Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Sunday, January 30, 2011

FALTAM APENAS TRÊS CORAÇÕES PARA CHEGAR EM SÃO TOMÉ DAS LETRAS

Dizem que praga de mãe pega. E acho que pega mesmo. Na primeira viagem de férias sozinho em minha vida, no primeiro ano de faculdade, minha mãe abriu o maior barraco. Férias de verão. Eu e minha amiga tínhamos combinado de ir para o litoral de Santa Catarina para acampar. Só consegui dinheiro para ir porque vendi uma coleção “Os Pensadores” que ganhei de meu avô, porque se fosse pelo desejo dos meus pais, ficaria em casa.

Na véspera da viagem, descobrimos que estava chovendo desmedidamente em Santa Catarina e resolvemos mudar de rumo, coisa que só avisei para minha mãe quando já estava na estrada, para não correr o risco de ganhar um novo veto. Lembro que chegamos até a descer na rodoviária do Tietê, levados por ela e, assim que chegamos, fomos para o Terminal Bresser, de onde saíam ônibus para Minas Gerais.

São Tomé das Letras, lá fomos nós. Rústica que só, havia apenas uma linha de ônibus de Três Corações até lá, duas vezes por dia. Ao chegarmos na rodoviária, o último ônibus tinha acabado de sair.

Minha amiga, viajante experiente, disse que seria fácil arrumar carona. Passamos duas horas na saída da cidade, esperando em vão um transporte. Desistimos. Fomos a uma avícola perguntar de alguém que pudesse nos hospedar. Segundo ela, lá em Minas era bem comum as pessoas hospedarem em suas próprias casas.

E lá avistamos o dono da avícola. Jorge, um sujeito simpático de seus vinte e poucos anos. Disse que poderíamos passar a noite na casa dele, fazer um jantar, tomar um banho. Chegando na casa, ele explicou que sua mãe estava internada num hospital, por problemas no coração. Fomos tomando conta da cozinha, fazendo o jantar enquanto tomávamos vinho “San Tomé”. Passado algum tempo, chegou o irmão dele, Carlos, já bêbado. Ficamos lá conversando e, o bebúncio foi logo irritando muito. Na hora de servir o jantar, um minuto de silêncio. Jorge ficou olhando para o prato, com uma feição grave, sem se servir. Minha amiga perguntou:

“O que foi? Não vai comer?”

“É que é a primeira vez que como sem minha mãe estar na mesa e ela sempre fez o meu prato. Não sei o que fazer.”

“Você quer que eu faça seu prato?”

“Se você puder, eu agradeço.”

Coisa esquisita. Faltou uma música daquelas de filmes sinistros. Enquanto jantávamos, Carlos não parava de falar. Prolixo, repetitivo, desagradável. Num dado momento, falando e cuspindo, ele pergunta:

“O que você faria se teu próprio irmão te desse uma facada?”

“Nada, porque você estaria morto”, respondi ingenuamente.

E Jorge, mais grave que no momento do prato, olhou para nós de rabo de olho e respondeu:

“Mas ele não morreu. Eu dei uma facada no Carlos e ele não morreu”.

E a dissociação nos fez pedir pausa para os comerciais. Começamos a lavar a louça, falar de coisas engraçadas, mas o clima tenso já imperava. E logo depois chega André, o terceiro irmão. Mais simpático e menos sinistro, tinha chegado à cidade com uns amigos do exército para prestarem um concurso público.

Mas toda essa simpatia se esvaiu quando Jorge contou a eles que a sobrinha, filha da falecida irmã (assassinada?), tinha fugido com um rapaz da cidade. Então saem todos com a missão de dar uma surra no rapaz e trazer a sobrinha de volta. Saem com pressa, nos deixam trancados na casa e nunca que voltavam. Desistimos de esperar e fomos dormir. Passadas algumas horas, retornam, bêbados, os irmãos e os amigos. Jogam cartas, dão risadas e, num lance infeliz do jogo, começam a brigar. Rapidamente a discussão vira porrada. Os amigos saem da casa, sobrando apenas os irmãos. Eles começam a se bater, socando cabeças na parede, quebrando vasos, estantes, pratos, copos, cadeiras. Gritavam por “sangue” e nosso medo foi crescendo.

Trancados no quarto, começamos a imaginar o crime que ocorreria naquela casa e pensamos que seríamos eliminados após a chacina. Começamos a rezar, rezar e rezar e nada parava aquela pancadaria. Decidimos levantar acampamento. Colocamos as mochilas nas costas e nos preparamos para sair de lá. Abrimos a porta do quarto e lá estavam os três, empilhados, se esfregando em poças de sangue. Saímos correndo e eles nem notaram. Ao sairmos na rua, fomos surpreendidos por uma gangue de vira-latas que começaram a latir para nós. De repente, um deles, com ares de chefe de bando, se aproximou, cheirou nossas roupas e os latidos silenciaram. Descemos a longa rua que dava na rodoviária, acompanhada por essa matilha protetora.

Chegando na rodoviária. Nos demos conta do frio. Estávamos em plena madrugada, numa região serrana, com roupas de verão. Passamos a noite ao relento, dormindo no chão da rodoviária, esperando o ônibus chegar.

Não soubemos de algum crime nas páginas policiais dos jornais. Nem os malucos vieram nos perseguir por termos sido testemunhas de algum crime. Dizem que a fortíssima energia espiritual de São Tomé das Letras faz com que coisas estranhas aconteçam. De fato, mesmo tendo sido uma maravilhosa viagem, tivemos outros vários eventos estranhos. Espiritual ou não, agradeço ter sobrevivido a esse e outros tantos eventos e aprendi que, apesar das pragas, minha mãe tinha razão em não aceitarmos convites de estranhos.

Thursday, January 27, 2011

I LOVE YOU, PHILIP MORRIS.


Todo mundo sabe que já foi chique fumar um dia. As pessoas fumavam no cinema, nos aeroportos, nos hospitais, nos restaurantes. Fazer argolas de cigarro com a boca e atirá-las no céu era um luxo.


Todo mundo fumava. Hoje não é mais e fumar acabou virando sinônimo de desrespeito, de auto-agressão, de falta de saúde, de coisa fedida. É um demérito. Com o tsunami de intolerância que assola a humanidade nos últimos tempos, falta muito pouco para transformarem em crime ser pego fumando.

Quando era criança, adorava os cigarrinhos de chocolate de Pan, que tinha o negrinho na caixa, exibindo orgulhoso seu cigarrinho. E é lógico que eu adorava me exibir com o cigarrinho na boca, mesmo que não durasse pouco, porque preferia mil vezes comer o chocolate do que ficar fumando papel alumínio.

Não estou negando as mazelas do cigarro. Eu sei que o Mr. Marlboro morreu de câncer de pulmão e que faz mal pra um monte de gente. Mas eu ainda acho bonito ver uma pessoa fumando um cigarro, saboreando, curtindo aquele momento, soltando a fumaça do cigarro como se fossem pensamentos-nuvens.

Eu também não gosto do cheiro de cigarro na roupa, no ambiente, nos cinzeiros, nas mãos. Mas sinto falta de poder acender um Marlboro vermelho na mesa de um restaurante no final do jantar.

Mas a recente e cada vez mais crescente interdição de fumar em qualquer lugar para onde se vá causa transtornos na vida de muitas pessoas.

Tenho uma amiga que fuma há vinte anos escondida de todos os seus namorados. E por que ela não namora um fumante? Acha ruim aquele gosto de cigarro no beijo. Diz que é até uma forma de preservar sua saúde, porque o fato deles não saberem faz com que fume menos. E foi desenvolvendo, ao cabo desses vinte anos, um montão de técnicas anti-cheiro. Ela diz que procura fumar sempre que está sozinha e, se tem um compromisso, fuma pelada e com o cabelo preso para não pegar cheiro e ainda lava a cabeça antes de sair para garantir. Bochecho e chiclete nem se fala.

Contou que, certa vez, o namorado chegou de surpresa. Saiu correndo, apagou o cigarro, colocou o cinzeiro na lavanderia, mas esqueceu da cinza fumaça que pairava no ar. Desse não teve escapatória e disse que havia parado de fumar e teve uma “recaída”.

Minha mãe tinha uma amiga que, socialmente, odiava cigarro. Criticava as pessoas, arrancava cigarros da mão dos outros, assoprava fósforos e isqueiros. Ela era espírita e um dia incorporou um Preto Velho para dar um passe na minha irmã. Fiquei morrendo de medo, mas tive quase certeza de ver uma fumaça rondando o ar, saindo da boca dele, como se fosse um cachimbo. Quando contei isso a ela, ela respondeu: “Imagina, Marcelo, o pai-não-sei-das-quantas é um espírito evoluído e espíritos não fumam. Ela não sabia nada de Umbanda. Pode ser que o Preto Velho dela tenha tido enfisema espiritual e tivesse abandonado os velhos hábitos. Mas que eu vi, eu vi.

E ela metia o pau no cigarro. Até do Preto Velho. “Mâs” (como dizem os gaúchos), numa certa época, começamos a perceber que, todos os dias após o almoço, ela ia no banheiro e ficava quase uma hora sentada no trono. Haja intestino preso. Que nada. Ela ficava é fumando escondida, como se fosse possível esconder aquele cheiro e aquela fumaça toda. Um dia perguntei pra ela porque ela fumava escondido. Ela ficou vermelha feito o saco do Papai Noel e negou veementemente. Disse que aquela fumaça era do fósforo que acendia para espantar o cheiro ruim do banheiro.

Comecei a fumar com quatorze anos. Foi minha prima quem me iniciou. E por muitos anos fumei escondido da minha mãe, mas fumava na frente de todas as minhas tias. Adorava quando ia na casa de uma delas, que era fumante e ficávamos eu, minha prima e a mãe dela, fumando, tomando café e conversando papos avançados. E nem faz tanto tempo assim que “saí do armário tabagista” para minha mãe. É claro que não contei a ela, no velho estilo de “confissão”. Simplesmente acendi um cigarro na frente dela e continuei fumando.

Mais engraçado foi quando eu e minha irmã descobrimos, “apresentados” por uma outra prima, que fumávamos escondidos. E muito mais engraçado ainda foi quando eu, minha irmã e meu irmão fomos “apresentados” pelo meu cunhado: “Vocês querem acabar com essa palhaçada e acenderem seus cigarros?”

Tenho um amigo que foi fumante inveterado e decidiu parar quando seu filho nasceu. Ficou um tempão sem fumar, mas pouco a pouco, foi pegando um cigarro aqui e ali e quando viu, já estava fumando de novo. Tinha vergonha de assumir para a esposa e para os amigos que tinha recaído. Fumava escondido, na varanda de sua casa quando a mulher não estava e às vezes saía para comprar pão, só para poder fumar. A mulher estranhava o tanto de pão naquela casa. Certo dia, disse pra ele que a sua mão estava cheirando cigarro. Rapidamente ele iniciou catou um creme da Victoria’s Secret e começou a fazer uma massagem erótica nela, para distraí-la e justificar o creme perfumado nas mãos. Ela adorou. E ele, por via das dúvidas, deu uma lambida no creme para tirar o bafo.

Tenho uma amiga que fumou por vários anos e parou por medo das doenças. Mas disse uma coisa que adorei: “Mas quando eu tiver lá pelos setenta anos e ver que eu não tive câncer, eu vou voltar a fumar. E vai ser Marlboro vermelho.”

É claro que a nicotina é tirana e pode até implantar essas idéias de recaídas e justificativas na cabeça da gente. E eu decidi falar sobre o Marlboro vermelho por ter ouvido essas estórias recentemente e lembrado de outras, mas também porque o Marlboro tem me castigado um pouco ultimamente. Tem me feito tossir tosses de cachorro, deixado pigarros, dispnéias. Tem me feito pensar nele mais do que o tempo necessário e me feito colecionar isqueiros. Já estamos fazemos bodas de prata, se não descontarmos as idas e vindas, os recomeços, as tentativas de conciliação. E, como toda relação, é sempre difícil deixar partir.

Estou aqui me despedindo dele. Fim de linha. Acabou. Quando eu morrer, não quero que enterrem meu coração na curva do rio, como pediu o Chefe Touro Sentado. Quero ter um velório chique, portentoso. Quero ir para o céu de smoking. E, já que pedi para trabalhar na encruzilhada ao invés de ir parar no Nosso Lar, quando eu estiver deitado, coloquem um Marlboro Vermelho box na minha lapela, deixe um cigarro espetado na minha boca e acenda na hora que o elevador me descer ao crematório.

Tuesday, January 25, 2011

O REIKI DA CACHORRA LOUCA


"Troque seu cachorro por uma criança pobre... Deixe na história de sua vida uma notícia nobre" ("Roque da cachorra", Eduardo Dusek)

Belo Horizonte. Final de semana com amigos, boa comida, bom vinho, bons passeios, lançamento de livro e muita fofoca. Adoro contar e ouvir histórias de todo o tipo que alegram esses encontros e alimentam meu banco de dados. Relembrando estórias, revisitando momentos do passado e desenterrando defuntos de todo o tipo, vamos pouco a pouco remontando o quebra-cabeças de "causos" memoráveis.

Foi assim que nos lembramos de Pipinha, uma moça que trabalhou com a gente num determinado lugar, fazendo um certos trabalho. Gargalhadas. Ela era psicóloga e tinha aquela intragável mania de chamar todo mundo de "querido". Todo mundo era querido dela. Inclusive as pessoas de quem ela falava mal. Até porque ela falava mal de todo mundo.

Teve uma época que a Pipinha resolveu namorar um médico que trabalhava conosco. Eu sempre achei que ela sofria daquela doença grave, chamada A.S.M.A. E quando vi os dois juntos, confirmei minhas certezas. Não, não é aquela doença que dá falta de ar. Essa é outra. É uma síndrome desesperadora: "Agarre Seu Médico Agora". O engraçado desse namoro, que obviamente durou pouco, era a nítida incompatibilidade. Pipinha era metida a perua, e digo metida porque ela não era uma perua de verdade. Era um protótipo mal resolvido de perua. E Pipinho, seu namorado, era o oposto disso: um tipo simples, extremamente básico e nem um pouco ligado em consumos fashionistas. Por um certo tempo de paz relacional, creio que ele tenha feito algumas concessōes e ganhou sapatos novos, calças de sarja cáqui e camisas polo. Não durou muito e Pipinho logo voltou ao seu free style habitual. Segundo consta (ou terceito consta?), Pipinho foi prêmio de consolação, porque a ASMA delaera bem mais grave: ela queria mesmo um "homem-chefe".

Mas a coisa mais engraçada de Pipinha era uma estória que eu só vim a conhecer nesse mineiro final de semana. Segundo consta, Pipinha se aproximou de minha amiga, que escorregou no truque da simpatia forçada de Pipinha. Um belo dia ela se convidou para ir à casa de campo da minha amiga que até acho seria legal.

Foi um fiasco. Pipinha criticavag tudo: a desarrumação da casa, as lâmpadas queimadas, a falta de faxina, a lareira sem lenha. Foram caminhar pela cidade e, esbaforida, disse que achava brega esse negócio de caminhada, porque deixava as pessoas suadas e fedidas. Era por isso que ela frequentava a Competition, porque lá tinha ar condicionado e blá, blá, blá.

Chegando em casa, nova estupidez de Pipinha. Disse à minha que ela precisava se cuidar mais, aplicar Botor, colocsr fios de ouro porwu, segundo ela, detestava gente velha corpo de moça. Chuuuuuuuuupa Pipinha! Anos depois minha amiga deixa para ela, pelo meu blog, a resposta para essa imbecilidade: "é melhor que ser inteira feia, porque daí nao em jeito".

Com tanta indelicadeza, as duas começaram a se estranhar. E minha amiga começou a se ocupar de outras coisas, passou a caminhar sozinja enquanto Pipinha dormia. E Pipinha, que também estava se sentindo um tanto descondortável, afeiçoou-se à cachorra da minha amiga. Chiqueta era uma pastora alemã de quase vinte anos, que ficava lá, largada num canto, esperando a morte chegar. Comia pouco, andava com dificuldade, quase não latia e já não escutava mais.

E Pipinha cismou que ela estava doente e decidiu aplicar sessões de reiki na Chiqueta. Todos os dias que restaram do feriado, Pipinha se dedicou a curar Chiqueta. Aplicava várias sessões em diferentes posiçōes e chegou a ficar de quatro no chão uivando para chiqueta, entoando mantas caninos. Ligou atè para sua mestra de reiki para pedir uma "segunda opinião". A mestra não atendeu; sua filha disse que ela estava na Daslu comprando um tapete de yoga da Louis Vuitton.

Minha amiga adorou a dedicação de Pipinha. Foi a forma mais tranquila de se livrar da convivência com Pipinha até que o feriado acabasse. Elas nem comiam mais juntas. Ela só se me meteu nas sessōes de curs quando Pipinha resolveu dar um banho ritual na cachorra moribunda e disse que ia marcar mais algumas sessōes aos finais de semana para tirar a cachorra daquela agonia.

- Pipinha, agora já deu! Deixe a Chiqueta morrer em paz!

- Nossa, como você é insensível!

Minha amiga deu de ombros e virou as costas. Terminado o feriado, voltatam mudas. E nunca mais tiveram encontros amigáveis. E assim caminhava Pipinha, na contra-corrente da humanidade, invadindo privacidades, borrifando ácido por onde passava. E foi ficando sozinha, porque ninguém mais aguentava ela. E finalmente Pipinha largou o trabalho. Nunca mais a encontrei, nem ouvi falar dela. Essa é uma daquelas defuntas bem defuntadas, que morrem ou desaparecem e nem deixam saudades.

Só digo uma coisa: chuuuuuuuuuuuupaaaaaaaaaa Pipinha!!!

Monday, January 24, 2011

SAGAS E PARÓDIAS DE UM TUPINIQUIM EM DIAS CHUVOSOS.

"Duas células meteorológicas bastante grandes invadem o céu de São Paulo", disse o comandante. O que é isso? Invasão de discos voadores? Nuvens de xixi das estrelas? Poeira cósmica? Vazamento da camada de ozônio?

"Aproveitem a companhia da Estela, da Monique e da Jaqueline, nossa equipe que está aqui para entreter vocês. Um graaaaaaaande abraço!", disse o comandante. Entrei na porta errada? Pensava estar num avião, não em um show de variedades. Se fosse entretenimento de verdade, estaria faltando a champagne e as amêndoas defumadas. E cá estou eu, saboreando Pepsi (eca) zero, bolachinha salgada e um micro-torrone.

Depois dessa, só falta descer em Viracopos e ir de ônibus para Congonhas. E se a Marginal estiver alagada? Voltamos pra Campinas e dormimos num Ibis. Claro, já serão duas da manhã e teremos que sair às cinco horas para São Paulo. E quem vai pagar a conta do meu estacionamento? E o inconveniente de chegar atrasado no plantão?

O avião está balançando. Devem ser as células meteorológicas nos atacando. Deve ter sido por isso que achei um terço de madeira no chão do Inhotim. Pra me proteger desses ataques. Perdão Deus. Passamos o final de semana inteiro fazendo fofocas e tirando sarros de pessoas cretinas. Perdoa, Deus. Mas Deus, diga aí: tenho culpa delas serem cretinas? O avião balança mais um pouco. Tá bom, Deus, perdoa, entendi o recado.

E as moças, que não estão nos entretendo? É a Gol, a frota mais jovem no Brasil, que usa uniformes descolados do Alexandre Scopolovithch, já não basta? "Que falta de humildade, Marcelo!", grita Deus comigo. E o avião continua balançando. Deus foi dormir e ainda não pousei em lugar nenhum. O comandante fala que vamos pra Viracopos. Meia hora de vai-e-vem, nada de pousar. Agora ele diz que vamos pra Cumbica. Quase duas horas de vôo. Chegamos. O avião não explodiu, as células meteorológicas não nos acertaram dessa vez. Ainda bem que não liguei o celular escondido, como no vôo de onze de setembro" para me despedir dos que tanto amo.

Agora espero as malas. A esteira roda, roda, roda e não avisa. Nada chega nela. Meia hora e nada. Será que nossas malas foram roubadas? Daí ferrou. Meus souvenirs, minhas fotos, meus livros, meus óculos. E a Gol não liga a mínima para os meus pertences extraviados. Na esteira só passa uma caixa de plástico azul. Contei. Ela já passou dezesseis vezes. Mais um trote da vida. Agora não é castigo de Deus, porque ele já foi dormir. Agora um mocinho da Gol anuncia que a bagagem vai chegar em instantes. Mas os instantes podem ser infinitos. A vida é toda feita de instantes. Quanto mede um instante? Pode ser um milésimo de segundo; pode ser uma eternidade.

Começam a chegar malas coloridas. A primeira é cor de rosa. A segunda é azul calcinha. Será que segregaram as malas pretas? Polícia Federal. Law&Order. Special Victims Unit. Somos vítimas de São Pedro e da Gol. Ah! E das células meteorológicas. Elas que começaram tudo isso.

Um complô de malas rosa-choque invade a passarela. Não, Marcelo, você está no aeroporto. Não é o Baile de Peruas do No Porn. Ufa! Chegou a mala. Intacta, protegida pelas fitinhas do Senhor do Bonfim. Deus castiga e vai dormir, mas deixa seus emissários para assoprar as feridas.

Mas ainda não acabou o tormento: agora é hora de esperar o ônibus em pé. Excursões desoladas e exaustas. Crianças chorando. Casais brigando. "A culpa é sua!", diz o machão; "Vá se catar!", diz a esposa. Não é culpa dela. Foram as células. Pior: não tem táxi. Nenhum. Foram todos abduzidos.

Em pé. Dor nas costas. Barulho. Pelo menos o ventinho tá gelado. Reza braba pra fazer um táxi aparecer e oferecer transporte. No turbilhão da massa de desejos insatisfeitos, difícil alguém escutar. Os emissários devem estar em mutirão salvando flagelados. As células meteorológicas venceram. Destruíram a cidade.

Uma mistura de pesadelo em Elm Street, Bebê de Rosemary, Hannibal e Amélie Poulain. Nenhum super-herói pra me salvar dessa bagunça. Preciso me esconder das células. Já sei. Um disfarce. Tiririca. Bullshit. Já estou fazendo papel de palhaço há horas.

Lentamente me aproximo do Oásis em plena Cumbica: o busão da Breda Turismo. Daqueles que fazem Mauá-Ribeirão Pires. "Humildade, Doutor Fofinho!", grito comigo mesmo do meu lado bom samaritano. "Caralho", grita o outro lado, esse com o qual estou mais habituado.

Parece que agora tem um busão pra mim. O frio me faz lembrar a noite fria de julho dormindo no chão da rodoviária de Três Corações, esperando o busão para São Tomé das Letras. Também me faz lembrar de um velório do Cemitério da Quarta Parada de um garoto assassinado no passado de pobreza. "Credo, Marcelo, quanta lamúria!", não sei quem disse isso, simplesmente não dou ouvidos. Prefiro ouvir o eco de Adélia me dizendo que tenho o direito de "gemer sem culpa".

Agora já estou montado no busão. Estofado azul com cheiro de camas de motel barato. Poltronas apertadas, ainda não sei quem é o boçal que sentará ao meu lado. Tomara que seja mais magro que eu e que tenha colocado um desodorante Axe 24/7.

Fuck. Algum retardado entregou a bagagem e não embarcou no busão. Será um terrorista do Talibã? Será um infiltrado das células? E as pessoas não param de falar. E estou com vontade de comer macarrão.

Todos estão surdos! Ninguém escutou a minha prece. O cara é do meu tamanho. Ao menos não é maior que eu. E nem está usando Avanço, nem está fedendo. Ora pro nobis. Rogai por nós. Aprendi hoje o significado e o gosto. Porque "Ora pro nobis" é uma prece e uma verdura pra se comer ralada, crua, ou cozida com rabada ou junto com o arroz e feijão.

Suspense? Estará a Marginal alagada? Terá o motorista que desviar pelos mal fadados buracos da província de Guarulhos? Passará o busão pelo Bairro dos Pimentas? No rabo dos outros é refresco.

Agora estou apenas cansado. Parece que foi apenas um ataque pontual das células. Sabemos que elas voltarão, mas por hora está tudo em paz. Resta apenas o gemido dos flagelados, uma dorzinha nos pés e uma fome insana.

Agora tocam os celulares dos "manos". Músicas de baladas, pi-pi-pis insistentes, Erasure, Abba e Pica-Pau anunciam que tem gente preocupada em casa, talvez com uma vela acesa da pedra do filtro de barro ou com a bíblia esticada no Salmo 91. Deve ter alguém rezando por mim além de mim mesmo.

Carros quebrados, Monzas pretos tocando pagodes melancólicos. A cidade suja e triste ensaia uma soneca. E eu com fome de pizza. Lembrei da Moussaká, da Rabada com Ora pro nobis, dos pães de queijo, da mousse de chocolate branco com sorbet de limão siciliano. A Marginal está alagada. E estou passeando pela Zona Leste. Lembrei da exposição do Miguel Rio Branco no Inhotim. A exposição da pobreza do Pelourinho materializada nas avenidas sujas de São Paulo. Que merda de cidade complicada. Quase duas horas de viagem até Congonhas, que podia ser do Campo, mas era da lama.

Consumido de fome, starving, como dizem os gringos, um cachorro quente na rua do aeroporto haveria de me salvar. Haveria, se o cachorroquentista não tivesse que fazer uma encomenda de seis antes do meu. Mas chegou. Finalmente. Apoio a lata de soda limonada sobre a mala e ela escorrega para dentro do guarda-alças, lavando minhas coisas todas. Ainda bem que não era cáustica. Águas de Yemanjá com um beijo doce da Oxum para desinfetar desses maus olhados todos.

Que coisa foi essa, uma sequência de atrasos, esperas, retardos, adiamentos, aditamentos. Toda uma subversão da ordem normal das coisas. Chego em casa e a exaustão desaparece. Chega a insônia dizendo que ainda devo esperar mais um pouco. Agora não é hora de dormir. É hora de acordar.

Saturday, January 15, 2011

Ballad of the Big Machine (By Emilie Simon)

aby I'm tired, I'm tired of you
You never go where I want you to
Just like smke just like wind
You escape to the big machine

I don't like what I see
Why don't you want to dance with me
At the end of the day
I will catch you anyway

In this world nothing's real
All you see just happens in your head
Just like a dream
A very long night
Don't get me wrong
This time I'm here for you

For you

Baby please let me in
I can swear my hands are clean
You can fight but you can't win
Cause you belong to the big machine

In this world nothing's real
All you see just happens in your head
Just like a dream
A very long night
Don't get me wrong
This time I'm here for you

For you

Oh je sens toute ta peine
Tu n'en vois pas le bout
Laisse-moi prendre ta place
Ou j'en deviendrai fou

Baby please let me in
I can swear my hands are clean

Monday, January 10, 2011

A MAÇÃ DO AMOR E DO PECADO


A maçã tem sido, por séculos e séculos, o símbolo do amor, do prazer e do pecado original. Adão e Eva foram, aparentemente, os primeiros a morder a maçã do pecado, o que lhes custou a expulsão do Paraíso. Para além dos ditames bíblicos, tem gente que afirma que o verdadeiro sentido da maçã não era realmente o sexo, mas a curiosidade ou até mesmo a consciência. A Branca de Neve mordeu a maçã envenenada pela bruxa. A curiosidade, representada pela forma voluptuosa e pelo brilho radiante do fruto, levaram a donzela a adormecer até que o príncipe chegasse.

As maçãs do amor têm encantado até hoje pessoas de todas as idades nos parques de diversões e feiras populares e podem ainda representar uma linda declaração de amor para diversos casais enamorados.

New York, mais precisamente sua porção insular, leva o codinome e é simbolizada pela "Big Apple". Não há dúvida do encanto que a cidade exerce sobre milhares e milhares de turistas e acho que ela só não recebe mais turistas que Paris por causa da dificuldade em conseguir visto para se entrar nos Estados Unidos.

A Macintosh, hoje facilmente reconhecida pelo nome Apple, adotou sabiamente esse símbolo para sua logomarca e hoje representa o grande sonho de consumo tecnológico ao redor do mundo. Vemos equipamentos da Apple em filmes, seriados, programas de TV. Pelas ruas de todos os lugares, vemos pessoas usando ipods, ipads, iphones, ibooks, imacs e tanta coisa mais. A letra "i", que é também a palavra "eu" em inglês, se deflagrou numa infinidade de aparelhos e acessórios para a marca, chegando a significar um "eu posso" tão poderoso em torno dos produtos da maçã. A cada lançamento de um novo produto, filas enormes nas lojas da marca, que se tornaram verdadeiros templos de devoção, desejo e prazer.

Andando de metrô nesses dias em New York, pude visualizar a infinidade de pessoas portando seus aparelhos nas ruas, nos metrôs. Hoje, ao embarcar de volta para o Brasil, notei que um restaurante colocou ipads em cada mesa da sala de embarque com o menu do restaurante, internet, programas de TV e jogos de entretenimento.

A marca da maçã é o fruto desejado e acessível para diversas pessoas, de todas as idades, raças e credos. Mas, se de um lado a maçã é um símbolo desejado por todos, o que poderia e num certo ângulo configura uma unidade, uma linguagem comum, ela também é o fruto que leva ao aprisionamento num paraíso solitário. E agora não falo só dos produtos da Apple especificamente; falo de todas as "maçãs" tecnológicas que proporcionam prazer solitário, masturbatório, isolacionista.

Fiquei notando as pessoas no metrô. É raro surpreender alguém lendo um livro ou conversando com estranhos. Cada um tem sua própria maçã, seu microcosmo, seu universo particular, com fotos, livros, jogos e músicas. Praticamente não se consegue mais espiar que livro ou revista a pessoa ao lado está lendo; está tudo confinado num ensimesmamento urbano de seus apples, robots, androids, blackberries.

É claro que há diversas vantagens. Isolar-se do barulho alheio; deixar de escutar pseudo-mariachis mexicanos cantando "Feliz Navidad" ou as pregaçōes de crentes inveterados, louvado seu deus vivíssimo; o tempo passa mais rápido, tornando as viagens mais curtas e os vagōes cheios menos desagradáveis; dá até pra ler, estudar, adiantar trabalhos. As maçãs do amor da tecnologia não promovem somente isolamento: é possível falar em tempo real com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. Comunicadores escritos, sonoros ou com imagens ao vivo; fiquei imaginando e muitas vezes usufruo, como deve ser maravilhoso para um imigrante poder ver pessoas queridas a qualquer hora, matar saudades virtuais, ver sobrinhos e afilhados crescer.

Lembro de uma vez, quando estava viajando e minha irmã mandou um email contendo um vídeo do meu sobrinho dançando ao som de um carrinho sonoro e balbuciando suas primeiras palavras. Há muito pouco tempo isso ainda não era possível. Quando estava no colegial, trocava cartas com um amigo que vivia no Japão. Cada carta demorava quase 20 dias para chegar de um lugar a outro e lembro de ter sempre pressa em escrever de volta para garantir a comunicação.

Hoje ainda podemos trocar cartas. Conheço quem o faça com propósitos românticos e deve ter um monte de gente que não tem acesso a essa tecnologia toda, precisando dos famosos "escritores" e "leitores" profissionais de cartas. Conheço uma mulher que morou em vários lugares muito rústicos e fazia isso gratuitamente para as pessoas dos lugares por onde passava.

Mas ainda acho que as maçãs nos encerram em claustros e labirintos solitários. Não conversamos mais com o vizinho sentado ao nosso lado; trocamos menos experiências com os passantes nas ruas; nem precisamos pedir mais informaçōes. Dr. Google, GPS de todos os tipos fazem isso por nós com mínimo esforço.

Outro dia estava passando por uma escola e vi um grupo de jovens sentados num banco. Juntos e separados. Sentados lado a lado, divertiam-se com seus aparelhos, jogando, ouvindo músicas e mandando mensagens.

Nisso tudo, acho que o maior pecado de todos é a solidão, que vai fazendo sombra dia a dia sobre nossas vidas. Não é preciso sair, porque tudo pode ser comprado pela internet e entregue na porta de nossas casas; não há razão para ir ao cinema porque cada vez mais rápido os filmes chegam comprados ou alugados, "baixados" em nossos computadores a preços módicos. Jovens não precisam mais se reunir nas casas dos amigos para jogar videogame. É possível jogar, em tempo real, com amigos e desconhecidos de todo o globo. Cada vez mais o sexo se torna virtual e os aparelhos masturbadores vendem como nunca. Hoje comprei por engano a revista Playgirl, cujo nome, tampado por um lindo nome, se confundia com "Plaisir". Não foi um engano ruim, já que era basicamente uma revista de homens pelados. Mas o que mais me chamou a atenção foi a propaganda dos masturbadores manuais, na qual um entrevistado dizia que a sensação era melhor do que qualquer sexo oral. Um buraco de silicone em forma de boca que faz maravilhas sobre-humanas.

Uma outra incrível notícia: Um kit de moldagem do próprio pênis. Não é seu parceiro ou parceira fazendo uma cópia do seu pênis para os dias de distância e solidão. É você fazendo seu pau pra você mesmo; ápice do amor próprio. E é lógico que você pode comprar pela internet e receber em casa.

Não, não estou contra o povo da maçã, nem contra a tecnologia. Apenas me preocupa o grau de solidão que estamos atingindo e me pergunto se esse congelamento do contato humano pode ser reversível.

Claro, tem os sites interativos, as redes sociais. Particularmente, eu amo o Facebook. É um jeito de dar vida aos congelados megas do mundo virtual. Fotos, frases, lugares, troca de experiências, brigas, ironias, intrigas, paqueras, conversas. Do mesmo modo que as maçãs do amor, que podem ser brilhosas e reluzentes por fora e ter seus pedaços podres por dentro, as maçãs eletrônicas que mordemos têm seus aspectos formidáveis e os sombrios também.

Talvez o mundo virtual seja um ensaio para um futuro no qual o isolamento seja necessário. Um mundo estéril, sem água, sem oxigênio, com seres humanos confinados em bolhas de sobrevivência ou cápsulas transgaláticas. Tudo virtual, tudo cibernético, para poupar a energia dos copos. E do mesmo jeito que o "idoser" é capaz de mimetizar sensaçōes de êxtase com drogas, e como já existem "aspiradores" que imitam o sabor do chocolate, teremos uma infinidade de coisas, cores, sabores, sons e sensações que imitarão a vida extinta.

Mas enquanto a fantasia do mundo cibernético não se concretiza, aproveitemos o melhor dos dois mundos.

Thursday, January 06, 2011

AS MENINAS SUPERPODEROSAS


As mulheres têm poder. Sempre as achei, grosso modo, mais inteligentes que os homens, embora muitas vezes, nos jogos do amor, acabem usando menos as armas disponíveis. Sempre fui rodeado de mulheres. Os antigos diziam que devia ser por isso que fiquei "assim". Certa vez, quando morava em Santo André, lá pelos meus nove anos de idade, uma vizinha que era formada em psicologia disse à minha mãe algo sobre meu comportamento "feminino". Segundo minha mãe, o que pode muito bem conter uma distorção grave, ela disss que "eu tinha conversas de mulher". Resultado: fui obrigado pela minha mãe a ir jogar bola num sábado chuvoso com meu pai, num campo cheio de barro. Taí o resultado das terapias correcionais. Peguei ainda mais asco de futebol e tive, já naquela idade, uma sensação de profundo estranhamento e distância daquele pai desconhecido.

Meus melhores amigos são, em maioria, mulheres. Gosto do papo, da estética, da cozinha, de fazer compras. Sempre adorei ouvir as estórias sobre relacionamentos delas. Adoro liquidaçōes e revistas de moda. Quando era mais novo, adorava pentear os cabelos delas. Só perco um pouco a paciência quando elas demoram muito pra escolher e decidir bolsas, sapatos e outras coisas.

Minhas tias maternas foram realmente maternais. Sempre gostei delas e com elas dividi muitos segredos inacessíveis em minha casa. Já falei de algumas delas aqui. Wilma, a mais presente de todas, sempre foi muito atrapalhada. Lembro-me de duas passagens infames com ela em Peruíbe. Certa vez fomos numa encosta do mar catar mariscos. Indignada com a pequenez dos mariscos mais "pescáveis", ela se pôs a raspar a encosta com a pazinha de areia, de cabeça pra baixo. Foi tão fundo que caiu das pedras, se ralou inteira e quase morreu afogada. Foi salva pela vara de uma pescadora. Da outra vez fomos pescar siris no Rio da Lama Negra. E lá fomos nós, catando vários siris. Na hora de ir embora, fomos nos lavar no rio e minha tia foi "pescada", bem na bunda, por um siri...

E por falar em mar, lá estava eu em Porto de Galinhas, cercado de um mulheril. Lá pelas tantas resolvemos pegar a jangada para ver os famosos recifes de coral. Subo eu e um amigo, sobe uma, duas, três e na quarta, a maior delas coloca o primeiro pé na jangada e lá vamos nós todos ao mar. Deve ser isso que chamam de alavanca na Física. Voei da jangada direto pra um coral bem pontudo. Bom pra saber que jangada, nunca mais.

Dizem que é possível saber a idade aproximada de uma pessoa de acordo com o personagem terrorífico da sua infância. Na minha época, por exemplo, o "bandido da vez" era o homem do saco. Era ele que nos sequestraria e nos levaria para longe caso não fizéssemos o dever de casa ou não comêssemos todo o espinafre. Um pouco mais pra trás, temos a loira do banheiro. Várias estórias rondam suas apariçōes, mas o resultado era sempre o mesmo: morte, tragédia, desaparecimento. Apesar de não pertencer à faixa etária das suas vítimas, posso dizer que encontrei, lá pelos e vinte e tantos anos, a loira do banheiro. Estava no sexto ano da faculdade de medicina. Logo após o almoço, tive uma súbita necessidade de "passar um fax". Corri para o banheiro do alojamento (aka desconforto médico) porque era um dos poucos lugares cujo banheiro tinha uma porta inteiriça e trancas que funcionavam. Abri bruscamente a porta e... Ela estava lá! Não era mais tão loira e nem tão bonita como dizia a lenda, mas o pavor que senti ao vê-la deixava clara sua identidade... Gorda, pelada, com uma toalha de banho enrolada na cabeça. A visão do inferno. Era Melba, uma aluna da faculdade, personificando o mito da loira do banheiro.

- Por que você não trancou porta?

- Tinha medo de ficar trancada!

Mentira. Era só pra assustar mesmo.

E por falar em assustar, estávamos eu e mais dois amigos de penetras numa festa de uma amiga da amiga de um deles. Confuso, né? Estávamos os três meninos conversando coisas de meninas: moda, beleza, homens bonitos e a amiga na mesa, só escutando. De repente ela dá um grito: "Caralho, essa defesa tá vazada!".Tomei um baita susto e demorei para compreender que ela assistia ao jogo de futebol no telão, bem atrás de mim. Não, era não era lésbica. Era só uma mulher de fibra.

Tem um ditado que diz: "Pra dar o c. tem que ser macho". Sei lá se é verdade. Mas ouço opiniões divergentes de várias mulheres. Umas dizem que gostam; outras dizem que só fazem pra agradar seus parceiros; tem aquelas que se recusam terminantemente e por aí vai. Mas, pensando em mulheres de fibra, lembrei de uma americana que foi passar férias no Brazil. Rapidamente se engalfinhou com um rapazote, que a levou para passar uns dias numa casa de praia no Guarujá. Churrasco, cerveja, piscina, uma daquelas casonas gigantescas de ricos paulistanos. E lá foi o meninão arrastar a gringa para o quarto dos pais da dona da casa. Ninguém sabe direito como foi que a coisa ocorreu, mas dizem que, quando a dona da casa descobriu que estavam funhenhando no quarto dos seus pais, subiu feito uma bala e empurrou a porta do quarto, que estava destrancada. Antes ela tivesse pegando os dois transando. Estava rolando mesmo era uma super faxina, pois a gringa aceitou furar o biscoito, que estava muito recheado. Foi literalmente merda no ventilador, na cama, no travesseiro. E o que era pra ser segredo, virou escândalo público.

E por falar em escândalo, lembrei do Caetano cantando que "o grande escândalo sou eu, aqui, só". E era assim que eu estava, logo que me formei, dando plantão num hospitaleco de Itapevi. Todo domingo, depois do almoço, começava o meu tormento. Uma auxiliar de efermagem, cinquentona, grudava no meu pé que só ela. Passava o tempo todo me elogiando, dizendo o quanto me achava bonito, o quanto meu perfume era gostoso e todo um monte de elogios. No começo achei simpático, mas à medida que o tempo foi passando, ela foi se sentindo mais "íntima" e passou a passar a mão no meu braço. Um dia me deu um abraço caloroso demais. Outro dia, deu um beijo que quase alcançou minha boca. E, numa madrugada fria, ela aparece no meu quarto dizendo que havia um paciente para atender. Desci, entrei na sala e não tinha ninguém. Mal eu me virei para sair da sala, ela vem, apaga a luz e me dá um agarrão, tentando me beijar. Era meu segundo encontro com a loira do banheiro. Ela tentou me enganar, usando uma peruca preta e um avental. Saí correndo para o meu quarto e, como não tinha chave, prensei a cama contra a porta, rezei um Pai Nosso e dormi. Não exatamente pelo ocorrido, nunca mais voltei àquele hospital. Ainda bem, porque talvez ela me amarrasse ou me desse um suco psicotropilizado e me violentasse ali mesmo, na feia, brega e cinzenta Itapevi.

Feio mesmo era o que acontecia com minha prima. Ela era uma "vomitadora volante": não podia andar meio quarteirão de carro que já vomitava. Uma vez tomei banho de arroz com feijão antes de entrar na escola. A boa coisa foi não ter precisado entrar na escola; a coisa ruim foi ter que ficar daquele jeito até chegr em casa em pleno verão e ainda levar outro banho antes de sair do carro. Tinha uns oito anos de idade nessa época e me lembro de pensar malignamente sobre a pobreza do fato. Ela simplesmente não podia andar de carro. E apenas carro, porque ela não vomitava no ônibus.

Mulheres, mulheres, mulheres. Não tenho só histórias terroríficas para contar delas. Tenho coisas boas, lembranças maravilhosas, recordaçōes de momentos maravilhosos ao lado delas. Outro dia falei das mulheres bêbadas, hoje das assustadoras. Mas, de todo modo, descortina-se um tabu, o tabu da mulher perfeita, virginal, casta, incorruptível. As "loiras do banheiro" nos revelam o que há escondido debaixo do manto sagrado das santas mulheres. Elas bebem, dão vexames, deixam a porta do banheiro destrancada, taram os homens que desejam. Heroínas, cujo maior poder é a própria humanidade.

Monday, January 03, 2011

O NEGRO KUTA KINTÊ


Faz muito tempo que ensaio contar essa estória, mas foram surgindo tantos outros assuntos que acabei me esquecendo. Mas nesses dias de um certo tédio literário em New York, e observando a quantidade de imigrantes africanos por aqui, Kuta veio à minha mente.

Estava no último ano de faculdade quando resolvi viajar para Recife. Durésimo, pude aproveitar a vantagem de pagar muito barato as passagens aèreas porque trabalhava na Rio-Sul. Ainda me lembro: cinquenta reais ida e volta. Uma amiga disse que eu ia poder me hospedar na casa de uma amiga dela em Olinda. "A fulana é super legal, você vai adorar; além disso, a casa é grande, a gente vai ficar super bem lá".

Chegando em Olinda, fiquei animado ao ver a casa. Um bairro bonito, residencial, uma quadra da praia. De fato era uma casa grande, mas parecia com aquela da música. Só faltava não ter teto: a dona da casa estava numa "crise toxicômana", em total lua-de-mel com seu amante pedreiro e a sua amante Mary Jane. Ninguém trabalhava, ninguém limpava a casa. Passavam o dia todo com a Mary Jane. A casa era uma fumaça só. Era a versão concreta de "Smoke gets in your eyes". Ah! Eles também jogavam capoeira entre um tarugo e outro.

Não tinha comida, exceto cuscuz de milho, cujo pacote custava trinta centavos. Até o cachorro comia cuscuz. E quando não sobava cuscuz, ela esperava o coco cair da árvore para dar para ele.

Também não tinha água. Faltava água na cidade durante o verão e eles não tinham cisterna. Então seu namorado pedreiro criou um chuveiro com furos no balde, no meio do quintal. Os banhos eram tomados quando caía água da chuva. Raridade no verão pernambucano. E eles tomavam banho ali mesmo, no quintal, pelados, de cara para o vizinho. Foi a primeira vez que agradeci não poder tomar banho todo dia. E quando era dia de banho, fazia-o ao estilo Big Brother, botando bem um respeitosa sunga.

O pior da casa não era nada disso. A estrela primeira dessa blogagem era o amigo-hóspede da dona da casa, um africano chamado Kuta Kintê. Ele morava na edícola, nos fundos da casa dela e, como ela passava o dia fazendo "party and play", como dizem as bichas aqui nos Estados Unidos. Mary Jane, Lucy in the Sky with Diamonds e sei lá mais o quê. Só sei dizer que o negro Kuta vivia doidão, cada dia com uma mulher diferente no seu cafofo.

Ele tinha uns dois metros de altura, um rastafari maior que o tapete da minha casa e o maior "passaporte africano" que eu já vi na vida. Aliás, era "O" maior passaporte que eu já vi em toda a minha existência. E Kuta ficava andando pela casa, pelo quintal, sem camisa, com uma kanga transparente na cintura e badalando o sino por onde passasse. O banho era um espetáculo zoofílico. Kuta saía da edícula, já completamente desapegado de suas poucas roupas e ia para o pseudo-chuveiro, carregando sua tromba ebânica.

E a dona da casa veio contar um dia que o Kuta estava escondido, fugido da polícia, porque ele era filho de um guerrilheiro africano, o famoso "Buceta Cabeluda". E ela falava isso com um ar grave, de quem sabia do que estava falando e de que nós entendíamos a gravidade do assunto, além da importância do Buceta Cabeluda no cenário político mundial.

Na noite de Ano Novo, um lance engraçado. Kuta era percussionista de uma banda XYZ e foi tocar na virada. Vestiu uma bata africana colorida, armou mais ainda aquele rastafari e colocou um turbante digno de um filho do Buceta Cabeluda. A cabeça dele parecia mesmo uma grande e cabeluda buceta.

Eu e minha amiga fomos para a praia, longe dos barulhos do Kuta. Quando acordamos pela manhã, a cena era bizarra. Kuta trouxe uma garota para casa, pequena, branca feito leite e com uns enormes e arregalados olhos verdes. Acordei assustado com uma gritaria no quintal. Era Kuta e sua ninfa gargalhando, correndo pelados por entre as árvores, ele tentando invadir o país dela com seu passaporte africano. Fiquei vários minutos admirando aquela cena, aquele contraste de peles, aquela loucura toda. Naturismo puro.

Foi passando os dias nessa casa estranha, com gente fora da órbita, que me lembrei o quanto gostava da minha casa, da minha cama, do meu travesseiro e, principalmente, de um bom chuveiro. Lembro que passei uma noite fora de Olinda; fomos conhecer João Pessoa e dormimos numa pequena pousada. Até hoje me lembro da sensação maravilhosa de tomar um banho de verdade, sem limite de água, depois de muitos dias em privação de higiene pessoal. E também acabei entendendo porque os vizinhos nos olhavam tão feio quando saíamos na rua.

E hoje, pesquisando com Mr. Google a origem ou o significado desse nome, descobri que Kuta deveria ser um nome falso. (Hello! Ele era fugitivo!!!) Sim, porque o nome Kuta Kinte é o nome de um personagem do romance "Roots", de Alex Haley, e seria o nome de um dos primeiros escravos africanos trazidos para os Estados Unidos, provenientes da Gâmbia. Muitos dizem que Kuta Kinte nem existiu; é apenas um símbolo da escravidão no país; é um nome portador de uma existência mítica.

Acho que falar sobre Kuta com seu enorme falo, veio à mente nesses dias não foi por acaso. Nem foi por acaso descobrir o "verdadeiro" Kuta, ambos trazendo a "novidade", a fertilidade, as descobertas, as idéias. Não sei se Kuta é Pan, Hermes ou Exu, todos mensageiros e guardadores da fertilidade. Mas é a fertilidade que bate à minha porta, uma explosão de idéias, de realizaçōes.

Engraçado é dar utilidade a ele, Kuta Kinte, depois de tantos anos guardados nas poeiras da memória.