Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Sunday, February 21, 2010

WELCOME TO WOODSTOCK, A SÃO TOMÉ DAS LETRAS AMERICANA


Só vendo pra crer mesmo. Nesse final de semana, resolvemos tirar umas férias das férias e vir descansar do descanso num lugar bucólico, ao norte do estado de New York. Daqueles lugares onde as maiores cidades tem 20 casas e que em meia hora de estrada se
Conhece umas trinta cidades, ou mais.

Estamos hospedados no Lazy Meadow Motel, em Mount Tremper, o aconchegante “love shack” de Kate Pierson, vocalista da banda B-52’s e sua namorada Mônica. Super charmoso, ecologicamente correto e com um ar “kitsch” bem característico. Apesar de ser uma pousada “lesbiônica”, não encontrei mesas de bilhar, nem tem shows de cantoras country, chorando o amor perdido enquanto tomam whisky (a versão americana para “violão e banquinho”). Mas tem um gazebo com churrasqueira.

Decidimos passear pelas redondezas e o mapa me revelou algo que ativou minha curiosidade: Woodstock. Sabia que o festival dos hyppies não havia sido realizado na própria cidade, mas imaginava que havia algo de hyppie nela ainda. Depois de muitas voltas por florestas e rios congelados, sendo trapaceados várias vezes pela mulherzinha que mora dentro do GPS, chegamos a Woodstock.

Diferente das cidades vizinhas, ela é “maiorzinha”, com casas mais bonitas e charmosas e com muito mais gente andando pelas ruas. Caminhando por lá, descobri uma das minhas paixões: dúzias de lojinhas de decoração, de enfeites, de coisas usadas. Mas, do mesmo jeito que o “movimento hyppie” foi pra mim apenas uma “capa”, uma desculpa para os jovens fumarem maconha, tomarem LSD e fazerem muuuuuuuuito sexo em todas as suas variações, Woodstock nao deixa por menos: é uma “capa” de hyppismo dotada de uma “cafonice intrínseca” (by Liana Padilha).

Algumas lojas vendem resquícios do movimento, com camisetas, tapetes, bandeiras, óculos, sandálias, batas coloridas, cachimbos para fumar maconha (ou, mais atualmente, o crack). Incenso queimando, Hendrix, Dylan ou Joplin tocando... Em todas as lojas que entrei, um gordo grisalho e com cara de tédio vendia seus hyppismos...

O outro tipo de lojas que encontrei foi a dos “artistas plásticos”. Em Woodstock, toda cerâmica vira artes plásticas e toda panela velha vira antiguidade. Acho que as lojas de antiguidades proliferaram porque os hyppies precisavam de dinheiro para comprar maconha e roubavam suas casas, vendiam os cacarecos para comprar seu “beck”. Era o prenúncio do “crackismo” vigente.
E o que sobrou dos cacarecos virou “antique”. Um negócio que não prospera por aqui, uma vez que juntar cacareco é realmente coisa de americano. Aqui, toda e qualquer casa vira loja de antiguidade num segundo.

As “artes plásticas” são realmente “quelque chose”, como diria Odete Roitman... Canecas pintadas de cerâmica, echarpes pintadas de seda, porta-copos ou porta-guardanapos de papel marchê. Uma arte plástica só. E sempre uma gorda grisalha atrás do balcão. Nesses “ateliês” não tem insenso. O cheiro pode atrapalhar a experiência artística ao admirar a obra numa caneca. Numa das lojas, a “artista” fazia biquinhos de crochê num pano-de-prato, enquanto ouvia Cat Stevens cantar “Wild World”.

Tem um outro tipo de lojinhas em Woodstock. As esotéricas. Sim, porque os hyppies são “saudáveis”. Amam a natureza, são vegetarianos (nada de química: só maconha e cogumelos), curtem budismo, yoga, astrologia e muito, muito incenso. Em quase todo quintal e jardim das casas, pude encontrar algum deus hindu em pedra, jazindo por lá. Nas lojas esotéricas, gordas grisalhas com batas coloridas montam pulseirinhas de pedras atrás do balcão. Aqui a trilha sonora é diferente. Blin-blin-blin, plin-plin-plin de sininhos e música indiana com mantras sagrados.

Agora a loja mais curiosa foi a de bichos de pelúcia. Uma loja para crianças, com bichos de pelúcia, fantoches, brinquedos educativos, livros infantis. Tudo, tudo muito angelical, exceto... a música. Mantras indianos. E pior: chatos de ouvir. Eu que adoro cacarecos e bichos de pelúcia, não consegui ficar mais que dois minutos lá dentro. Atrás do balcão, pasmem: uma moça de uns quarenta anos, lendo um livro sobre iluminação e yoga. Não era gorda e nem grisalha. Na minha opinião, era uma “filha de Woodstock”: pais hyppies, feita sem encomenda entre LSDs e cogumelos, amamentada com leite de cannabis. Sua mãe é a gorda grisalha da loja esotérica e seu pai, o gordo grisalho da loja de cacarecos hyppies.

Pelas ruas, crianças, jovens, adultos. De todos os tipos, de todos os níveis sociais. Hyppies de todas as idades (sim, porque ser hyppie é um estado de espírito), “patricinhas-hyppie-chics, velhos hyppies de todos os lugares. Todo mundo passa lá para conhecer a Meca que não é Meca.

E tudo isso me lembrou muito São Tomé das Letras. Era uma vez um bando de hyppies que se enfiou lá pra fumar maconha sossegado. Numa cidade outrora feita de pedra, hoje é um verdadeiro resort dos hyppie-chics, com pizza feita na pedra, “eco-lodges”, “eco-resorts”, hambúrgueres vegetarianos, supermercado orgânico, bonsais, passeios de jipe e ecoturismo. Lojinhas de artesanato, de “hyppismo”, artistas plásticos, esotéricos. Há lá uma comunidade esotérica que foi fundada por uma dúzia de hyppies desejosos de construir um mundo melhor. Uns anos atrás já vendiam passeios de jipe e esportes radicais. Hoje possuem um residencial ecologicamente correto, com casas imensas cheias de parabólicas e geradores solares. Dizem que tem até heliponto. Nos balcões das lojas, os hyppies gordos e grisalhos não estão lá. Estão assistindo o Festival de Inverno de Campos de Jordão, esquiando em Aspen ou no Festival Gastronômico de Tiradentes.

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