Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Tuesday, January 26, 2010

AQUECIMENTO GLOBAL


Há quem diga que essa coisa de aquecimento global seja besteira, invenção de pessoas que não têm nada de útil a pensar. Mas creio que a maioria das pessoas nota que deve ser bem verdade. Eu não sei dizer se é aquecimento; o que tenho visto são diversas mudanças climáticas estranhas nos últimos anos.

São Paulo, minha terra natal, era conhecida por ser a “cidade da garoa”. Eu mesmo presenciei esse “garoísmo”, quase que diário acompanhado do frio matinal bem típico. Costumava-se dizer que vivíamos todas as estações do ano num dia só. Lá pelos meus cinco anos de idade, ganhávamos guarda-chuvas de presente de Natal. Não sei se isso era coisa da minha família ou também acontecia nas melhores famílias. E eu me lembro do meu primeiro guarda-chuva: preto, tamanho pequeno, com o desenho do Super Homem.

Hoje continuamos vivenciando todas as estações do ano num só dia, mas a garoa e o friozinho matinal é algo raro na Sampa de hoje. Yes, nós temos enchentes. É como se todos os pingos de todas as garoas do ano e de anos se juntassem num uníssono destroçar de casas, árvores centenárias e postes.

Num dia de inverno em Nova Iorque (detesto escrever assim!), o sol se abre incandescente e feroz, não apenas iluminando, mas realmente aquecendo Manhattan. Um dia de verão em pleno cruel inverno novaiorquino. Por um lado, as pessoas ficaram felizes, saíam pra passear de bicicleta, roupas cavadas, chinelos. Mas é muit estranho um dia escaldante nessa época.

Dizem que várias geleiras estão descongelando, lugares frios estão mais quentes e quentes mais frios. Um reboliço total.

Essa coisa do aquecimento global me fez pensar sobre outros aquecimentos, também globais: o aquecimento da economia, o aquecimento das panelas, o aquecimento dos ânimos. Temos visto crescer, cada vez mais, uma onda de intolerância, de impaciência em nossa vida social.

Quando eu era criança, e até na minha adolescência, era comum fazermos festas de aniversário às sextas e sábados e o barulho era “respeitado”: as pessoas sabiam tolerar o barulho do vizinho aos finais de semana, porque sabia que no outro poderia ser a sua vez de perturbar. As pessoas viajavam e faziam festas em sítios e podiam ouvir música alta até altas horas, porque ninguém iria reclamar.

Hoje é tudo diferente: aos sábados, mal deu meia-noite e o zelador do prédio já está ligando, pedindo para abaixar o som ou, pasmem, parar de dar risadas. O mundo realmente está cada vez mais fechado, mais intolerante e, consequentemente, mais triste. Agora é proibido dar risadas depois da meia-noite.

No último final de semana estive em Salvador. Linda cidade, lindas praias, gente acolhedora. Tive uma relação de amor à primeira vista no dia em que pisei em Salvador. O quarto do meu hotel tinha o número 2003, o ano em que estive lá pela primeira vez.

Como é verão, a cidade estava muito cheia de turistas de todos os lugares. Muito trânsito, muito barulho, fila pra tudo. Mas o que me deixou mais assustado foi a violência no trânsito. Pessoas dirigindo como loucas, de modo imprudente; buzinando impacientes a todo momento, xingando outros motoristas, batendo carros. E pior: não eram turistas, eram os próprios moradores! Em partes, dá pra entender; não deve fácil ter que agüentar, ano após ano, lotes e lotes de turistas ensandecidos, ver sua cidade mais suja, mais cheia, ter mais dificuldade para ir e vir. Mas tal comportamento me fez refletir e me deixou assustado, pois sinalizava que o tão conhecido sossego baiano está com seus dias contados. E isso pra mim representa uma das trombetas do apocalipse.

Como disse, isso não é um fenômeno baiano. Todas as pessoas, em todos os lugares do mundo, têm se tornado mais intolerante com as diferenças. Aparentemente, deveríamos rumar a um destino oposto; mas o que se vê é que a intolerância, a impaciência e as suas nefastas conseqüências vem ganhando vulto, dia após dia. E, quando essa onda de contaminação atinge a Bahia, fico deveras preocupado.

Não posso dizer que sou perfeito quanto a isso. Também sofro de impaciências e intolerâncias às vezes e estou sempre me policiando para aceitar as diferenças, criticar menos, compreender mais. Nem sempre sou bem sucedido: há diversas situações nas quais a irritação me causa brotoejas irreparáveis. Mas viver tem muito disso. Um constante aprendizado e repetidos ajustes. Adaptação, adaptação, adaptação.

Mesmo que os baianos não sejam mais os mestres de paciência de antes; mesmo que eles não saibam mais esperar; mesmo que eles tenham importado o “jeito paulista de viver”, xingando, buzinando, perdendo a calma e agredindo seus pares; ainda assim posso dizer que eles deixaram seu legado, deixaram seus ensinamentos, que ficarão pra sempre guardados em meu coração. Aprender a esperar o coco cair, refestelar-se de alegria e paz interior com o balançar das redes, degustar calmamente os aromas do vento que adoça a boca com o salgado-doce das maresias, curtir o momento lúdico de quebrar patas de caranguejo com martelinhos na praia, regado a cerveja gelada. Tudo isso e mais um monte de “técnicas”, um verdadeiro legado de sabedoria, um tratado de boa vida, de bem viver.

Talvez os chineses tenham nos ensinado a tirar proveito das piores situações. Os baianos me ensinaram muito mais que isso: aprendi a tirar o verdadeiro proveito das coisas boas e a valorizar as pequenas alegrias, como estas.

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