Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Sunday, July 18, 2010

"EU QUERO SUCO DE PAU"






















“A Mancha no tapete parecia mingau
/ A Mancha no tapete parecia mingau
/ Mas não era mingau que que era pessoal / Era suco de pau/ Mancha!” (“Mancha”, Garotos Podres)

Não, não é o que vocês estão pensando. E é claro que essa é uma das funções desse blog: explicar confundindo e confundir explicando. Eu sou realmente fã desses trocadilhos de palavras, histórias e significados. E após ter ouvido essa frase que conta uma história que consiste num trocadilho em si, fiquei pensando neles, nos trocadilhos e como a vida seria sem graça sem eles.

Minha amiga contou que, quando era pequena, costumava passar as férias numa cidade do interior de São Paulo. Aqui em São Paulo tinha um modo de vida muito urbano, tendo sempre morado em apartamentos, estudado em escolas particulares e levada à escola por peruas escolares. Nada de verde, nada de rural. Pouco ia à feira. Assim que a memória permitiu resgatar a lembrar o momento em que se entendeu por gente, lembrou das suas férias no interior. Era lá que seu lado selvagem aflorava. Andar descalça, brincar na rua até tarde, correr no mato, nadar em rios e cachoeiras. Todo um universo de coisas às quais não estava habituada na cidade grande.

Além da selvageria toda, gostava da comida do interior. Gostava do ensopado de galinha caipira da avó, das saborosas pamonhas, do curau. Adorava pegar algumas moedinhas e comprar sorvete na praça. Várias vezes por dia ia até o sorveteiro, para experimentar um novo e curioso sabor: jaca, paçoca, amendoim, pé-de-moleque, milho com coco. E também os refrigerantes que, em São Paulo, só ouvia os mais velhos falar: Baré Cola, Tubaína...

Mas uma coisa nunca lhe saiu da cabeça. O dia em que seu avô a levou à Banca do Seu Zé. Era um barracão de zinco, enfiado entre outras casas velhas, bem ao lado da loja de armarinhos. No barracão não tinha quase nada, apenas um balcão velho de alumínio, um cadeira e uma mesa de fórmica. Em cima dela, uma maquina estranha, com um fio pendurado que levava a um disjuntor pendurado por um prego na parede. E lá vinha o seu Zé, trazendo um punhado de bambus esquisitos. Ligou a máquina, que fazia um barulhão e se pôs a enfiar aqueles bambus máquina adentro. E debaixo da máquina saía um liquido amarelo esverdeado, meio espumoso, que caía certinho na jarra embaixo dela. No meio dessa parafernália toda, Seu Zé olha para a menina e pergunta:

-E a moça, o que vai querer?

E ela, sem titubear, respondeu, com vigor:

-Eu quero SUCO DE PAU!

O velho levou um susto e depois caiu na gargalhada. Mais assustado ficou o pai dela, que deu uma beliscadela de leve em seu braço e corrigiu:

-Menina, olha o respeito! É garapa!

-Suco de pau, suco de pau, suco de pau! Eu quero, eu quero, eu quero!

-Para com isso ou vai ficar de castigo!

E Seu Zé lhe deu um pouco de garapa. Estava meio sem graça, porque não entendia porque os dois riam e ao mesmo tempo seu pai lhe repreendia. O fato é que adorou o suco de pau e demorou bastante tempo para conseguir decorar o nome da coisa: garapa. Suco de pau era bem mais fácil.

Chegando na casa da avó, entrou toda saltitante pela casa e foi correndo cumprimentar a velha. Vovó Emerenciana estava fazendo tricô com as comadres, lá no alpendre dos fundos.

- Olha quem chegou, como está moça! – disse a Dona Maricota.

- Por onde você andava? Por que demorou? – perguntou a avó.

- Meu pai me levou tomar suco de pau!

- Minha falha, não fala besteira! Toma jeito! – retrucou a veia.

- Suco de pau do Seu Zé! Uma delícia! É docinho e quentinho!

Tentou explicar que o Seu Zé pegava aquele pau bem duro, enfiava o pau na máquina, apertava com força e o suco saía, mas quanto mais explicava, pior ficava. Não entendeu nada. Levou foi um tapa da avó, pimenta dedo de moça na boca e ficou virada pra parede duas horas. Só depois de muita punição é que veio uma explicação. Entendeu que era proibido, mas não entendeu o porquê. Foi só muitos anos depois que aprendeu o que era “pau” na acepção libidinosa do termo e por conseguinte, o que era “suco de pau”.

Essa história de “suco de pau” me faz lembrar a minha infância. Lembro da minha estranheza quando ouvi os garotos mais velhos da escola vendo revistas pornográficas e falando em “comer a mulher”. Lembro ter perguntado para um deles como é que fazia pra comer a mulher, se era com garfo ou ia mordendo direto, e se a mulher continuava viva. Mais estranho ainda foi saber que, quando um homem comia uma mulher, podia nascer um bebê...

Isso tudo me fez lembrar uma canção do Serge Gainsbourg, que ficou famoso por aquela musica “Je t’aime... Moi non plus” (Eu te amo... Mas eu não mais), onde uma voz feminina se desmancha em declarações e gozos enquanto ele responde que não a quer mais... Ele compôs uma música chamada “Les Sucettes” (Os Pirulitos) que conta de um modo bastante pueril a relação de Annie com os pirulitos que gosta de chupar... Essa música foi gravada por France Gall e dizem as más línguas que eles romperam relações quando ela “descobriu” a verdade por trás da música.... É claro que quando ela descobriu a verdade nos pirulitos ela não tinha a idade de minha amiga quando descobriu a verdade do suco de pau.... Mas ingenuidade e insanidade são atributos que podem ser alegados a qualquer tempo da jornada...


Resolvi escrever sobre isso porque tinha que contar essa história, antes que algum humorista descobrisse e virasse piada de stand-up comedy. Agora está eternizada, aqui no meu blog. Mas escrever sobre a ingenuidade das crianças e daqueles que se comportam como se fossem, fez com que eu desejasse saber quando é que a ingenuidade vai embora, deixando a malícia no lugar. Malícia e ingenuidade, irmãs tão próximas e tão distantes. A Ruth e Raquel , o Caim e Abel das metamorfoses do amadurecimento. Bom seria se a ingenuidade nunca deixasse de existir. Pena que elas só podem mesmo coabitar nas piadas, nas crônicas, nas histórias infantis...

2 Comments:

Blogger Alan said...

What a wise, tender and eloquent post, Fofinho.
And a happy July 20th to you too.

5:59 AM PDT  
Blogger Unknown said...

4u2, Besos....

5:09 PM PDT  

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