A HISTÓRIA DE LARA.

Lara não era amiga de infância de Fernando. Mas era como se fosse. Fernando Conheceu Lara no meio de uma “infância psicológica” aos vinte e oito anos de idade; naqueles momentos da vida da gente em que a gente se deslumbra com a própria vida, que aprende o quanto viver vale à pena e como é gostoso se sentir vivo, saudável e feliz.
A conexão deles foi imediata. No mesmo dia em que foram apresentados, já sentiu que seriam grandes amigos. E a profecia se cumpriu. Ao longo desses anos todos foram ficando cada vez mais próximos, mais cúmplices. Fernando tinha muitos amigos, muitas pessoas queridas à sua volta. Mas Lara se tornou uma peça muito importante em sua existência. Viajaram juntos, batiam papo ao telefone, saíam para todo tipo de balada, e tudo era sempre muito legal.
Lara era uma pessoa muito culta e divertida. Fernando adorava ouvir suas histórias de infância, como quando era criança e se apaixonara pela dona de uma floricultura e levava flores todos os dias para ela; ou quando se vestia de homem imitando o cantor Wando.
Há cerca de um ano, Lara desapareceu. Deixou de atender telefonemas, não respondia às mensagens de texto. Fernando mandou um email perguntando sobre o que havia acontecido e ela respondeu que estava tudo bem, que estava muito ocupada ultimamente. Já fazia um mês que não a via, e tiveram um aniversário de um amigo em comum. No caminho para o aniversário, Fernando começou a chorar, pensando nesse encontro. Teve uma sensação esquisita sobre ele. E estava certo em sua intuição. Foi como se não houvesse mais uma conexão. Lara estava “fria” com ele.
Passado algum tempo, chegaram a trocar alguns emails e lhe parecia que a Lara de antigamente estava de volta. Houve a ameaça, o ensaio de um encontro que não se realizou. E Lara desapareceu de novo.
Certo dia, andava pelo shopping center, percebeu que um homem o observava. “Será que ele está me paquerando?”, pensou. “Conheço esse cara de algum lugar. Será que fomos colegas de escola?”. Encarou-o firmemente e o homem desviou o olhar. “Coisa da minha cabeça”, pensou. Uns dias depois, teve um sonho com aquele homem do shopping. Sonhou que ele entrava na sua casa num domingo; tinha ido almoçar. Fernando conversava com o homem como se fossem grandes amigos. Acordado, não fazia idéia de quem era aquele cara. Chegou a falar desse sonho com seu analista, mas mesmo interpretações aparentemente brilhantes não o convenciam.
Uns dias depois, viu o carro de Lara na Avenida Paulista, bem na frente do seu. Tentou fazer sinal e não teve resposta. Acelerou um pouco e conseguiu parar ao lado do carro de Lara no semáforo. Buzinou, fez sinal, abaixou o vidro. Gritou seu nome. Ninguém respondeu. Mal o sinal abriu, o carro saiu rapidamente, cantando pneus. Intrigado, Fernando tentou seguir o carro, mas com discrição. Alguns quarteirões à frente, o carro parou e Cristina, a namorada de Lara, desceu do carro para comprar revistas em uma banca de jornal.
Fernando concluiu que era Lara que estava dirigindo o carro e que ela não queria falar com ele. Ficou irado e decidiu segui-las até que ela descesse do carro para que fosse ao seu encontro e perguntar os motivos desse sumiço. Seguiu-as até a casa de Lara e elas entraram na garagem do prédio. Desceu do carro, tocou a campainha e o porteiro disse que não havia ninguém em casa.
- Eu sei que elas estão aí! Diga que preciso falar com ela.
- Senhor, se o senhor continuar insistindo teremos que chamar a segurança do condomínio.
Fernando saiu cabisbaixo, mas indignado. Tentou ligar. Deixou recados. Mandou SMSs. Tentou Orkut. Facebook. Mandou emails. E nada. Tentou falar com a família de Lara e todos diziam a mesma coisa: “Está tudo bem, ela anda muito ocupada.” Mas nada disso convencia Fernando. Decidiu ficar no pé de Lara até que conseguisse falar com ela. E dois dias depois, seguiu-a até o supermercado. Levou um susto no estacionamento ao ver um homem descendo do carro de Lara e abraçando a namorada dela. Não entendia o que havia acontecido. “Será que a Cristina está usando o carro de Lara para sair com um cara? Será que Lara foi assassinada e sua companheira ficou com todo o dinheiro e agora está com um cara?”. Nada fazia sentido. Mas resolveu descer do carro e ir na direção de Cristina. Gritou por seu nome, ela olhou para trás e quando o viu, virou as costas e apertou o passo.
Cristina e o homem começaram a correr pelo supermercado e Fernando foi correndo atrás. Correram tanto que ele os perdeu de vista. Mas não desistiu da sua busca. Parou seu carro ao lado do carro de Lara e ficou por lá até quando retornaram. No momento em que chegaram, Fernando desceu do carro, catou o braço de Cristina e perguntou rispidamente:
- Cristina, por favor, fale comigo! Eu só quero saber o que houve! Quem é esse cara?
- Solta ela Fernando!
- Como você sabe meu nome?
E quando Fernando olhou e encarou o tal homem, levou dois sustos. Reconheceu o homem. Era o mesmo homem com o qual trocou olhares no shopping e que visitara seus sonhos. E esse mesmo homem era Lara. O mesmo porte físico, mas um pouco mais forte. Cabelos bem curtos. Um pouco de barba. Mas aquele olhar de menina marota... Não havia como esconder. E Fernando desmaiou no estacionamento do Carrefour.
Após recobrar a consciência, Fernando ouviu a história de Lara. Lara agora era Lauro. Cortou os cabelos, tirou os seios. Fez tratamento hormonal e tem pênis inflável. Disse que acabou assumindo a sua vontade de passar por todos os processos de transformação de sexo porque não era homossexual. Lara ou Lauro era um transgênero. Havia resolvido se esconder porque não queria que as pessoas a vissem, não queria ser julgada, estava psicologicamente abalada. Então se abraçaram e choraram. Fernando perdoou a distância, o afastamento. E perguntou se ela havia guardado os longos cabelos negros e cacheados para que Fernando pudesse fazer uma peruca com eles para usar na sua próxima performance.
Foi aí que Fernando acordou. Estava em seu quarto, ao lado de seu namorado, que dormia pesadamente. Havia sido um sonho. Chorou ao lembrar que Lara não era Lauro. Chorou porque Lauro era uma alusão ao seu desejo de tê-la por perto novamente. Saiu da cama, lavou o rosto com água gelada da torneira. Foi para a sala, sentou-se no sofá e acendeu um cigarro. Tomou uma dose de Baileys enquanto via as fotos de tantos momentos legais ao lado de Lara, para relembrar os velhos tempos.
O que aconteceu com Lara? Fernando não saberia responder. Por onde andaria Lara? A única coisa que tinha certeza é que, fosse o que fosse e não importaria quanto tempo passasse, Lara estaria sempre em seu coração.
1 Comments:
Pura meiguice!
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