Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Wednesday, December 29, 2010

O MITO DA MULHER BÊBADA


Não, não quero falar de psiquiatria. Estou quase cem por cento de férias dessa "funça", salvo uma ou outra orientação telefônica. Quero falar de trajédias gregas de proporçōes mitológicas de algumas mulheres que encarnam monstros incontroláveis quando bebem. Não quero soar machista ou sexista, mas tenho ficado um pouco assustado com o beber feminino. Conheço mulheres que bebem como homens, mas algumas delas desfalecem como mulheres mesmo.

Em linhas gerais, não tenho paciência com bebedeiras em meu convívio social. Não gosto de bafo na minha cara, não gosto de lenga-lenga prolixo de conversas alcoolizadas, não curto limpar vômitos e, graças ao bom Deus, nunca precisei levar ninguém a um hospital por bebedeiras comatosas ou agitos incontroláveis. É lógico que a languidez do vinho entremeando um gostoso papo é sempre bom. Mas perder o passo, ultrapassar os limites do convívio, daí é "pobrema".

A primeira grande bêbada que cruzou meu caminho era daquelas bem chatas. Amiga de uns amigos, sempre tomava um pifão nas festas e ficava pendurada nas pessoas, com cantadas mais que pisadas e falando sobre as agruras da própria vida. Certa vez estávamos num aniversário de uma amiga. Saí para fazer um xixi básico e, ao voltar, lá estava ela pendurada no pescoço de um amigo. Quase sentada no colo dele, ele desconcertado, ela perguntando se ele a achava atraente. Ele quase vomitando. Sentei-me ao lado deles e lá veio a lacraia:

- Você acha que tem algo demais eu sair assim? Eles estão falando que eu estou bêbada, mas eu não estou, estou ótima! E depois eu sou livre, não acha? O que você acha?

- Eu acho que é perigoso sim, porque você está bêbada. Aliás você É uma bêbada e inconveniente. E está importunando meu amigo. Mas eu acho um perigo sim você sair assim, não por sua causa, mas porque você pode causar um acidente e matar alguém inocente.

- Ai, credo, como você é careta e grosseiro! Sai fora!

- Sai fora você. Ninguém chamou você na conversa.

E ela saiu, rindo agressivamente pra chorar do outro lado do salão. Gerei polêmica. Parentes da pobre donzela se sentiram desrespeitados. Eu me senti aliviado e salvei meu amigo que, muito paciente, aguentava aquela chatice toda.

Sim, eu fui mal. Mas o restinho de neurônio que não saiu pra passear com o Johnny Walker pode me escutar e ela foi lá, dormir e vomitar no dormitório dos parentes. Nunca mais encontrei a sujeita. Thank God.

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Outro dia foi numa outra festinha. Todo mundo estava prá lá de Bagdad, dançando, dando risadas. No meio dessa saudável balbúrdia, uma das "meninas" resolve, já no "grau", fazer uma demonstração de seus dotes yoguísticos. Deitou no tapete, se pôs de ponta cabeça para fazer a posição de sei-lá-o-quê e catapumba! Quase quebrou o pescoço. Não sentiu nada na hora, ria desconcertada do seu próprio fracasso e decidiu virar estrela. Daí tive que impedir. E descobri que a vodka é um excelente analgésico.

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Certa vez, estava numa comemoração de aniversário no Piola, lá na Alameda Lorena. Chega uma amiga trazendo uma penetra. E a penetra estava bêbada. Descobriu minha profissão e sentou do meu lado para "aproveitar e fazer uma terapia". Falou dos remédios que tomava, na crise do seu casamento e, de tempos em tempos, dava um "gorfada" - como dizem os caipiras - e dizia:

- Acho que vou vomitar...

- Você não acha melhor ir ao banheiro?

- Tô bem, passou já...

E na segunda ameaça, achei melhor "interromper a sessão".

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Detesto futebol. Mas no último jogo da Copa de 2006, entre Brasil e França, resolvi reunir o pessoal em casa, só prá me divertir fazendo umas comidinhas e torcer para a França. De repente, minha casa acabou virando um "point" durante todo o final de semana. Gente conhecida, gente desconhecida. Eu me lembro de ter tirado alguns cochilos e, cada vez que eu acordava, tinha novas pesssoas em casa. E, de repente, chega uma amiga. Uma dessas, que bebem como homens e nunca vi dar vexame. Mas aquele dia ela estava um vexame. Tava bêbada, falando mole e...verde. Sim ela estava verde! Parecia um duende de vestido.

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Tenho uma conhecida que tem a mãe mais "porre" que eu já conheci. Detesto quando ela aparece em casa para me visitar e traz o raio da mãe junto. Cheguei a dizer a ela que não trouxesse mais a mãe dela, mas eu não sei se é pela falta de "simancol" ou por medo que a mãe dela faça mais besteiras sozinha, ela acaba trazendo.

Ela não é uma pessoa que "fica" chata quando bebe. Ela já é muito chata e fica muito pior quando abastecida. E o pior é que, quando ela chega, não vai embora. Nem percebe os "sinais" do sono chegando. Houve uma vez que ela dormiu no meu sofá e ninguém acordava aquela velha. Fiquei com vontade de dar uns croques na cabeça dela, mas não houve um tempo hábil sem testemunhas. Uma outra vez, desisti de tentar expulsá-la educadamente, larguei elas sozinhas na sala conversando e fui dormir. O pior foi acordar após algumas horas e perceber que elas ainda estavam lá, conversando!

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Certa vez, fiz uma viagem a Paris com uma amiga e um amigo. Resolvemos sair à noite para uma balada "completa": jantar, bares, boates. Fizemos um verdadeira peregrinação a diversos lugares, tudo muito "alcoolizado". Já faz tempo que não tenho pique pra essas baladas "fortes". Pra sair, preciso dormir à tarde no dia e reservar o outro para me recompor. Conforme o tempo foi passando, fui ficando cansado e minha amiga cada vez mais pilhada. Paramos na porta de uma boate e só entravam casais ou mulheres sozinhas. Ela, doida pra entrar, eu e meu amigo, doidos pra sumir. Fomos embora e ela ficou.

Já quase amanhecendo, ouço a porta bater. Levei um susto e vejo minha amiga se arrastando pelo chão da sala, como uma lagarta velha. Esgueirou-se até a cama e capotou. Nem bem dormiu duas horas, acordou vomitando. Corria pelada para o banheiro e asssim passou o dia inteiro.

Passadas algumas horas e uma dezena de idas à privada, contou que não se lembrava bem o que tinha acontecido e que havia perdido sua bolsa. Só lembrava que tinha beijado um "negão lindo" e depois não se recordava de mais nada. Boa noite Cinderela? Assalto? Acho que vergonha mesmo. No bolso de sua jaqueta, o cartão de uma oficina mecânica e um fósforo de Motel... Ligamos no celular, a bolsa estava guardada na boate... Como chegou aqui no hotel? Não sei, não sei...

Tenho um monte de estórias sobre mulheres bêbadas. Infelizmente essas são as únicas que posso contar aqui. Tudo isso já faz tanto tempo, mas resolvi colocar no blog para eternizar esses acontecimentos pitorescos para além da minha memória particular. Eternizadas, as mulheres bêbadas viram mitos, viram História, viram piada, viram blog.

É como sempre digo... Cuidado com o que eu vejo ou me contam...

Saturday, December 25, 2010

NATAL É SIMPLICIDADE.


Natal, como todo mundo sabe, é a data na qual festejamos o nascimento de Jesus Cristo. Embora se façam presépios, árvores enfeitadas e luzinhas coloridas, faz tempo que vejo perdido o sentido do Natal.

Não estou falando disso pela minha "neurose de guerra natalina". Faz muito tempo que o Natal não tem esse significado para mim, embora uma estrelinha de Natal tenha se acendido em meu coração nos últimos tempos. Vejo essa estrela brilhar em meus olhos e sinto seu calor em meu coração ao saudar meus amados sobrinhos, minha querida irmã, meus amigos sinceros e, sobretudo, meu grande e verdadeiro amor. De qualquer forma, não são presentes, ceias, roupas bonitas e enfeites luminosos que fazem meu Natal. Meu Natal é composto de sensaçōes gostosas.

Mas, ano após ano, o que vejo do Natal por aí mais e mais me entristece. Vejo as pessoas estressadas, correndo para chegar em lugares; vejo raiva (e nessa eu me incluo) ao ficarmos presos no trânsito de ruas e avenidas que viram pontos de visitação natalina; vejo pessoas fazendo dívidas para comprar e comer o que não têm, seguindo os ditames da época; vejo, acima de tudo, o mundo perder suas cores e sua simplicidade.

Natal me lembra eiqueta. Mesas fartas, guardanapos de pano, talheres de prata, coquetéis elegantes. Tudo cada vez mais chique e mais caro para comemorar o nascimento de um cara que nasceu num curral, dentro de uma manjedoura. Tem algo errado nisso tudo.

Essa semana fui jantar com minha amiga no Le Vin, em São Paulo, para comemorarmos nosso Natal antecipado. E de repente o Maître chega, empunhando um porta-guardanapos de papel, pedindo perdão pela ausência de guardanapos de pano. Pensei alto: "Será que tem alguém que realmente se ofende com isso?" É claro que sim. Minha amiga disse que conhece uma distinta senhora que se recusa a limpar sua baba em guardanapos de papel. Mas ninguém me pediu perdão no dia em que tirei um fio de cabelo comprido de dentro de um brioche.

Na mesma semana almocei no restaurante Dalva e Dito com outra amiga. Uma delícia. Requintado, comida deliciosa. Comi um tal de porco na lata. O mesmo porco na lata que os capiras comem em suas casas caiadas. Vi uma mesa com quatro dondocas que pediram "frango de televisão", aquele delicioso frango assado, bem engordurado, que compramos na padaria aos domingos e comemos com maionese e farofa. Tenho quase certeza que essas dondocas acharam o máximo, porque além de maravilhoso, foi feito por um chefe de cozinha famoso. Tenho quase absoluta certeza de que elas nunca comeram o frango de padaria, que tem o mesmo gosto e custa dez vezes menos. Também me arrisco a ter certeza de que elas nunca chuparam os ossinhos suculentos do frango, até porque, nesse chiquérrimo restaurante, o garçom desossa o frango para as peruas, poupando-lhes o constragimento de ver um osso de frango ao vivo.

Ontem, aqui em Manhattan, almocei no Spice Market, um restaurante maravilhoso, com comidas de influências orientais. De entrada, serviram um molhinho de tomate apimentado com uns pães torrados. Estava delicioso. Mais delicioso ainda foi meter o dedão na tigelinha para aproveitar até a última gota do molho. Quem me viu fazendo isso deve ter me achado bem porco e desclassificado. Devo ser. Tenho um conhecido que diz que a gente pode tirar a pessoa da favela, mas não tira a favela da pessoa.

E esse deve ser o meu lado favela, interior, "ZN". Esse lado simples, que come coxa de frango com a mão e mastiga e chupa o ossinho; que não come hambúrguer com garfo e faca no Ritz, que passa o dedos no restinho de molho do prato e que se segura fortemente para não lamber o prato de sobremesa, embora tenha planos diabólicos de faer isso um dia, talvez lá mesmo, no Le Vin.

Sim, eu adoro comidas e restaurantes sofisticados, mas detesto me sentir tolhido das minhas vontades e da minha liberdade nesses lugares. Não troco talheres para cortar as coisas no prato: primeiro porque sou canhoto e sempre me atrapalhei com esse troca-troca; o legal é que, por ser canhoto, quem vê pensa que eu troquei. Esse era meu segredo. Dizem que a lógica do troca-troca estar em ter mais força para cortar, mas eu sei lá. Deve ser por isso que às vezes faço voar alguns pedaço do meu prato.

Legal mesmo é ver as peruas em lugares não peruescos. Tem um restaurante maravilhosos na Zona Norte de São Paulo chamado Mocotó, e que está super na moda. É divertido ver as peruas dasluzetes chegando par almoçar naquele bairro, em suas Mercedez Benz e Land Rovers. Vão tomar caldo de mocotó e comer baião-de-dois e vão achar uma delícia, não exatamente porque é uma delícia de fato, mas só porque está na moda. E sem direito a guardanapos de pano. E irão falar, como já ouvi algumas vezes, enquanto olham bem fundo nos olhos azuis do proprietário do restaurante e sua mão forte apertam as suas frágeis e ornamentadas mãos: "Ai! Está di-vi-no! Mas você devia abrir uma casa lá nos Jardins!"

E acho que o Natal, que simboliza a celebração da vida e a própria vida necessitam dessa injeção de simplicidade. Na verdade nem é a simplicidade que precisa ser injetada, como mais um excesso, como mais uma obrigação de sermos simples, orgânicos, ecológicos e simples. A simplicidade deve brotar em áreas livres e limpas da mente, como os cogumelos que brotam no campo depois da chuva. E para isso precisamos de ejeção, extração, sangrias mentais. Sanguessugas de consciência que expurguem e cuspam para longe o excesso, o inútil, o circunstancial.

Esse é o meu Natal desejado. Um Natal que não se perca em pacotes, embrulhos, engodos. Um Natal que seja composto pela renovação de votos de coisas simples, sentimentos simples. É claro que Jesus merece um luxozinho, um brilhozinho. É lógico que eu adoro ganhar presentes. Mas que os pacotes, as fitas e laços, não sejam mais brilhantes que seu conteúdo. Na alma ou na matéria.

Feliz Natal para todos.

NATAL É SIMPLICIDADE.

Natal, como todo mundo sabe, é a data na qual festejamos o nascimento de Jesus Cristo. Embora se façam presépios, árvores enfeitadas e luzinhas coloridas, faz tempo que vejo perdido o sentido do Natal.

Não estou falando disso pela minha "neurose de guerra natalina". Faz muito tempo que o Natal não tem esse significado para mim, embora uma estrelinha de Natal tenha se acendido em meu coração nos últimos tempos. Vejo essa estrela brilhar em meus olhos e sinto seu calor em meu coração ao saudar meus amados sobrinhos, minha querida irmã, meus amigos sinceros e, sobretudo, meu grande e verdadeiro amor. De qualquer forma, não são presentes, ceias, roupas bonitas e enfeites luminosos que fazem meu Natal. Meu Natal é composto de sensaçōes gostosas.

Mas, ano após ano, o que vejo do Natal por aí mais e mais me entristece. Vejo as pessoas estressadas, correndo para chegar em lugares; vejo raiva (e nessa eu me incluo) ao ficarmos presos no trânsito de ruas e avenidas que viram pontos de visitação natalina; vejo pessoas fazendo dívidas para comprar e comer o que não têm, seguindo os ditames da época; vejo, acima de tudo, o mundo perder suas cores e sua simplicidade.

Natal me lembra eiqueta. Mesas fartas, guardanapos de pano, talheres de prata, coquetéis elegantes. Tudo cada vez mais chique e mais caro para comemorar o nascimento de um cara que nasceu num curral, dentro de uma manjedoura. Tem algo errado nisso tudo.

Essa semana fui jantar com minha amiga no Le Vin, em São Paulo, para comemorarmos nosso Natal antecipado. E de repente o Maître chega, empunhando um porta-guardanapos de papel, pedindo perdão pela ausência de guardanapos de pano. Pensei alto: "Será que tem alguém que realmente se ofende com isso?" É claro que sim. Minha amiga disse que conhece uma distinta senhora que se recusa a limpar sua baba em guardanapos de papel. Mas ninguém me pediu perdão no dia em que tirei um fio de cabelo comprido de dentro de um brioche.

Na mesma semana almocei no restaurante Dalva e Dito com outra amiga. Uma delícia. Requintado, comida deliciosa. Comi um tal de porco na lata. O mesmo porco na lata que os capiras comem em suas casas caiadas. Vi uma mesa com quatro dondocas que pediram "frango de televisão", aquele delicioso frango assado, bem engordurado, que compramos na padaria aos domingos e comemos com maionese e farofa. Tenho quase certeza que essas dondocas acharam o máximo, porque além de maravilhoso, foi feito por um chefe de cozinha famoso. Tenho quase absoluta certeza de que elas nunca comeram o frango de padaria, que tem o mesmo gosto e custa dez vezes menos. Também me arrisco a ter certeza de que elas nunca chuparam os ossinhos suculentos do frango, até porque, nesse chiquérrimo restaurante, o garçom desossa o frango para as peruas, poupando-lhes o constragimento de ver um osso de frango ao vivo.

Ontem, aqui em Manhattan, almocei no Spice Market, um restaurante maravilhoso, com comidas de influências orientais. De entrada, serviram um molhinho de tomate apimentado com uns pães torrados. Estava delicioso. Mais delicioso ainda foi meter o dedão na tigelinha para aproveitar até a última gota do molho. Quem me viu fazendo isso deve ter me achado bem porco e desclassificado. Devo ser. Tenho um conhecido que diz que a gente pode tirar a pessoa da favela, mas não tira a favela da pessoa.

E esse deve ser o meu lado favela, interior, "ZN". Esse lado simples, que come coxa de frango com a mão e mastiga e chupa o ossinho; que não come hambúrguer com garfo e faca no Ritz, que passa o dedos no restinho de molho do prato e que se segura fortemente para não lamber o prato de sobremesa, embora tenha planos diabólicos de faer isso um dia, talvez lá mesmo, no Le Vin.

Sim, eu adoro comidas e restaurantes sofisticados, mas detesto me sentir tolhido das minhas vontades e da minha liberdade nesses lugares. Não troco talheres para cortar as coisas no prato: primeiro porque sou canhoto e sempre me atrapalhei com esse troca-troca; o legal é que, por ser canhoto, quem vê pensa que eu troquei. Esse era meu segredo. Dizem que a lógica do troca-troca estar em ter mais força para cortar, mas eu sei lá. Deve ser por isso que às vezes faço voar alguns pedaço do meu prato.

Legal mesmo é ver as peruas em lugares não peruescos. Tem um restaurante maravilhosos na Zona Norte de São Paulo chamado Mocotó, e que está super na moda. É divertido ver as peruas dasluzetes chegando par almoçar naquele bairro, em suas Mercedez Benz e Land Rovers. Vão tomar caldo de mocotó e comer baião-de-dois e vão achar uma delícia, não exatamente porque é uma delícia de fato, mas só porque está na moda. E sem direito a guardanapos de pano. E irão falar, como já ouvi algumas vezes, enquanto olham bem fundo nos olhos azuis do proprietário do restaurante e sua mão forte apertam as suas frágeis e ornamentadas mãos: "Ai! Está di-vi-no! Mas você devia abrir uma casa lá nos Jardins!"

E acho que o Natal, que simboliza a celebração da vida e a própria vida necessitam dessa injeção de simplicidade. Na verdade nem é a simplicidade que precisa ser injetada, como mais um excesso, como mais uma obrigação de sermos simples, orgânicos, ecológicos e simples. A simplicidade deve brotar em áreas livres e limpas da mente, como os cogumelos que brotam no campo depois da chuva. E para isso precisamos de ejeção, extração, sangrias mentais. Sanguessugas de consciência que expurguem e cuspam para longe o excesso, o inútil, o circunstancial.

Esse é o meu Natal desejado. Um Natal que não se perca em pacotes, embrulhos, engodos. Um Natal que seja composto pela renovação de votos de coisas simples, sentimentos simples. É claro que Jesus merece um luxozinho, um brilhozinho. É lógico que eu adoro ganhar presentes. Mas que os pacotes, as fitas e laços, não sejam mais brilhantes que seu conteúdo. Na alma ou na matéria.

Feliz Natal para todos.

Thursday, December 16, 2010

SERÁ QUE É MULHER, OU O QUE SERÁ QUE ELA É?



"As duas faces de Eva, a Bela e a Fera, e nem só de cama vive a mulher" ("Cor de Rosa Choque", Rita Lee)

"Uma nuvem negra cobre a terra, todos já saber quem é que ela é /
É a Maria Padilha, Pomba Gira feiticeira, Rainha do Cabaré"
(Ponto Cantado de Maria Padilha)

Do mesmo modo que a figura do Exu é associada ao Diabo, por força do sincretismo com o catolicismo, a figura da Pomba Gira é quase que automaticamente associada à prostituição e à vulgaridade. São, no imaginário religioso e popular, as entidades encarregadas de enfeitiçar os homens, destruir casamentos, "roubar" maridos de outrem. Não é à toa que as "giras" ou sessões das Pomba Giras estão sempre lotadas com mulheres fazendo fila para se consultarem com tais objetivos.

Digo que estão também no imaginário religioso porque, em muitas casas espirituais, esse tipo de função é muitas vezes atribuído e executado por elas, deflagrando todo um ciclo de involução para o dirigente, para o médium e, principalmente para a entidade. Todo ser humano - seja ele encarnado ou desencarnado - que se presta a roubar aquilo que não lhe pertence para dar a outrem está migrando para um desequilíbrio energético e inevitável decadência.

Quanto ao sincretismo, há muitos que se coloquem contra. Eu me coloco totalmente a favor e explico o porque Teoricamente, o sincretismo dos santos católicos com os Orixás do Candomblé e sua consequente influência na constituição da Umbanda surgiu como uma saída para que os negros escravos cultuassem seus Orixás sem serem perturbados pelos brancos escravagistas. Porém, acompanhando a simbologia e a similaridade entre as "funções" exercidas pelos santos e pelos orixás, veremos que existe uma semelhança simbólica que ultrapassa tais limites ingênuos.

Tomemos como exemplo o santo padroeiro da Umbanda, que é Ogum, um guerreiro, soldado, que realizou-se na vida e realiza-se no espírito como um guerreiro. A ele, no sincretismo, é atribuída à figura de São Jorge, um soldado romano, que defende a Terra contra um dragão que simboliza o Mal. São Jorge e todos os outros santos católicos que foram soldados, que batalharam em guerras durante a vida terrena, como Santo Expedito, São Miguel Arcanjo, entre outros, além de serem amplamente cultuados na Umbanda, são cultuados de forma "ligada" ao orixá Ogum e assim reverenciados.

Estamos falando de Arquétipos. Estamos falando de energias poderosas, seculares que se propagam por gerações e gerações com diferentes nomes,formas e cores, mas com uma força, uma simbologia e uma função comuns, não só no "par" umbanda e catolicismo, mas em diversos cultos e religiões espalhadas pelo mundo.

E é por esse motivo que concordo e assumo o sincretismo como algo muito mais poderoso do que uma simples solução religiosa improvisada.

É o tempo de se por a questão: se o sincretismo está certo, então Exus e Pomba Giras são mesmo Diabos?

Sim e não. Sim, porque eles representam, em minha opinião, a mesma coisa, não só nas duas religiões, mas em diversas religiões do mundo. Toda e qualquer religião contém, em seu bojo, um lado oposto, um lado negativo, um lado mais denso, que não representa necessariamente o mal, mas o lado “negativo”. E justamente por se tratarem de forças mais primitivas, mais densas e terrenas, podem estar susceptíveis ou influenciadas a praticar o Mal, tal como nós, humanos encarnados.

Respondo não porque acho que existe um erro ao encararmos o Diabo ou Lúcifer como o representante do Mal. Na minha opinião ele representa, assim como o Exu, o lago negativo da força, em termos de polaridade. É ele o responsável, o representante dessa energia mais densa. E nesse "ambiente" mais denso, podem habitar pessoas que praticam ou praticaram o Mal e estão lá para executarem uma missão de resgate e evolução.

Dessa forma, para mim, Exu e Diabo são a mesma coisa simbolicamente e não representam o Mal. O Mal é uma terceira coisa que pode habitar a vivenda de Exu, mas não é ele em si. O Mal é fundamentalmente humano; é a condensação energética do descontentamento humano. Há quem diga que "o Mal é a ignorância".

No desenho "A Caverna do Dragão" aparecem inicialmente duas polaridades - o Mestre dos Magos e o Vingador - este último realmente representando o Lúcifer cristão. O Vingador aparenta ser o Mal, mas ele é, na verdade apenas o outro polo do mesmo poder, tanto que, tal como Lúcifer, ele era um dos maiores discípulos do Mestre dos Magos que se descontentou com sua posição e foi punido por isso. O Mal é, na verdade, o Tiamat, o dragão de sete cabeças, uma força destruidora tão poderosa que só pode ser vencida quando os dois pólos se unem. Dessa forma, se o Vingador representasse o Mal, porque haveria de lutar contra si próprio?

É como sempre digo: posso estar errado em meu raciocínio, mas ninguém de peso até agora apareceu pra me dizer o contrário.

E voltando especificamente à Pomba Gira, o que será que ela representa? Qual será a força arquetípica por ela sustentada? Uma vez li uma artigo num jornal sobre o Dia das Bruxas. Não lembro quem escreveu, mas lembro que foi muito antes de me tornar umbandista e isso já tem mais de quinze anos. Ele dizia que a bruxaria era uma forma de culto "pagão", ou seja, não cristão de cultuar a Deus. E, nesses cultos, não existia só Deus, mas o Deus e a Deusa.

Ou seja, havia o culto aos poderes ou energias masculinos e femininos ou, melhor dizendo, positivos e negativos. Mas a Inquisição tratou de banir o culto a outras divindades e "enfeiou" a bruxa, deixando-a nariguda, desvitalizada da beleza e exuberância femininas, associando bruxaria a algo feio, proibido, maléfico, como uma negação do poder feminino dentro de uma sociedade machista.

A Pomba Gira guarda, ao menos em parte, o símbolo dessa errônea atribuição. É o símbolo umbandista da bruxa degenerada e queimada nas fogueiras da Idade Média.

Do mesmo modo que a bruxa medieval, a Pomba Gira é a guardiã de um importante tesouro: a sensualidade. Perfume, cigarro, decotes, saias rodadas, pulseiras, brincos e colares, seios à mostra. Representações concretas da energia feminina, do amor, da paixão, da conquista, do desejo, banidos numa sociedade preconceituosa, conservadora, castradora e misógina.

Assim, reconciliar-se com ou vir a conhecer a "sua" Pomba Gira é aceitar integrar-se numa completude feminina. Não é só o instinto maternal e protetor, a sabedoria, a consiência, a conciliação e a fertilidade - atributos derivados dos arquétipos das grandes deusas-mães do panteão africano e também atribuíveis ou deriváveis de todas as deusas, santas e demais criaturas femininas de ceitas, religiōes e culturas.

Aceitar-se como fêmea, numa totalidade, é integrar em si mesma tanto os atributos divinos quanto os profanos, porque uma mulher só pode ser completa quando percorre, em sua trajetória vital, tantos os passos da deusa quanto os passos da mulher mundana, que não é vulgar, prostitutivo, mas é do mundo, das coisas da terra, do cotidiano.

É lógico que esse princípio de agregar-se a feminilidade pode ser de grande valia aos homens. Adicionar atributos femininos, não transforma homens em mulheres ou homossexuais. Podem sim enriquecer a alma e torná-la mais rica, mais sensível e mais próxima das coisas do espírito.

Mas esse texto é um papo de mulheres. Resolvi escrevê-lo porque fui "inundado" com uma energia muito boa, contagiante de uma mulher que gosto muito. Afeita às coisas do Candomblé, veio até mim hoje para tratar de assuntos de trabalho. Havia contado que faria, na semana anterior, umas obrigaçōes para seus Orixás. Na verdade havia feito "agrados" para Exu e Pomba Gira. No senso popular, os agrados consistem em "dar de comer" ao Orixá, inclusive Exus e Pomba Giras, como uma forma de agradar, aplacar-lhes a ira ou pedir favores. No meu modesto entendimento, consiste em ofertar elementos que simbolizam na Terra a sua energia, potencializando-a como elementos de magia que irão aumentar o nosso poder interno original derivado desse determinado Orixá, fortalecendo-nos.

Homossexual embrutecida pela vida, daquelas que levam os pejorativos de "mulher-macho" ou "caminhoneira", sempre se apresentou de forma masculinizada, virilizada, com muito pouco espaço para a feminilidade. Hoje me apareceu bonita. Pela primeira vez, nesses muitos anos que a conheço, que a vi feminina. Estava mais magra, mais esbelta, mais esguia. Tinha um brilho nos olhos diferente, como daquelas moças jovens, cheias de desejo e volúpia. Contou que "deu de comer" a Exu e à Pomba Gira, a qual nem sabia que existia consigo. Disse que era Maria Padilha e que ela a "pegou" no final da oferenda.

Ela disse que estava se sentindo estranha, esquisita, lábil, sensível. Chegou a dizer que não queria me encontrar hoje porque estava "estranha".

Acredito que esse "pegar" não foi só o pegar de uma incorporação, de um transe temporário; tampouco a vi como estando obsediada pela Pomba Gira, atribuindo-se seus gestos e comportamentos ao espírito de mulher que "tomou" seu corpo; trata-se do reencontro com uma essência perdida, sufocada pelo tempo. A sua essência de mulher, o princípio da sua feminilidade que fez tanta força para ocultar sob vestes e gestos masculinos.

Mas esse é apenas um exemplo e não é o mais comum deles. Diversas mulheres abandonam a essência de sua feminilidade de diversas formas. O excessivo "endeusamento" da mulher, aproximando-a dos atributos maternais, cuidadores, sapientes podem enfraquecer o lado "profano", "carnal", "libidinoso" tão necessário para uma vida plena.

Há um ditado que diz que "a mulher deve ser uma dama na sociedade e uma puta na cama". Acho que ele traduz, de uma forma extremamente concreta a fórmula da completude feminina. A "Dama" não traduz apenas os bons modos esperados para uma mulher no convívio social. É a representação simbólica da mulher-deusa, soberana. E a "puta" simboliza, mui resumidamente, a necessidade do aspecto profano, sensual.

Da mesma forma está representada esta dialética entre sagrado e profano em um conto das mil e uma noites. Ao ser obrigado a casar-se com a bruxa para salvar um grande amigo, o Rei se depara, em plena noite de núpcias, com a dúvida: escolherá que a esposa seja a bruxa durante o dia, perante seus súditos e, pela noite, a bela Rainha ou quererá o contrário? Pleno de sabedoria, deixa que a bruxa escolha, dizendo que "o que querem as mulheres é serem livres". E ela responde: "Como soube entender a alma da mulher, serei Rainha de dia e noite". Ou seja: no momento em que se permite que ela seja o que ela bem desejar, denotando a liberdade de ser inclusive a bruxa - ou mostrar o que há de profano, escondido, indesejado - ela é livre para ser completa, inteira, integrando todos os seus aspectos positivos e negativos.

E que venham Padilhas, Rainhas, Maria-Mulambos, Ciganas, Sete-Saias, Damas da Noite e todas, todas as Pomba Giras, mulheres de verdade tomarem parte, corpo e posse dessa dança na fogueira da sensualidade.

Thursday, December 09, 2010

FALANDO ERRADO....PODE-SE CHEGAR LONGE


Detesto ouvir gente falando errado. Dou um desconto para os “silvícolas ou privados de contato social adequado” e guardo apenas as pérolas para ofertar aos leitores do blog. Acontece que nós últimos dias tenho ouvido tantas atrocidades e assassinatos da norma culta (Norma Culta? Quem é essa mulher?), que fiquei com meu erradômetro entupido e resolvi despejá-lo bem aqui, no Cu do Tabu.

Tudo começou enquanto estava no Drive-Thru do Mac Donald’s pegando meu Big Mac e meu Mac Shake. A atendente colocou a carona pela janela e disse:

“Moço, não tem mais shake de chocolate, só de BAUMILHA”.

“Serve, serve”.

Tomei a BAUMILHA, que podia ser baunilha ou creme ou creme suíço e teriam todas o mesmo gosto: nada.

E daí houve uma reação em cascata. Não consegui mais parar de pensar em pessoas falando bobagens que passaram a invadir minha mente como uma alucinações auditivas. Lembrei que quando fui ao programa Guerrilha da TV Cultura, e a auxiliar de produção me chamou na recepção para gravar a “cabeça” do programa, aquele tipo de chamada que aparece antes do programa começar. E ela me disse, com bastante fé:

“Então, doutor, é bem facinho. O senhor fala assim: Oi, pessoal, eu sou o doutor Marcelo Niel e vou ESTAR PARTICIPANDO do programa Guerrilha e blá, blá, blá.”

E lá fui eu gravar a cabeça, mas acabei perdendo a cabeça. O raio do gerundismo não saía da minha cabeça e, cada vez que eu começava a falar, gerundismos guerreavam com Normas Cultas e cada frase que saía, saía incultamente mais bizarra: “Eu vou estar partici... Eu vou estar estando...ops... Eu vou estar ficando...”. Demorou um tempão para sair algo normal, simples e culto.

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Tenho uma conhecida que é muito “IN”. Vem de família muito simples, fez faculdade com muito esforço e conseguiu fazer mais três pós-graduações. Só esqueceu de aprender a falar português. Então, vez ou outra, se escutam saindo palavras suicidas da sua boca, como INGNORÂNCIA E INDENTIDADE.

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Já faz muito tempo, tive uma faxineira que costumava perder as coisas pela casa. Enfornava coisas nos lugares mais inusitados e demorava dias para que encontrássemos nosso perdidos. Mas o mais divertido era perguntar para ela. Com os dentes da frente ausentes, a negra gordona colocava as mãos na cintura, sacudia os ombros e respondia: “Não tenho a MELHOR LOÇÃO”.

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Pior de tudo são os renomados professores universitários pós-doutorados. Conheço um que apela ferozmente para o gerundismo. A primeira vez que ouvi tais fezes saindo da boca dele cheguei quase a acreditar que ele estava falando certo. “Eu vou estar ficando num hotel bem perto de você.”. Pow! Crush! Trusmp! Um soco. Vários socos. No estômago da última flor do Láscio.

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Na época da residência médica, uma cena inesquecível. Uma paciente sendo transportada de ambulância. A ambulância sai, em disparada e de repente para, no meio da ladeira do pronto socorro. A porta se abre e o auxiliar de enfermagem grita, fazendo gestos como que apertasse algo com as duas mãos: “O bambu, o bambu!”. E todo mundo olhava pra cara dele. O que houve com o bambu? Será que a paciente se feriu com o bambu? “O bambu, o bambu... Prá bambuzá!”. Não, não era o Caboclo Sete Flechas. Ele só estava pedindo o AMBU...

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Na época da faculdade, tinha um professor de patologia que soltava várias pérolas linguísticas. Mas a mais famosa e relembrada era quando ele disse “Eu examinei mais de vinte mil CÉLEBROS de pessoas que cometeram atos ILÍCINOS”. Graças a Deus, esqueci o nome dele. Mas sua célebre frase, não esqueci jamais.

E por aí vai. Tudo tem em sua memória, recordações desse tipo. Mas o que realmente me incomoda são as pessoas que concluíram cursos superiores, pós-graduações, são professores e continuam falando errado. Quando tenho oportunidade, corrijo. Tem gente que não gosta. Mas há aqueles que aceitam, agradecem e se corrigem. Eu mesmo já cometi meus erros e tive a oportunidade de ser corrigido. Pior que a ignorância, é a ignorância teimosa.

Mas no país de Lula, isso nem deve ser relevante. É o de MENAS. As pessoas estão MEIA doidas mesmo. Deixa pra lá.

Sunday, December 05, 2010

AS VOLTAS RAPIDINHAS QUE O MUNDO DÁ


O mundo anda tão complicado! Todo mundo com pressa, tudo tem que andar tão rápido...Onde é que isso vai parar? Não sei onde vai dar, só sei dizer que não pode parar...

Apenas nós podemos e devemos dar uma paradinha de vez em quando. E nem é preciso tirar férias. Porque muita gente tira férias, gasta uma grana e não aproveita nada. Estou acostumado a encontrar pessoas estressadas em lugares paradisíacos. Reclamam da comida, da demora nos restaurantes, maltratam pessoas à sua volta, exibindo o titulo honorífico de “Turista”.

E na verdade podemos parar em qualquer lugar, em qualquer momento. Uma noite dessas estava na Avenida Paulista. Um caos. Tudo parado. Gente buzinando. Quase uma hora para andar umas três quadras. Mas, no meio de um monte de prédios e construções, de repente vejo a lua cheia. E ela me fez parar. Parar de pensar. Parar de me preocupar com as coisas do cotidiano. Esquecer do trânsito. Fiquei lá, namorando a Lua por incontáveis minutos e pensando na beleza da vida. Nem sei quanto tempo fiquei lá, só sei que os carros à frente andaram e um monte de gente buzinou. Xingou. Mas nem me importei. Engatei primeira e saí andando devagar, como um avozinho numa brasília azul-calcinha.

E nesse final de semana aproveitei o resto da gripe para ficar super parado. Mal saí de casa. Cozinhei, assisti filmes, reli coisas que havia escrito, fiquei curtindo esse “nada” tão gostoso. Acho que essa gripe, apesar das inconveniências de ficar doente, me deu um presente. Na correria dos dias, fui “forçado” a me dar essa “paradinha” de presente.

É lógico que preferia estar parado em Paris ou New York, mas quando não fazemos, a vida faz por nós. E agora, insone, final de domingo, fico pensando nas maravilhosas paradas que tive nesses últimos tempos. Quando estou em New York, gosto de caminhar no Parque Fort Tryon, em Washington Heights, um bairro de Manhatan distante da região central.

O FortTryon é um parque montanhoso que fica às margens do Rio Hudson. E numa dia desses em que caminhava por ele, resolvi dar uma passada em seu ponto mais alto, de onde dá para ver todo o bairro e várias outras partes da cidade. Olhei tudo aquilo, toda aquela imensidão, aquelas bandeiras hasteadas e fui invadido por um sentimento de felicidade. Há anos que me sinto uma pessoa feliz, realizada, apesar dos problemas. Mas essa sensação de “invasão” da felicidade, de êxito, de êxtase, não ocorre todo o tempo. Mas isso estava acontecendo naquele exato instante.

Acredito que pode acontecer em momentos em que coisas importantes em nossas vidas estão acontecendo, em celebrações, em momentos de fortes emoções, mas muitas vezes o “barulho” do momento pode ofuscar essa sensação em nossa intimidade.

E é nesses momentos de silêncio, praticamente meditativo, que podemos encontrar a intensidade e a importância dessa felicidade. Seja olhando a lua, à beira do mar, aos pés de uma cachoeira, do alto da Torre Eiffel ou dentro de uma igreja, todos nós somos capazes de encontrar esse momento. Também não existe a exigência de ser em algum “lugar especial”. Pode acontecer em qualquer lugar. Porque o lugar realmente especial que essa coisa acontece é dentro do coração.

Thursday, December 02, 2010

A VERDADE QUE ESTÁ NOS OLHOS


As atribulações da vida nos roubam o tempo necessário para fazermos várias coisas que gostamos. Não tenho muito do que reclamar nesse quesito, porque apesar de trabalhar muito, consigo curtir a vida, me divertir, fazer muita coisa que gosto. Hoje, minha cunhada, ao ver meu livro, perguntou: “Como é que você ainda arranja tempo pra escrever livros?”. É realmente dessas coisas inexplicáveis. Nesses anos todos, trabalhando tanto, ainda consigo enfiar aqui e ali um monte de satisfações. Mas é verdade que temos que deixar várias coisas de lado, simplesmente porque não sobra tempo.

O hábito de assistir filmes, por exemplo. Não sou um tipo fanático por ir ao cinema e me dou o direito de faze-lo somente quando tenho quase que absoluta certeza que vai valer à pena. Filmes com grandes efeitos especiais ou com incontestável sucesso de crítica têm a preferência. No mais, não me atrevo a descarrilar até um cinema. Mas gosto muito de assistir filmes em casa. Tenho a coleção completa dos filmes da Juliette Binoche. Guardo comigo alguns filmes que são clássicos para mim e vez ou outra compro, alugo ou empresto filmes de meu interesse. Mas já fazia muito tempo que não assistia a filmes em casa e em lugar algum.

Mas hoje a gripe forte e o mal estar físico me propiciaram a oportunidade de atualizar – ao menos em parte – a minha cinefilia. Comecei atualizando os episódios de Dexter que eu adoro tanto e parti para os filmes propriamente ditos. Não sei se é porque fico muito carente quando fico doentinho, ou se é porque sou assim mesmo, emotivo e chorão, mas me estranhei chorando em algumas cenas bestas de Dexter.

Depois foi a vez do besteirol. Assisti Eating Out 3, um pastelão gay americano que se superou frente às duas versões anteriores, sendo o pior de todos. Emotivo que estava, decidi assistir “O segredo dos teus olhos”, um belíssimo e poético filme argentino. Não chorei o quanto pensei que iria, mas fiquei tocado pelo filme. Fiquei pensando no que escondem nossos olhos, ou melhor, que os olhos não escondem nada. Nós podemos fingir, mentir, dissimular, atenuar, apaziguar mas os olhos, que são os verdadeiros espelhos da alma, não escondem nada.

E foi isso, do desenrolar do filme, que mais me tocou. A linguagem dos nossos olhos. Como disse um dos personagens do filme, Pablo Sandoval, “o homem pode mudar de endereço, de trabalho, de roupa, mas suas paixões nunca mudam”. Não apenas as paixões carnais ou por algum objeto específico, mas a paixão primeva que move nossa essência, que mantém acesa a chama da vida.

E voltando para Dexter, parei para pensar na passagem do tempo. Na quinta temporada da série, o vilão Jordan Chase fala “Tic-tic-tic. That’s the sound of your life running out”. É isso. Perdemos tempo na vida. Com coisas bestas. Com brigas, desentendimentos e fofocas. E quando vemos, a vida passou, acabou, o tempo se esgotou. E é disso também que fala o filme. A vida está passando. A verdade está estampada nos olhos. Mas as pessoas perdem tempo e vida se ocupando de coisas menos importantes e não dizem o que está evidente nos olhos. Não dizem que amam, não se deixam ser levados pelas asas do amor, da paixão.

E quando me lembro do quanto a verdade está nos olhos, paro para pensar em quantas coisas deixei escapar porque não acreditei no que meus olhos viam e no que os olhos de outrem diziam. É nos olhos que estão as percepções essenciais da vida e, toda vez que desprezei essa intuição, me arrependi. Não estou lamentando. Estou apenas celebrando e ressaltando o valor do olhar. Não existem segredos nos olhos. Existe apenas a verdade que muitas vezes nos recusamos a enxergar.