Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Saturday, July 28, 2012

MUNDO ANIMAL E SUAS BESTIALIDADES



Tenho ficado cada dia mais perplexo com a bestialidade dos humanos. Se, de um lado, crescem atitudes e consciências acerca do respeito ao próximo, preocupações com a preservação da natureza e com os direitos humanos, do outro lado vemos a proliferação das atitudes inconsequentes, o crescimento do preconceito e da intolerância, a degradação da vida, o desrespeito e o desamor instalados.

Outro dia estava lendo a coluna do Gilberto Dimenstein na Folha de São Paulo, que criticava a idiotice do tal Rafinha Bastos ao banalizar o estupro e fiquei bestificado com os comentários das pessoas no Facebook. De cem comentários, mais da metade eram preconceituosas e banalizadoras sobre o  fato de um demente fazer piadas sobre assuntos sérios, contundentes, estigmatizantes. Ele nunca deve ter conhecido alguém que tenha sido violentado sexualmente, estuprado, humilhado. Nesse anos de trabalho como psiquiatra, acompanhei de perto a dor, a sensação de humilhação, a revolta e o sofrimento de pessoas que são estupradas. Mulheres feias, mulheres bonitas, crianças e adolescentes. Gente que não deveria, não precisava, não merecia passar por isso.

Essa semana vi um post no Facebook sobre um vídeo desse tal Rafinha Bastos sobre bullying. Achei que era uma dessas medidas políticas de fazer cena de bom moço para limpar a sujeira que anda espalhando por aí. Nada disso. Ele acaba humilhando e satirizando uma pessoa no vídeo e coloca a seguinte frase: “Bullying: às vezes não dá pra segurar”. Não vejo nada de curioso nas atitudes desse cara. De uma cobra, esperamos que ela pique; de um pitbull, que morda; e de um facínora, que alastre suas maledicências pelo mundo. Mas me assusta como as pessoas se identificam com seu comportamento vil, alegando que ele é um gênio, ou o “maior comediante brasileiro”. E volto a pensar no Zé Cardonha, meu professor de história da quinta série. “Esse pais merece ser governado pelo Diabo”, ele dizia. E acho que merece mesmo.

Tenho acompanhado a falta de ética crescente, a falência do respeito ao próximo, a idiotia transformada em “arte”; que me perdoem os artistas de verdade pelo emprego da palavra. Recentemente vejo anunciar no novo programa da intelectualóide Fernanda Young, a presença de Rafinha Bastos em seu programa. Eu detesto tudo o que ela faz. Acho tudo de mau gosto, inclusive sua pretensa intelectualidade. Confesso que até assisti o programa dela quando vi que ela ia entrevistar a Marisa Orth, mas minha opinião não mudou em relação a ela. Mudou em relação a Marisa Orth: fiquei triste ao saber que elas são amigas. Deixe estar. Sabemos que muitas vezes o que leva uma pessoa à fama não é exatamente o seu talento. Sou convicto da validade da teoria “com quem se deita ou de quem se é filho.” Não posso dar exemplos dessa teoria, mas todo mundo sabe de ao menos um bom exemplo midiático.
O tal do Rafinha não tem culpa. É a mentalidade das pessoas que está apodrecendo. Ouço todos os dias comentando o quanto ele é genial ou o quanto é divertido assistir o CQC; canso de ver o Datena falando alto em tantas televisões de bares, restaurantes e táxis. Estamos cada vez mais selvagens; não os bons selvagens. Os selvagens degenerados, que consomem sangue e eventos sanguinários todo o tempo. E eu só sei sentir vergonha e medo.

Os fanatismos religiosos também têm mostrado a sua cara bestial. Recentemente, um sacerdote afro-brasileiro filmou seu terreiro sendo invadido por uma multidão de crentes em Recife. Cada vez mais, várias igrejas têm perseguido e violentado terreiros de umbanda e candomblé, atacado homossexuais, incitando, em “nome de Deus” a violência e a intolerância. Há muitos anos eu já dizia que tinha medo dessa “revolução crente”, prevendo o óbvio: está será a nossa próxima inquisição e começará aqui, no “pais do futuro”.

É lógico que eu tenho fé. Mas será que a minha fé e a fé de tantos será capaz de conter esse Tsunami de ignorâncias e retrocessos? Outro dia levei meu sobrinho de cinco anos a Salvador. Fomos ao teatro, ver uma peça infantil que falava sobre a lenda da criação do mundo, sob a ótica das religiões afro-brasileiras. Ele gostou da peça. Achou legal ao descobrir que “a árvore que fala” era Deus e sorriu quando expliquei a ele que, na peça, Deus era uma árvore porque Ele está em tudo, inclusive na natureza. Mas quando falei a palavra “macumba”, ele rapidamente retrucou:

-       Padrinho, esse negócio não é legal.
-       O que não é legal, Pedro?
-       Esse negócio de macumba, isso não é bom.
-       Pedro, você não acha seu padrinho um cara muito legal? – Minha amiga perguntou.
-       Acho - Ele assentiu com a cabeça, sem titubear.
-       Pois seu padrinho é macumbeiro! – Ela disse.
-       Pedro, macumba é apenas um jeito diferente de rezar e de conversar com Deus. Não existe nada de errado nisso.

Fiquei pensando. Quem teria colocado essa imbecilidade na cabeça dele? Com certeza não foram as pessoas da sua família materna. Depois me lembrei: foi assim que aprendi a ter medo e preconceito com a religião que amo tanto. E provavelmente com a mesma pessoa. Hoje ele me ligou. Disse que estava com saudades. Ele me contou que ia dormir com a avó, porque iria numa “festa muito legal da igreja”. Fiquei com vontade de “sequestrá-lo” e declarar uma guerra religiosa. Mas decidi deixar. Quem sabe o amor vença.

Entre os facínoras e os fanáticos, excluindo-se os bandidos e os psicopatas, o que sobra? Qual a proporção de pessoas no mundo que são legais, libertas, “mente aberta”? 

Friday, July 20, 2012

POUCAS E BOAS


É verdade que hoje é dia do amigo? Estão dizendo que sim. Mas tem quem diga que não. Beleza. Dá pra comemorar qualquer dia. Porque não é daquelas datas que temos obrigação de comprar o presente, porque senão o mundo cai: dia das mães, dia dos pais, dia dos namorados, aniversário do filho do amigo, casamento de primo, natal, páscoa. O verdadeiro amigo está lá, com ou sem presentes. O verdadeiro amigo não precisa de presentes. É lógico que eu gosto de dar e receber presentes em igual medida. Mas não existe aquela obrigação, aquele rush de comprar presente para o amigo. Até porque muitas vezes eles são muitos. E isso pode representar falência, endividamento e creditocídio. Mais do que parabenizar, esse dia me faz pensar. S-A-U-D-O-S-I-S-M-O. Penso nos amigos de todas as épocas. Penso naqueles que tive, penso naqueles que se foram, penso nos que desapareceram. Naqueles que, mesmo desaparecidos, continuo amando. Sou grato a todos eles porque fazem parte da minha história. Essa noite, já na virada meia-noite, conversei com uma grande amiga. Sem nem lembrar que já era o “nosso dia”, trocamos juras de amor, reafirmamos nossos votos. Ontem pensava aflito numa amiga que há tempos não vejo; essa semana fiquei triste com a notícia da doença de uma amiga. Vê? Os amigos estão por toda parte e estão o tempo todo em nossas vidas. Lógico que tem gente que não tem amigos; que tristeza! A amizade é aquela parentalidade escolhida, encontrada, ao invés da suportada, acidentalizada. Hoje, mais maduro, também me lembro dos amigos-parentes, dos amigos-família: irmãos, primos, tios e tias. Feliz de quem tem um pai-amigo ou uma mãe-amiga. Eu não desfruto dessa dádiva. Mas sou feliz com todos os outros. Tem também o marido-amigo, a esposa-amiga, o namorado-amigo. Esse eu tenho. E agradeço a Deus por isso.  Nos últimos anos, surgiu um tipo novo de amigo: o amigo-paciente. Pessoas que, por terem se tratado e melhorado, nos são gratos, nos têm como verdadeiros amigos. Eu já vi formatura, filho nascer, pai e mãe morrer, casamento, separação, escolhas, mudanças, quedas e ascensões. Em muitos casos, por tantas vezes, eu estava “lá”, torcendo por eles. Eu não apenas dou essas coisas. Também recebo. Conselhos, carinhos, acalantos, conforto, críticas. Tudo isso me faz pensar que eles são imprescindíveis. Não quero viver sem eles. 

Sunday, July 15, 2012

SE MEU PUFE FALASSE


Era uma vez Glossy. Glossy Pussy. Exuberante. Glamorosa. Não é à toa que muita gente não simpatiza com Glossy P. logo de cara, porque seu ar “blasé” confere uma aura quase intransponível ao seu redor. Mas quem paga pra ver, quem ousa esperar por conhecê-la, acaba descobrindo uma criatura maravilhosa e fiel amiga.

É lógico que Glossy P. é um apelido. Esse nome surgiu em homenagem aos seus lábios carnudos e posudos. Seus lábios são a expressão mais completa e, ao mesmo tempo, mais singela do seu todo. Lábios brilhantes, prontos a dizer tudo e que, muitas vezes, não ousam dizer nada.

Teria muito pra falar de Glossy P. Em outro momento contarei algumas de suas aventuras e juro que muitas vezes não conseguirão ligar o nome à pessoa. É a faceta camaleônica de Glossy P. Muitas histórias pra contar. Tem um pouco de Madonna, à la Bedtime Stories, um pouco de Cher, à la This is the song for the lonelies. Tem muito charme em um pouquinho de tudo. Mas tem um coração enorme, de uma amiga sempre pronta a ajudar, tipo Mary Poppins....

Mas hoje escolhi falar da casa de Glossy P. Estive lá poucas vezes, não porque não somos amigos, mas porque nossos encontros são nas ruas. A rua é seu lugar. Várias coisas mudaram desde que ela, já faz alguns anos, deixou a casa da família para ter o seu “cantinho”. Móveis, cores de parede, camas, computador. Só uma coisa permanece: o pufe preto na sala de estar. Desde os primeiros tempos, quando o pufe era o único companheiro do rack, até os dias de hoje, ao lado do sofá, da mesa de jantar e do divã. Sim, Glossy P. tem um divã de couro, coberto com uma manta de  chenille. Mas o pufe está lá e imagino que se passarão anos e assim ele continuará.

Sendo assim, a trajetória da Petite Maison de Glossy P. tem uma história. Mas o seu pufe é realmente único, porque tem muita história para contar. Ele é testemunha das inúmeras vezes que Glossy P. aconchegou-se para fofocar ao telefone; as diversas “DRs” madrugada afora; infinitas vezes que amigos se consolaram em seu colo esperando uma palavra amiga... e é claro, as manchas.....

Sim, mais do que registros de palavras e calores “culares” (de cu, é lógico), as manchas contam histórias. Manchas de gordura, do gigante pastel especial do café da manhã de sábado, manchas de batom dos beijos incandescentes, manchas de esmalte do sábado de tarde e manchas de sexo (de vários tipos).... Se o pufe de Glossy falasse, com certeza gemeria muito. A faxineira de Glossy P. estranhou no começo. Mas depois acostumou com aquele “mancharéu” e desenvolveu várias técnicas para tirar as manchas todas.... Ficou um pouco asssustada com aquela primeira, esbranquiçada e embaçada, que cheirava a cândida. Só conseguiu entender aquela mancha ao tirar o lixo do banheiro e achar uma camisinha “cheia”. “Hum...então é isso....” pensou. E tratou de fazer suas misturas para remover aquelas marcas.

Fato é que os pufes têm história e memória. Já pensou se todos os móveis, as camas, os sofás, os bancos de carros resolvessem contar o que viram, o que ouvem, o que sentem? Que barulho seria.... É claro que a memória deles está em nós e evocamos essas memórias quando os olhamos. É por isso que espero que Glossy P. tenha sempre bons momentos para recordar com o seu pufe. E que não o abandone em favor do divã com manta chique. Acho que ele ficou enciumado. Até imaginei ele cantando, enquanto admirava as pernas cruzadas de Glossy, do alto do divã:  “Só peço a você, um favor se puder..não me esqueça num canto qualquer”

Sunday, July 01, 2012

“ESSES DENTISTAS SÃO TARADOS”




Não eu não penso isso. Já fui “tarado” por uma enfermeira que mandou avisar no conforto médico que um paciente me esperava e, ao entrar na sala escura do pronto-socorro, ela veio que veio. Também já fui “tarado” por um médico que ficou alisando meu pé no pós-operatório de uma cirurgia de unha encravada. Mas por dentista, nunca. Nem dentista, nem dentisto. Foi minha amiga, psicóloga, exorta pelas mirações de um quentão, em plena festa de São João, que proferiu a pataquada: “Esses dentistas são todos uns tarados!”. Acho que ela queria dizer que eles são perversos. E a perversidade, segundo ela, estava na insistência que eles têm em querer conversar com seus pacientes impossibilitados de falar enquanto são “broqueados”, “sugados” ou “anestesiados”. Realmente é desconcertante. Deitado na cadeira, luz quase estroboscópica acesa na cara, pensamento atento na mão certa que se deve levantar para pedir ajuda, guardanapo em punho, motorzinho comendo solto, varrendo cáries e amálgamas, sugador acoplado, jatos de água lambendo os óculos meus, da dentista, da assistente. No meio dessa confusão, ela pergunta: “Você sabe se esse dente tem canal?” Essa é fácil. Basta fazer ou sim, ou não ou sacodir os ombros. Daí ela se anima: “E aí, que fez de bom no final de semana?” Puta que pariu. O pior é que a gente se vê com a obrigação de responder, e tenta falar, mesmo com a parafernália metida na boca. E, como disse a minha amiga, “o pior é que eles entendem tudo o que a gente fala.” Uma outra amiga dentista, ainda por cima minha dentista, trouxe palavras conciliadoras: “Vai ver que ele quer distrair a pessoa, ajudar a relaxar...” Eu sou testemunha que ela não fica me torturando com perguntas difíceis de responder. Até porque eu não fico muito tempo acordado na cadeira, que tem um efeito imediato na minha melatonina endógena. Mais que a escuridão, os sons da natureza ou frontal, a cadeira do dentista ativa em fração de segundos a minha narcolepsia. Será o barulho? Será o estresse? Já me peguei com as mãos suadas e uma certa tensão enquanto aguardo. Pânico? Nem de longe. Negócio bom é dormir mesmo.

E fiquei circulando mentalmente, enquanto conversava, pelos dentistas da minha existência. O primeiro, um senhor de meia-idade bruto, que enfiava aquela mão larga e dedos grossos na boca da gente e não abria a boca. A ele agradeço o condicionamento de quebrar os dentes em balas e pirulitos, após a explicação que era melhor morder as balas do que ficar chupando, deixando o açúcar o menor tempo possível na boca. O segundo foi o “dentista dos aparelhos”. Fez cirurgia, colou brackets, apertou ferrinhos. Quase dois anos indo semanalmente, esperando horas para ser atendido, lendo Revistas Manchete com dois anos de atraso. Até o dia em que levei uma bolada na cara no jogo de vôlei e os brackets grudaram na minha boca. Arranquei uma parte na quadra e o restante em casa com um alicate. E jurei nunca mais passar perto da ortodontia. O terceiro era um brilhante recém-formado pelo USP. Um nerd exemplar. Seu único defeito era a lentidão obsessiva e o fato de atender em casa, logo após o banho e uma extensa enxurrada de perfume. Graças a ele nunca mais usei Stiletto do Boticário. Na época da VARIG, passei um por um dentista bem ortodoxo. Ele me encaminhou para um “curso” de escovação e fio dental. E me lembro bem da cena dele arrancando o meu siso com força, colocando os pés na cadeira, como se estivesse fazendo sexo animal. Já psiquiatra, fiz um (eca!)  convênio odontológico e fui a um dentista perto de casa. Gente boa. Esse era dos “tarados” que a minha amiga citou: passava o tempo todo falando das crises de orientação sexual e me perguntava opiniões, que eu tentava responder. A sexta era a mais tarada de todas. Falava tanto que me deixava tonto. O lado bom é que, enquanto conversava, ela parava de trabalhar. O que era também o lado ruim, porque uma sessão virava três. Acho que foi nessa fase que a narcolepsia se agravou. Tive sétima e oitava juntas num ambulatório no qual eu trabalhava. Essas falavam pouco durante o atendimento. Conversavam entre si, e com as assistentes, o que leva a crer que minha dentista atual está errada. O dentista não fala para distrair o paciente; ele fala para não ficar entediado, o que é muito mais compreensível. A nona era terrível. Falava pelos cotovelos. Acometida da síndrome do Nouveau Riche, precisava contar o tempo todo dos famosos que se sentavam naquela cadeira. E lá ficava eu, mudo, ouvindo ela contar os “causos” das celebridades enquanto olhava aquele espelhinho cafona do Feng Shui grudado no teto. Hoje em dia, posso dizer que estou no paraíso. Minha dentista fala pouco, conversa apenas enquanto estou aguardando a anestesia  “bater” ou enquanto se revela o raio-x. Na “brocação”, só pergunta sobre dor ou algum desconforto, isso quando eu ainda estou acordado.