Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Tuesday, March 26, 2013

OS PECADOS DA PÁSCOA



Tudo indica que, ao nascer, caí no funil errado mesmo, a começar por ter nascido filho de uma mãe católica. Claro que poderia ter sido pior: meu pai sempre flertou com a Igreja “Deus é Amor”. Ou seja: poderia ter sido filho de um diabo-crente. Sempre achei missa um tédio. Era o prenúncio da desarmonia entre eu e o Papa. Minha mãe tentou: íamos muitos domingos à missa, visitava a Igreja de São Judas Tadeu nos dias 28 de cada mês. Quase ganhei um Marcelo Tadeu. Por sorte, nasci no dia 29. Quase. Acho que São Judas, o santo das causas impossíveis,  incutia a esperança inconsciente de que eu não fosse gay. Lascou-se. Então recorreu-se aos remédios do Frei Galvão. Quem sabe, engolindo aquele monte de papel seco, eu virava macho, não é mesmo? Aquilo só deu soluço. Já estava me tornando adulto, e o armário começou a despencar. "Simbora" apelar para Santo Expedito, o santo dos últimos momentos! Nem ele deu jeito nisso.

Devo confessar que, num certo momento da minha vida, cheguei a pensar em ser padre e hoje entendo perfeitamente o motivo. Seria uma ótima forma de fugir daquele inferno que era minha casa. E tem mais: um padre se casa com Deus, ninguém pergunta para um padre quando ele vai arranjar uma namorada e, como soube depois, vai viver placidamente a sua homossexualidade da forma mais hipócrita possível: escondida na batina. Mas desisti em tempo.

Logo depois conheci o meu primeiro centro de umbanda. Lá eu me sentia em casa. Foi o primeiro lugar onde me senti vivo e aceito do jeito que eu era, mesmo que eu ainda não soubesse direito quem era esse eu. Creio que minha mãe, ao perceber o risco que eu corria, me levou para longe de lá. Coitada. Lutou o quanto pode para fazer do filho um varão. Não deu certo. Foi somente aos 28 anos que saí do armário e comecei - como chamo - a minha "carreira gay". Já curti um certo saudosismo por ter saído relativamente "tarde" do armário. Hoje, mais do que nunca, estou certo de que não me arrependo, simplesmente porque, graças ao despreparo dos meus pais, eu teria uma horrível adolescência gay. Talvez fosse até internado num desses manicômios perdidos por aí. Mas principalmente, porque hoje sou feliz com o que sou e do jeito que vivo.

E qual o motivo de falar sobre isso hoje? Por causa da tal da Páscoa. Já faz muitos anos que ela não significa nada para mim, principalmente depois que descobri que podemos comer bacalhau o ano todo, como fazem os portugueses e que o ovo de chocolate é muito mais caro e muito menos saboroso do que as barras de chocolate que compramos na padaria. O ovo de chocolate representa muito bem a igreja, com seus dogmas e moralismos: uma embalagem linda, tal como seus templos, mas com um mundo interno oco, pelo menos para mim. Mas a Páscoa me torna sempre reflexivo, pelo que ela deveria representar: um renascimento, uma renovação. Era isso o que eu ouvia nas aulas de religião do colégio; é isso o que eles ainda dizem em suas missas.

Fico pensando que, se a igreja fosse honesta, inclusiva, se ela conseguisse avançar no tempo e se despir de seus preconceitos, seria um lugar onde talvez eu poderia querer encontrar Deus. Ele pode até estar lá, mas aquele não é o lugar onde quero me encontrar com Ele. Porque sei que não foi ele que inventou esse monte de bobagens.

A Igreja, como as mães, deveriam aprender a amar seus filhos como são, com o que tem, com seus itens de “fábrica”. Isso seria o tão falado amor incondicional que ouvimos tanto falar que as mães têm. Infelizmente, nem todas. E isso também serve para os pais. Mas hoje, Deus me deu um presente. Deu-me luz para que eu pudesse enxergar as mães maravilhosas que tenho encontrado pelo caminho, mães que desejam ser mãe desse filho aqui, do jeitinho que ele é. É graças a essas mães que o meu coração não ficou seco e duro, que não me tornei mesquinho, egoísta, violento e misógino. Foi através delas que aprendi a amar as mulheres.

Que nessa Páscoa, aqueles que acreditam em Deus possam refletir sobre o mal que podem causar à vida de alguém ao tentar convencê-la de que ela deve negar sua natureza e acreditar que não é o que é ou ensiná-la a viver na mentira. Será mesmo que Deus ficará feliz com isso?

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