LEÃO OU DRAGÃO DE SETE CABEÇAS?
Tudo bem, sou um procrastinador. Deixo tudo para última hora e frequentemente deixo passar a hora. Acho que é tudo por causa da ruminância do meu touro ascendente, do meu búfalo chinês e da minha Oxum africana: juntos, eles me tornam lânguido, molengoso, preguiçoso. E daí, na última hora, em cima do laço, vêm Xangô e Escorpião, de faca e ferrão, resolver toda a bagaça.
Isso acontece com quase tudo em minha vida.
Antes eu me sentia culpado. À moda dos seguidores cognitivos do grande Beck
(Aaron Beck, não o “beck”...) eu fiz listas, checklists, programações
neurolinguísticas. De nada adiantou. Além de esquecer de levar as listas, elas
viravam uma cobrança, do tipo que eu chamo de “faca no pescoço”. Tive uma
analista que achava isso saudável, essa ansiedade, esse sofrimento para me
tornar um sujeito organizado. Ela acreditava que isso funcionaria e eu me
tornaria um ser humano melhor. E por melhor, subentenda-se, “ordenado”. Não sei
dizer se teria dado certo. Só sei dizer que fugi para nunca mais voltar.
Já faz algum tempo que desisti de ser um
sujeito organizado. Simplesmente deixo acontecer. Se der certo deu. É claro que
não sou anarquista. Respeito os horários. Chego no horário para atender meus
pacientes, no horário das terapias e supervisões. Chego na hora certa no
trabalho, respeito os horários marcados, sou chato com isso. Mas aonde eu posso
ser caótico, Deus, eu sou! Esqueço
chaves, perco coisas pelo caminho. Só smartphones já foram três. Não os acho
tão smart assim. Se o fossem, corriam atrás de mim ou chamavam meu nome. Perco
papéis, esqueço de pagar contas,
esqueço livros, entro em vôos errados. Certa vez, estava brigando no
avião brigando com uma pessoa que ocupava o meu assento. Chamei o comissário,
cheio de razão. O assento estava certo. O vôo estava errado. E lá fui eu,
correndo para alcançar o verdadeiro.
Será que eu quero mudar isso? Na verdade
não. Eu já tentei, eu juro. Mas eu percebo que me tornei muito mais feliz
quando desisti de ser algo que não sou e não quero ser. Eu deixei partir quase
toda forma de sofrimento concernente a organizações, rotinas e disciplinas.
Falta muito pouco para eu me tornar um cidadão livre. Digo mais: tem uma coisa
que me tornaria fatalmente 90% livre: a MERDA do imposto de renda.
Todos os anos, desde a primeira fez que
prestei minhas reverências ao maldito leão, eu faço questão – consciente ou não
– de deixar para a última hora. E qual o motivo? Eu odeio pagar impostos. Eu
quero ser hippie, anarquista, anônimo, “zé-ninguém” nessas horas. Eu não
consigo superar esse trauma. Simplesmente porque odeio saber que todo esse
dinheiro que sai do meu bolso, fruto do meu trabalho, do meu suor, trabalho
esse que nenhuma instância governamental contribui para que eu conquistasse,
vai parar, no final das contas, nas mãos de políticos ladrões. Pagamos cartões
corporativos, concretos de pontes que atravessam caminhos redundantes, buracos
que não são tapados, viagens luxuosas, cabeleireiros de amantes de deputados,
champanhes de diplomatas, cachaças de presidentes. O pobre continua pobre, o
buraco da rua continua lá, os esgotos continuarão a céus abertos e milhares de
pessoas morrerão nas enchentes dos janeiros paulistanos anualmente. O Leão corrupto
que morde meu bolso e me deixa todos os anos de mau humor, não é um leão; é um dragão
de sete cabeças. Bicho nojento e asqueroso, como a grande maioria dos políticos,
que se alimentam daquilo que as pessoas produzem.
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