inverti os números. Numa outra vez, esqueci os números, mas a bateria do celular acabou e fiquei sem ver. Num dos raros dias em que acertei a senha, sentei-me confiante na sala de espera, orgulhoso do meu progresso. E o tempo passava, e nada acontecia. Ela não abria a porta, eu não ouvia o burburinho da consulta anterior. “Gozado, ela costuma estar aqui essa hora”... Bingo! Fui no dia errado!

Um amigo me contou que uma vez viajou a Miami com sua irmã e descobriram uma muambeira baiana em Downtown, num prédio comercial qualquer. Foram lá porque ela tinha preços imperdíveis, segundo a irmã dele. Chegando lá, a irmã tocou a campainha e, quando a pessoa perguntou quem era, grudou a cara na porta e, quase sussurrando, disse: “O rato roeu a roupa do rei de Roma”. Misteriosa senha que abria o Sésamo da muambagem.

Uma outra amiga confidenciou (sim, porque isso é secretíssimo...) que numa certa favela em São Paulo, há um grupo de costureiras que confeccionam roupas para diversas grifes famosas da cidade. Elas recebem os tecidos nobilíssimos, fazem as peças e, com o que sobra, confeccionam algumas “pecinhas a mais” para fazer uma revenda informal das roupas de grife. Dizem que a favela é altamente visitada pelas falsas peruas e pelas peruas econômicas... E, pra não sair do módulo, há uma senha para entrar nas casas das costureiras. É preciso dizer que quem mandou você lá foi a “Tia Maricota” ou coisa que o valha. Então uma misteriosa porta favelar se abre e a costureira vai buscar uma única peça de roupa, no seu tamanho. Se não gostou, ela sai e volta com outra peça, e por aí vai. O curioso é que a favela é uma oficina de costura inteira e as costureiras trocam as peças entre si, de diferentes marcas. Creio que isso tem a função de dispersar a suspeita de fraude e de conferir maior variabilidade das mercadorias.

Em Nova York tem acontecido uma coisa engraçada. Em pequenos becos de Chinatown ou mesmo dentro de furgões velhos, ocorre um mercado informal de falsificações de bolsas, sapatos e relógios. Você não precisa de senha para entrar; as senhas servem para informar as vendedoras de que a polícia está chegando ou coisa aparecida. Tenho duas amigas que foram “raptadas” por uma Ping-pong vendedora de bolsas falsificadas e, no que a polícia se aproximava, ficaram duas horas presas num cubículo abafado de um prédio abandonado, até que a senha de "liberação" fosse disparada.

As senhas também servem para despistar ligações telefônicas ou mensagens “perigosas”. Quando era adolescente, uma de minhas amigas tinha uma família muito rígida e, quando ela desconfiava que havia alguém na “extensão”, atendia falando “boi”, querendo dizer que havia “boi na linha”. Outra técnica conhecida é mudar de assunto quando se percebe que tem alguém perto que não pode escutar a conversa, ou mesmo falar “alô, alô, alô” e desligar em seguida, simulando “falha técnica”.

Tinha uma amiga que adorava sair com homens casados. Certa vez estava conversando pelo MSN com um suposto amante, quando foi flagrada pela mulher dele, marcando uma “ponta” para o fim de tarde... Desde então criou um “código” no qual fazia uma pergunta específica que o amante deveria responder com uma resposta padrão. Além disso, criou um novo perfil com nome e foto de homem. Entrava no MSN e dizia: “E aí brow?” e o amante deveria responder “Fala aí meu, tudo na paz!”. E era só então que tinha certeza que estava falando com o amante e não com a mulher dele.

Além das senhas escritas, faladas ou desenhadas, temos as senhas que são códigos corporais de conduta. Uma piscada de olho, um sorriso maroto, um levantar de sobrancelhas pode querer dizer muita coisa. Uma vez li em algum lugar que, nos encontros casuais entre gays em lugares públicos, como metrô, supermercados e shopping, depois de trocar olhares, a confirmação de que o “cara” estava querendo alguma coisa de fato se dava quando ele colocava a mão no “bagulho”. Ouvi dizer que os judeus ortodoxos colocam o chapéu em cima da cama para “avisar” a mulher que ela deve se preparar para “fazer mais um neném”.

Sim, as senhas sempre existirão. Precisamos delas para garantir nossa segurança, salvaguardar nosso dinheiro, documentos, jóias e integridades. O problema é quando as senhas ocupam o lugar da palavra, quando substituímos a verdadeira palavra por códigos e reduzimos a comunicação a seqüências estereotipadas de números, letras e gestos. É então que nos tornamos robôs, sem diálogo, sem conversa, apenas códigos.

Assim vai se assassinando a cultura, a fala, a escrita e, por conseguinte, a comunicação. Sim, é claro que uma língua pode mudar, “evoluir”, se tornando mais simples, mais compacta. Mas vejo que a comunicação vai ficando cada vez mais pobre, mais falha, mais difícil, pelo excesso de códigos em volta dela.

O pior dos códigos e senhas é quando eles são indecifráveis. Quando não conseguimos compreender ou captar ou apreender os “sinais” para entrar num certo ambiente ou situação, ou mesmo quando os nossos não são compreendidos.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home