Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Sunday, March 13, 2011

FANTASIAS DE ESCRITOR

No final do ano passado, lancei meu primeiro livro de contos, “Prosas, Macumba e Cafezinho”. Esse foi um passo que me deixou muito feliz e ainda tem me causado muitas alegrias ouvir elogios de várias pessoas. E há cerca de um mês, recolhi os exemplares que estavam na Livraria da Vila, desde o lançamento. E a caixa, com cerca de cem exemplares, ficou no porta-malas do carro desde então. Há quatro ou cinco dias, cheguei a pensar: “Tenho que tirar essa caixa daqui, vai que alguém rouba meu carro.” Mas a caixa continuou por lá, junto com um aparelho de ar condicionado e uma sacola de roupas.

E na última sexta-feira, depois de um longo dia de trabalho, fui visitar a casa nova de uma amiga, no bairro de Perdizes. Cozinhei comida mexicana para celebrar sua mudança e ficamos lá conversando, por algumas horas. Ao sair de lá, me dirigi para o carro e, ao abrir a porta. Vejo um ar condicionado no chão. Pensei: “Nossa, um ar condicionado...” Depois pensei de novo: “Nossa, é o meu ar condicionado”. Corri para ver o porta-malas e já entendi tudo. Aberto, revirado. Levaram o estepe e uma a caixa de livros. Deixaram uma sacola com seis calças jeans de grife. Olhei dentro do carro, estava tudo lá. Até mexeram no banco, talvez fossem levar o carro. Saí correndo e, umas dez quadras depois, imaginei que eles pudessem ter jogado a caixa de livros na rua. Pedi pra que minha amiga verificasse. Nada. Levaram cem exemplares do meu livro.

Corri espalhar a notícia para meus amigos “facebookers”:

“A divisão anti-roubos da Fundação Doutor Fofinho de amparo a múltiplas coisas adverte: se alguém disser que leu meu livro "Prosas, Macumba e Cafezinho" na Cracolândia, acreditem. Ontem foram furtados do meu carro, junto com meu estepe, 100 exemplares do meu livrinho. É o Doutor Fofinho levando cultura à gente boa da Cracolândia!”

Um deles tratou de expandir a idéia que pulverizou minha imaginação:

“Parabéns pelo incentivo à cultura! Vamos inaugurar esse movimento cultural ? Ou isso tudo é um grande golpe de marketing da tua editora??? heheheheh

Já pensou? no noticiário do jornal nacional " Um cena chocante vem sendo presenciada na cracolandia. Usuários de crack que nunca leram estão deixando a droga por uma atividade mais prazerosa. Os livro do Dr. Fofinho foram roubados e trocados na boca, traficantes começaram a distribuir juntamente com as pedras um exemplar para cada comprador, porém o tiro saiu pela culatra : o livro vicia mais que a droga e os usuários agora querem ler ao invés de fumar pedra. As editoras do mundo já estão providenciando versões em diversas linguas e estudos científicos começam a ser feitos na tetativa de compreender como este livro ativa o sistema de recompensa de forma mais intensa que esta potente droga. Um outro estudo nos EUA tenta a mesma substituição para a heroina e metanfetaminas. Dr. Fofinho tem o prazo de 30 dias para lançar 5 outros livros e assim atender os pedidos dos usuários que ameaçam voltar para a pedra caso não tenham outros para ler....

Gostei da idéia. Imaginei o cara que roubou meu carro levando o livro para trocar na Cracolância. Sim, com letra maiúscula. Agora não é apenas uma região; é um conhecido bairro da cidade. Tem várias “bocas”, “biqueiras”, mocós, favelas, mas Cracolândia, só tem uma. De repente, a caixa de livro se rasga por baixo, como qualquer caixa de papelão que se preze. E os livros desabam, com suas capas roxas fulgurantes, pelos arredores da praça da luz. O ladrãozinho tenta recupera-los, mas ainda está com o meu estepe nas mãos e não consegue deter os zumbis do crack se aproximando e catando os livros. Sim, porque na Cracolândia, caiu no chão é pedra, ou vira pedra minutos depois.


Os zumbis catam os livros, e saem andando, embrulhados em seus lençóis de hospital e cobertores de exército. O ladrãozinho saiu correndo, com medo de perder a calota que vai lhe render três pedras de crack. Mas, de repente, uma coisa estranha acontece. Os zumbis param, vão se acomodando pelos arredores com o livro nas mãos. Vão folheando, dando aquelas risadas dos retardados e emaconhados. Aquele “hãããã”, bem característico. Vão vendo as figurinhas e com a luzinha emanada por alguns caximbos e alguns isqueiros, começam a ler os contos. Um deles, guardando o livro entre seus dedos queimados de pipar pedra, cutuca o outro com seu cotovelo magrelo e diz: “Mano, ouve só essa...” e lê alguns trechos para o outro. De mão em mão, de nóia em nóia, os livros vão passando e levando alegria, deixando uma mensagem de amor e esperança aos corações e mentes petrificados.

O pessoal da boca começa a estranhar. Sexta de madrugada, sábado de noite, as vendas caíram. O “patrão” manda seus olheiros checarem o que está acontecendo. “Devem ter algum malandro com biqueira nova por aí”. “Nenhuma biqueira nova, nada de droga nova, patrão. O novo barato é um tal de livro roxo que tudo quanto é nóia ta lendo”.

Rede Globo e todas as outras emissoras foram lá conferir. Rádios e jornais, tudo mundo quer saber sobre o “Milagre do Livro Roxo”. Famílias de craqueiros inveterados começam a comentar sobre o tal livro roxo que salvou seus filhos da perdição. “Presente de Deus”, dizem eles. Edir Macedo e Bispa Sônia, preocupados com a nova adesão de seus fiéis ao novo livro roxo, tratam de imprimir versões parecidas. Mas os zumbis rejeitam os plágios e só querem saber do “tal livro da macumba”.

Prefeito, governador, presidenta. Ordem suprema de imprimir um milhão de exemplares do livro roxo para distribuir nas ruas. Obama deflagra a coqueluche do “Purple Book” mundo afora. O livro roxo agora é o livro mais distribuído e traduzido no mundo. Minha vingança espontânea e inusitada sobre a hegemonia medíocre de Zíbia e Paulo Coelho.

Autógrafos, entrevistas, Prêmio Nobel da Paz, de Literatura, de Medicina. Livro Guiness de Recordes. Encontro marcado com Dalai Lama e conferências internacionais. Convidado especial da Oprah.

Saindo do consultório numa noite escura, um zumbi embrulhado num lençol sujo se aproxima. Chegou a minha hora. Vou ser assassinado, a mando de um “patrão” do tráfico. Morrendo de medo, me ajoelho perante o zumbi, peço perdão a Deus pelos meus pecados e clemência a ele para que me deixe viver. O zumbi estica o livro, no meio das mãos sujas e dedos queimados: “O senhor me dá um autografo?” Levanto, discretamente, suspiro aliviado e digo: “Claro, só estava procurando a caneta que caiu no chão.”

Acordo assustado. Nada disso aconteceu. Olho no relógio. São seis horas da manhã do domingo. Estava sonhando. É lógico que foi um sonho bom.

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