VÍTIMAS SUPLICANTES

Jesus estava no Calvário. Mas não estava pregado. Calvário é o nome de um resort à beira-mar. Mas Jesus estava sedento. Do alto do monte, pediu à Maria que levasse água-de-coco em suas mãos de virgem. Prontamente ela desatou a fazer suas malas, porque partiria ao seu encontro.
Nisso chega Pedro, o teimoso e nota a pressa de Maria que, como fugitiva, esconde coisas em suas sacolas.
- Onde vais, mulher? Pra que tanta pressa?
- Vou ao encontro de Jesus... Responde titubeante, pois sabia que Pedro sabia que mentia.
- Água? Pra que levas água a Jesus, se está cercado dela?
- Bem sabes que está cercado de água que não se bebe...
- Bem sabes que existe um rio muito perto...
- Na verdade, levo água-de-coco, para que mate a sede e se fortifique... Levo também guloseimas, roupas, cobertores...
- Maria, Maria... não vês o quanto erras? Até quando pouparás Jesus das dificuldades, jogando pétalas pelo caminho, ocultando-lhe as pedras?
- Jesus é meu filho e cuidarei dele enquanto viver...
- Não vês que cuidar é algo diferente de mimar? Bem, não adianta, tu não tens mesmo ouvidos. Ao menos deixa que eu te leve, para que não carregues tanto peso. Ademais, o Calvário fica longe...
- Aceito tua ajuda.
- Aguarda uma semana mais, que te levarei assim que voltar da minha jornada.
E Pedro parte em jornada. Ao voltar, encontra a casa de Maria vazia. Vai à casa de Helena que informa que Maria já havia partido.
- Fora com suas sacolas e moringas, vestida de juta rasgada, sem sandálias – disse Helena. Disse-me que ninguém queria ajudá-la e que iria assim, sozinha, como uma mula, que de fato é.
Será que é por culpa que se arrasta, como uma minhoca? Será que é por desespero de que ninguém descubra que Jesus não é filho de José? Quem será o pai de Jesus? Se não é filho de Deus e nem de José... Quem resolverá esse mistério? James Bond? Agatha Christie? Paulo Coelho?
Detesto vítimas. Não essas vítimas de coisas que não podem controlar, como tragédias, catástrofes, cânceres. Detesto as pessoas que assumem as tragédias como “função”, como meio de vida.
Certa vez, encontrei uma dessas pelo meu caminho. Uma dessas que a gente cruza a vida inteira e que temos que suportar também pela vida inteira, saca? E às vezes até mesmo eu sou pego – por mim mesmo – sentindo pena dela. Mas, na maioria das vezes, um sentimento de raiva invade meu peito, meu estômago, meus bagos. Tenho vontade de vomitar. A vítima não é alguém que simplesmente passa por percalços. É alguém que pega os percalços e faz deles seu meio de locomoção. Algo como escolher arrastar chinelos quando se pode calçar sapatos confortáveis, ou ir buscar água no poço quando já existe torneira.
A vítima é, geralmente, alguém que tem muito a pagar. Eu não sei fazer o balanço entre a realidade e o sentimento de necessidade. O fato é que ela tem uma ou várias dívidas, segredos, mentiras, como aquela faxineira da novela das oito, que passa a vida inteira trabalhando na casa do patrão, escondendo que seu filho é filho de Deus e não do José, o jardineiro.
A vida imita a arte, a mitologia e a Bíblia Sagrada. Acho que “pulei” de mito agora. Será que consigo “pular o mito”?
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