Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Monday, April 04, 2011

A NAME, WHAT'S IN A NAME: HOMMUS, KEBAB, MOUSSAKAH, SHALOM

Desde a sua chegada no mundo, lá pelos anos 70, e sua difusão pelo globo a partir da década de oitenta, o crack mostrou que chegou para ficar. Uma droga violentamente "viciante" e capaz de destroçar vidas, famílias, saúde, cérebros. Sou formado há 12 anos e tenho visto a cada ano a situação mais crítica. O crack, que era droga de pobres e excluídos, se espalhou pelas massas, expandiu-se horizontalmente em faixas etárias, conquistou as mulheres.

Quando passo pela Cracolândia, vejo aquelas massas de zumbis amontoadas, trocando coisas na rua, acendendo seus cachimbos, embrulhados em seus lençóis e cobertores. A rua virou casa. Vejo pessoas morrendo, se deteriorando fisicamente e psiquicamente, deteriorando seus valores.

Como naqueles filmes de terror, cada nova cachimbada escraviza, a cada minuto, um novo ser que por sua vez irá escravizar outros e mais outros, fazendo crescer a massa negra do exército de zumbis do crack.

É claro que alguns sobrevivem. Apenas alguns. Como em "Cemitério", "Cemitério Maldito", "A Morte do Demônio" e "Uma noite alucinante", entre outros, alguns conseguem fugir de se tornarem zumbis. Com muita luta, muito esforço e muito sofrimento, alguns conseguem escapar dessa senda maligna, mortal, venenosa, desesperançosa. Esses são verdadeiros heróis, sortudos, abençoados, raros. Porque a grande massa continua crescendo e engolindo bairros, casas, pessoas.

Ando pessimista esses dias. Ando impaciente. Ando descontente. Sei que é passageiro, mas sei que é um passageiro que demora, que custa a passar e se enrosca nas catracas da vida. O tempo é inimigo nessas horas.

Mas por tantas motivações diferentes, profissionais da saúde, igrejas, famílias, ONGs, fundações, repartições, Instituições de todo tipo e um tanto de outros segmentos da sociedade têm se debruçado sobre o problema, à sua moda.

Deles, o mais curioso é a tal da Comunidade Terapêutica. Criadas a partir de um modelo emprestado-copiado norte-americano, as comunidades ideais visavam manter o sujeito por tempos prolongados num modo de vida que reproduzisse a vida "lá fora", sem as drogas. De ilusão também se vive. E graças à intensa proliferação de zumbis e a incapacidade das entidades governamentais de dar conta dessa zumbigênese, as comunidades - ou "crínicas", como são conhecidas - se proliferam feito baratas em casas velhas.

Basta sair do perímetro urbano da cidade rumo a qualquer cidadezinha próxima: Atibaia, Barueri, Cajamar, Dois Córregos, Estrela do Norte, Francisco Morato, Guararema, Hortolândia, Indaiatuba, Juquitiba, Limeira, Mairiporã, Nova Lima, Olaria, Penápolis, Quiririm, Ribeirão Pires, Salto, Tatuí, Umuarama, Vargem Grande Paulista, Xangri-lá, Zumbi. Cada chácara, sítio, terreno, casa de campo, galpão, edícola, mansão. Tudo vira "crínica".

Daí fiquei refletindo sobre os nomes das Comunidades. Logo que me formei, os nomes eram fortes, agudos, evocavam emergência: Esquadrão Vida, Resgate de Vida, Vida Viva. Era um chamado para a atitude, a motivação, a mudança. A maioria eram clínicas fundadas por "dependentes em recuperação", que se tornavam monitores e depois proprietários.

A segunda fase das "crínicas" foi um coisa meio Nova Era. Ano 2000, virada de milênio, o Trem das 7 passsando, mestres ascensionados. E proliferaram os nomes contendo emblemas representando um novo porvir: Recanto da Nova Esperança, Novo Amanhecer, Esperança de Luz, Novo Horizonte. Na verdade nada mudou com a mudança de nomes, mas essas surgiram numa fase em que pessoas da sociedade civil, por intenções humanistas, filantrópicas ou pilantrópicas, além da Igreja Católica, se engajaram em tentar ajudar os pobres dependentes.

Houve um semi-período de nomenclaturas ligadas a coisas da natureza, como Pedra Grande, Rancho da Serra, Serra Dourada, talvez para aproveitar o espaço subaproveitado dos caipiródromos que se trasnformaram em forrós, mas acho que a coisa não vingou.

Mas nos últimos anos, a coisa pegou. Não só a Cracolândia cresceu, como abriu franquias. Hoje é possível encontrar, no mínimo, uma franquia da cracolândia em qualquer bairro, em qualquer canto, de toda a cidade. Cresceram também as igrejas evangélicas de todo o gênero, com diversos nomes e elas passaram a se encarregar do cuidado dos zumbis, espalhando clínicas pelas cidade. O interessante dessas clínicas são os nomes. Uma proliferação de hebraico inculto. Shabat, Xabá, Shalom, El Shaddai, Seth, Elohim, Elohai, Jeovah, Yeshua, Chaim, Adonai, Menasseh.

E fiquei pensando nos próximos nomes que virão. De onde derivarão? Acho que se eu montasse uma clínica dessas, colocaria um nome de Orixás. "Casa de Recuperação Aurora da Oxum" ou "Centro de Tratamento Obreiros de Omolu" ou "Clínica de Tratamento Pai Benedito de Aruanda". Na verdade nunca ouvi falar de um clínica de recuperação que tenha como linha mestra de limpeza e renovação espiritual a liturgia da Umbanda e do Candomblé. O máximo que já soube foi de uma clínica ecumênica, que tinha um altar para os vários credos.

Outro dia estava de plantão no hospital psiquiátrico e soube que um paciente ficou internado na tal "Adonai". Eu e um outro amigo de plantão começamos a viajar nos nomes das clínicas: Hommus, Moussakah, Keftedaki, Agnus Benedicts, El Lychia, Bourguignon. Imagina só: "Casa de Recuperação Manto de Moussakah: alimente o corpo e o espírito". Será que as pessoas irão notar? Acho que não. A moussakah sagrada vai ser alimento para o espírito que sofre, o conforto para a mente e para o estômago. E a religião será substituída por comida. Como na Kabalah, que crê num Deus imanente, que está em tudo ("... e mesmo assim ninguém lhe diz ao menos obrigado...") a Moussakah será o símbolo da harmonia alquímica simbolizada pela batata, a carne moída e a berinjela. Só a gastronomia nos une. Amém.

Sem dúvida, a melhor clínica que poderá existir é a "Clínica Doutor Fofinho". Ambiente acolhedor, aconchegante, boa comida e, infelizmente nenhuma boa bebida.

Não quero criticar as clínicas em si. Estou apenas holofoteando seus nomes engraçados. É a tal da tentativa de vir a ser pop. Achar um nome forte, "cool", que prenda a atenção. E é claro que recorrer a nomes carregados de simbolismo, de mítica podem exercer uma força extra ao atrair seus recuperandos, ou as famílias deles.

2 Comments:

Blogger Pedro Shiozawa said...

Vai ter
Uma cozinha terapêutica - bistro !

Comedores,
Uni-vos!

7:57 PM PDT  
Blogger Pedro Shiozawa said...

This comment has been removed by the author.

7:58 PM PDT  

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