Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Thursday, March 24, 2011

LÉLCOME TO XAINATÁ

A experiência é uma lanterna dependurada nas costas que apenas ilumina o caminho já percorrido.” (Confúcio)

Nas últimas semanas, tenho pensando nos violentos ensinamentos da vida. Desses que somos obrigados a tomar, goela abaixo, como xarope amargo de antibiótico contra as amidalites da infância. Tenho tido umas semanas confusas e agitadas, cheias de coisas inesperadas e atribulações que me tomaram tempo, me exigiram paciência e quase me tiraram absolutamente do sério.

O roubo do meu carro e dos meus livros foi um exemplo disso. E o pior de tudo é que ainda emite seus desdobramentos até agora. Ao carregar de forma desajeitada o aparelho de ar condicionado jogado na rua, ao lado do carro, ganhei um “travamento ciático que se estende até os dias de hoje. Estava um pouco melhor até a semana passada, mas a viagem para New York com conexão pelo Panamá me presenteou com uma recidiva. Graças a Deus que inventaram o rum e mais graças a Deus ainda que havia vários deles para degustar no Duty Free do Aeroporto de Tocumen. Nem fiquei triste que não encontrei chapéus Pananá; ainda bem que já fui ao Panamá sabendo que eles são, na verdade, feitos no Equador.

Chegando em New York, mais um “presente” das sabedorias chinesas: no táxi, quase chegando ao meu destino final, esqueço meu telefone celular dentro do carro. E só fui perceber depois de horas. Entrei num site do “Yellow Cab” e descubro que é possível anunciar numa sessão de achados e perdidos. Mundo moderno é outra coisa! É outra coisa mesmo. Pode anunciar, mas tem que pagar pelo anúncio. Paguei. Faz quase uma semana que cheguei e nem sinal do meu iphone. Já é o terceiro que se vai: o primeiro num assalto na porta de casa; o segundo num assalto perto de casa e esse, iPhone 4, “the third”, esquecido no banco de um Lincoln Amarelo.

Se já tivessem lançado o iPhone 4GSFC ou o iPhone 5, eu entenderia que perder o antigo seria uma forma brusca de eu ser empurrado pela roda evolucionista consumista mundial. Quem sabe.

E minha dor continua. Remédios, remédios e mais remédios. Me sinto parecido com uma paciente, que dizia que não tinha mais cérebro e que sua cabeça era lotada de comprimidos. Enalapril, Metformina, Codeína, Ibuprofeno, Dipirona, Ciclobenzaprina. O mais legal do ibuprofeno aqui nos Estados Unidos é que é vendido em comprimidos minúsculos de 200 miligramas. Então a gente tem que tomar uns 4 ou 5 para ficar bom. Comprei um pote de ibuprofeno com 800 comprimidos.

Cansado e castigado pela dor, sobretudo pela impossibilidade de fazer repouso tendo Manhattan aos meus pés, ouso invadir o sagrado universo da medicina chinesa, no subsolo de uma loja de artigos orientais no Soho, a Peal River. Lá um chinesinho simpático resolve fazer uma consulta por dez dólares, medindo meu pulso e vendo minha língua. Saio feliz e contente com uma sacola contendo dez caixas do mesmo remédio, que devo tomar 12 bolinhas que se parecem com cocô de cabra, três vezes ao dia. Ele também me deu o cartão de um colega seu, um tal de Doutor “Ni”. Se eu posso ser Doutor “Niel”, Doutor “Fofinho”, por que é que ele não pode ser “Ni”?

Os dias foram passando, mas a dor não. Tentei ser bem chinês esses dias, agradecendo por conseguir andar, agradecendo por ter duas pernas, agradecendo pela dor chegar mais forte somente no final no dia. Teria sido horroroso não poder passear por New York com minha amiga-irmã, que está que pela primeira vez. Mas dor é sempre dor e quando a gente resolve não ligar pra ela, ela decide fazer mais alarde pra mostrar que continua ali, feito criança birrenta.

Cansado de sofrer, resolvi procurar o tal Doutor Ni. Em Chinatown. Já tinha “beirado” Chinatown ao passar pelo Soho e por Tribeca, mas nunca tinha me afundado nela. Tudo escrito em chinês, todo mundo de olho puxado, um amontoado de gente, lojas e coisas.

Passei em frente à estátua de Lin Zexu. Aos pés dele, os dizeres: “Pioneiro na luta contra as drogas”. No alto, um monte de pombos cagando na cabeça dele. Fiquei pensando.

Muitos mercadinhos e patos laqueados após, cheguei no número indicado pelo cartão. Na porta do prédio, uma enorme escadaria. Ainda bem que minha dor não era daquelas que travam meus movimentos. Seria impossível subir aquela escadaria se assim estivesse.

E lá estava a pequena salinha zoneada e, detrás do balcão, Dr. Ni, sentado. Muito simpático, sorridente, olhou minha língua e meu pulso, deu um papel confuso para preencher. No final de algumas olhadas, percebi que a única coisa que era realmente necessária era assinar e marcar as lacunas dizendo que eu aceitava o tratamento e compreendia o que seria feito.

Então Dr. Ni perguntou quem o havia indicado. Disse a ele que era o outro médico do Pearl River, a loja de badulaques orientais. E ele perguntava: um homem? Uma mulher? Qual seu nome? E só ficou satisfeito quando lhe mostrei o cartão com seu endereço escrito. Polícia, imigração, máfia chinesa. Deve ter um monte de coisas que essa gente deve temer.

E então ele me levou para a maca. Esticou a cortina de lençol e mandou eu deitar na cama. Quando deitei, ele falava em chinês “cam-pam”, ou algo parecido que o GoogleTranslator não conseguiu me explicar. Levantei e ele gesticulou que eu deveria baixar a calça, e dizia “cam-pam”, “cam-pam”. Entendi que deveria tirar a calça e deitar na cama. Fiz isso e ele assentiu com a cabeça, dizendo “cam-pam”. Quando deitei, ele fez um gesto para eu me virar, dizendo “cam-pam, cam-pam”.

E ele começou a espetar várias e doloridas agulhas pela minha perna, pé e na bunda. Ele perguntava: “First time? First time? Pain? Pain? Too much pain? So so?

E quando eu achei que havia acabado, ele trouxe um aquecedor que deu um calorzinho gostoso e um monte de eletrodos... Ligou os eletrodos nas agulhas e meteu uma carga elétrica. Eletrochoque na bunda. E a carga foi aumentando, aumentando... até que meu pé ficou torto e senti uma dor de parto, ou de dente, ou de cólicas renais. Bem na minha canela. “Pain?” Ele perguntou. “Yes!!! Too much pain!!!” Eu berrei. “You have to tell me when pain”. E assim que ele ajustou a máquina de fazer “pain”, ele me deixou lá, deitado, com a bunda pra cima, tomando choques suportáveis. Aproveitei para pedir para os médicos chineses ancestrais, para os pretos-velhos, para a corrente médica do espaço para me ajudarem a resolver essa dor. Não sei se eles vieram. Só sei dizer que dormi. Ronquei e sonhei com coisas que não me lembro. Acordei com o despertador do Dr. Ni. “Feeling better? Feeling better?” E eu estava. Levantei aliviado, sem dor, sem choquinhos na perna. Levantei feliz e achei que o pesadelo tinha acabado.

Mas no dia seguinte. Tudo voltou ao anormal. A dor, mais forte e mais insuportável do que antes. Fiquei com vontade de me hospedar na maca do Dr. Ni.

Não acho que a acupuntura não tenha surtido efeito. Tenho que fazer aqui meu “Mea culpa” e confessar que não fiz repouso, que não deixei de tomar vinho e não dormi no chão como o outro médico havia recomendado. Mas tem cabimento sair pra jantar e não tomar champagne e ficar de repouso, dormindo no chão, em plena Manhattan? Não, não tem. Nas horas em que a dor aperta, chego a titubear na resposta, mas quando estou andando pelas ruas da cidade ao lado das pessoas amadas, com o sol de inverno batendo na minha cara, tenho a certeza de que estou fazendo a coisa certa.

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