Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Monday, March 28, 2011

RIDICULARIDADE INTRÍNSECA

"Duro é tentar ser pop e fazer papel de ridículo. Melhor cultivar a ridicularidade intrínseca."

Faz alguns dias, postei essa frase no Facebook. Já falei várias vezes do quanto estou farto da histeria que não paga consulta, que entra na vida da gente sem pedir licença e caga nas nossas cabeças. Estou farto é das pessoas ridículas.

O pior de tudo é quando uma pessoa ridícula vira pop. Suzanas Vieiras, Gretchens, Tiriricas e tantos outros exemplos que apenas substituem os nomes que não posso dizer, por questões absolutamente éticas.

Tive um dia de cão. Tive uma noite de cão. Acabei me cansando de tentar ser manso e compreensivo e queria ter conseguido escrever coisas amorosas, mas falhei. Estou destilado de um azedume inexpurgável. E ainda, como se não bastassem as imbecilidades próprias do mundo e da vida, e digo da nossa própria vida, somos quase que obrigados a compartilhar com a imbecilidade alheia por todos os lados.

Todo mundo tem seu lado ridículo. Eu já gostei de música sertaneja, já dancei lambada, já escutei Sandy&Júnior (e ainda escuto...) Leio revistas de fofocas na podóloga, assisto vídeos cafonas no Youtube. Faço piadas sem graça às vezes e junto moedas de um centavo que encontro pelas ruas de New York. Esses são pedaços da minha ridicularidade intrínseca. Isso é uma parte de mim que vem com um monte de outras partes e muitas delas podem ser muito legais.

E não há quem não tenha. Outro dia acordei ouvindo música sertaneja. Em plena Manhattan. Pode? Sei lá, acho que pode. E simplesmente ocorreu. Outro dia cantei "Escrito nas Estrelas", imitando a voz da Tetê Espíndola, num karaokê. Ridículo, mas fez sucesso. E por quê? Porque foi espontâneo, original e sincero. Esse pedaço cafona de mim que aparece de vez em quando e diverte festas e eventos. E posso até fazer coisas ridículas que façam sucesso, mas que alimentem minha alma precisada de coisas ridículas num dado instante.

Mas o ridículo que não vem da alma, fantasiado de pop é um ridículo horrível. É igual mulher que não aprendeu a andar de salto alto e insiste nas agulhas altíssimas e sai caminhando como uma pata choca. Ou aquela que bota uma microssaia e fica o tempo todo puxando asaia para baixo. Ou quando o homem coloca uma gravata num casamento e não abotoa a gola para não ficar desconfortável. Ou gente que impina o dedo indicador quando segura um copo. É charmoso e pitoresco apenas nos filmes. E ponto.

Minha amiga me contou outro dia sobre formas diferentes de dizer a mesma coisa. Podemos dizer que a maçã é vermelha e lustrosa de uma forma simplesmente descritiva, purista. Feito natureza morta. Mas podemos dizer a mesma coisa olhando para ela, com luxúria, arregalando os olhos e deslizando as mãos sobre suas curvas. E a maçã vira pecado. E podemos dizer da maçã com grande ênfase e alegria, exaltando, com sorriso agudo estampado o quando a maçã tem essas características. Essa é a maçã do amor vendida no circo pelo próprio palhaço. É o pop.

"Ó,Deus, onde chegaremos nesse mundo de coisas ridículas anti-naturais?"

"Na rua da amargura." responde qualquer ente de bom senso.

Thursday, March 24, 2011

LÉLCOME TO XAINATÁ

A experiência é uma lanterna dependurada nas costas que apenas ilumina o caminho já percorrido.” (Confúcio)

Nas últimas semanas, tenho pensando nos violentos ensinamentos da vida. Desses que somos obrigados a tomar, goela abaixo, como xarope amargo de antibiótico contra as amidalites da infância. Tenho tido umas semanas confusas e agitadas, cheias de coisas inesperadas e atribulações que me tomaram tempo, me exigiram paciência e quase me tiraram absolutamente do sério.

O roubo do meu carro e dos meus livros foi um exemplo disso. E o pior de tudo é que ainda emite seus desdobramentos até agora. Ao carregar de forma desajeitada o aparelho de ar condicionado jogado na rua, ao lado do carro, ganhei um “travamento ciático que se estende até os dias de hoje. Estava um pouco melhor até a semana passada, mas a viagem para New York com conexão pelo Panamá me presenteou com uma recidiva. Graças a Deus que inventaram o rum e mais graças a Deus ainda que havia vários deles para degustar no Duty Free do Aeroporto de Tocumen. Nem fiquei triste que não encontrei chapéus Pananá; ainda bem que já fui ao Panamá sabendo que eles são, na verdade, feitos no Equador.

Chegando em New York, mais um “presente” das sabedorias chinesas: no táxi, quase chegando ao meu destino final, esqueço meu telefone celular dentro do carro. E só fui perceber depois de horas. Entrei num site do “Yellow Cab” e descubro que é possível anunciar numa sessão de achados e perdidos. Mundo moderno é outra coisa! É outra coisa mesmo. Pode anunciar, mas tem que pagar pelo anúncio. Paguei. Faz quase uma semana que cheguei e nem sinal do meu iphone. Já é o terceiro que se vai: o primeiro num assalto na porta de casa; o segundo num assalto perto de casa e esse, iPhone 4, “the third”, esquecido no banco de um Lincoln Amarelo.

Se já tivessem lançado o iPhone 4GSFC ou o iPhone 5, eu entenderia que perder o antigo seria uma forma brusca de eu ser empurrado pela roda evolucionista consumista mundial. Quem sabe.

E minha dor continua. Remédios, remédios e mais remédios. Me sinto parecido com uma paciente, que dizia que não tinha mais cérebro e que sua cabeça era lotada de comprimidos. Enalapril, Metformina, Codeína, Ibuprofeno, Dipirona, Ciclobenzaprina. O mais legal do ibuprofeno aqui nos Estados Unidos é que é vendido em comprimidos minúsculos de 200 miligramas. Então a gente tem que tomar uns 4 ou 5 para ficar bom. Comprei um pote de ibuprofeno com 800 comprimidos.

Cansado e castigado pela dor, sobretudo pela impossibilidade de fazer repouso tendo Manhattan aos meus pés, ouso invadir o sagrado universo da medicina chinesa, no subsolo de uma loja de artigos orientais no Soho, a Peal River. Lá um chinesinho simpático resolve fazer uma consulta por dez dólares, medindo meu pulso e vendo minha língua. Saio feliz e contente com uma sacola contendo dez caixas do mesmo remédio, que devo tomar 12 bolinhas que se parecem com cocô de cabra, três vezes ao dia. Ele também me deu o cartão de um colega seu, um tal de Doutor “Ni”. Se eu posso ser Doutor “Niel”, Doutor “Fofinho”, por que é que ele não pode ser “Ni”?

Os dias foram passando, mas a dor não. Tentei ser bem chinês esses dias, agradecendo por conseguir andar, agradecendo por ter duas pernas, agradecendo pela dor chegar mais forte somente no final no dia. Teria sido horroroso não poder passear por New York com minha amiga-irmã, que está que pela primeira vez. Mas dor é sempre dor e quando a gente resolve não ligar pra ela, ela decide fazer mais alarde pra mostrar que continua ali, feito criança birrenta.

Cansado de sofrer, resolvi procurar o tal Doutor Ni. Em Chinatown. Já tinha “beirado” Chinatown ao passar pelo Soho e por Tribeca, mas nunca tinha me afundado nela. Tudo escrito em chinês, todo mundo de olho puxado, um amontoado de gente, lojas e coisas.

Passei em frente à estátua de Lin Zexu. Aos pés dele, os dizeres: “Pioneiro na luta contra as drogas”. No alto, um monte de pombos cagando na cabeça dele. Fiquei pensando.

Muitos mercadinhos e patos laqueados após, cheguei no número indicado pelo cartão. Na porta do prédio, uma enorme escadaria. Ainda bem que minha dor não era daquelas que travam meus movimentos. Seria impossível subir aquela escadaria se assim estivesse.

E lá estava a pequena salinha zoneada e, detrás do balcão, Dr. Ni, sentado. Muito simpático, sorridente, olhou minha língua e meu pulso, deu um papel confuso para preencher. No final de algumas olhadas, percebi que a única coisa que era realmente necessária era assinar e marcar as lacunas dizendo que eu aceitava o tratamento e compreendia o que seria feito.

Então Dr. Ni perguntou quem o havia indicado. Disse a ele que era o outro médico do Pearl River, a loja de badulaques orientais. E ele perguntava: um homem? Uma mulher? Qual seu nome? E só ficou satisfeito quando lhe mostrei o cartão com seu endereço escrito. Polícia, imigração, máfia chinesa. Deve ter um monte de coisas que essa gente deve temer.

E então ele me levou para a maca. Esticou a cortina de lençol e mandou eu deitar na cama. Quando deitei, ele falava em chinês “cam-pam”, ou algo parecido que o GoogleTranslator não conseguiu me explicar. Levantei e ele gesticulou que eu deveria baixar a calça, e dizia “cam-pam”, “cam-pam”. Entendi que deveria tirar a calça e deitar na cama. Fiz isso e ele assentiu com a cabeça, dizendo “cam-pam”. Quando deitei, ele fez um gesto para eu me virar, dizendo “cam-pam, cam-pam”.

E ele começou a espetar várias e doloridas agulhas pela minha perna, pé e na bunda. Ele perguntava: “First time? First time? Pain? Pain? Too much pain? So so?

E quando eu achei que havia acabado, ele trouxe um aquecedor que deu um calorzinho gostoso e um monte de eletrodos... Ligou os eletrodos nas agulhas e meteu uma carga elétrica. Eletrochoque na bunda. E a carga foi aumentando, aumentando... até que meu pé ficou torto e senti uma dor de parto, ou de dente, ou de cólicas renais. Bem na minha canela. “Pain?” Ele perguntou. “Yes!!! Too much pain!!!” Eu berrei. “You have to tell me when pain”. E assim que ele ajustou a máquina de fazer “pain”, ele me deixou lá, deitado, com a bunda pra cima, tomando choques suportáveis. Aproveitei para pedir para os médicos chineses ancestrais, para os pretos-velhos, para a corrente médica do espaço para me ajudarem a resolver essa dor. Não sei se eles vieram. Só sei dizer que dormi. Ronquei e sonhei com coisas que não me lembro. Acordei com o despertador do Dr. Ni. “Feeling better? Feeling better?” E eu estava. Levantei aliviado, sem dor, sem choquinhos na perna. Levantei feliz e achei que o pesadelo tinha acabado.

Mas no dia seguinte. Tudo voltou ao anormal. A dor, mais forte e mais insuportável do que antes. Fiquei com vontade de me hospedar na maca do Dr. Ni.

Não acho que a acupuntura não tenha surtido efeito. Tenho que fazer aqui meu “Mea culpa” e confessar que não fiz repouso, que não deixei de tomar vinho e não dormi no chão como o outro médico havia recomendado. Mas tem cabimento sair pra jantar e não tomar champagne e ficar de repouso, dormindo no chão, em plena Manhattan? Não, não tem. Nas horas em que a dor aperta, chego a titubear na resposta, mas quando estou andando pelas ruas da cidade ao lado das pessoas amadas, com o sol de inverno batendo na minha cara, tenho a certeza de que estou fazendo a coisa certa.

Friday, March 18, 2011

PRAYERS FOR ALL BOBBIES


Acabei de assistir o filme “Prayers for Bobby”, com a atriz Sigourney Weaver. Chorei da metade em diante, continuei chorando depois e, agora que se secaram as lágrimas, minha alma continua chorando. Para quem não sabe, esse filma conta a história de Mary Griffith, interpretada por Weaver, um beata protestante que se torna uma grande ativista em defesa dos homossexuais após a morte de seu filho Bobby, que se suicida por não suportar os conflitos concernentes à sua homossexualidade.

Curioso é pensar que não existem surpresas no filme. Sabemos de tudo já na sinopse do filme, podemos encontrar fotos e textos e comentários sobre Bobby e Mary em diversos sites. O filme também não tem nenhuma riqueza “cinematográfica”, do ponto de vista técnico, como interpretação, fotografia ou efeitos especiais. A versão “hétero” desse filme seria algo como “Endless Love” ou “Sunshine” que reprisaria dezenas de vezes na sessão da tarde e assistiríamos de novo e de novo, achando “bobinho”, mas chorando sempre que assistíssemos.

Eu não sei dizer se o filme já passou na sessão da tarde, mas eu quase que acredito cem por cento que não. E por razões muito óbvias. Será que a censura Global permitiria que um filme desses passasse na sessão da tarde? As crianças e adolescentes correm riscos ao verem esse filme?

O único risco que crianças e adolescentes correm ao assistirem a um filme desses é se adiantarem a percorrer uma estrada que não levará ao mesmo fim de Bobby: pular de uma ponte e ser atropelado por um caminhão. Sim, pois quanto mais cedo um jovem toma consciência de si mesmo no que diz respeito à sexualidade, mais chances ele terá de encontrar formas de se fortalecer, crescer, aceitar-se, viver.
É claro que não vai adiantar nada esses “Bobbies” se conscientizarem se não puderem encontrar um chão fofo, acolhedor, amoroso que os aceitem como são. “Prayers for Bobby” é mais que um filme para “Bobbies”. É um filme para os pais de Bobbies, Fernandos, Ricardos, Marcelos, Cristinas, Fabianas, Lauras e todos aqueles que podem contribuir, simplesmente compreendendo e aceitando a homossexualidade de seus filhos, dos amigos de seus filhos, dos seus familiares.

Hoje em dia se fala de diversos assuntos modernos: casamento gay, adoção gay, turismo gay, parada gay, consumismo gay. Fala-se, enfim, de uma série de coisas ligadas ao universo gay ADULTO. Sim, porque casar-se, procriar, viajar, consumir são coisas de gente adulta, que trabalha, que paga suas contas, mesmo que a sua sexualidade não esteja bem resolvida para si ou para os outros.

Conheço uma infinidade de homossexuais que levam uma espécie de vida “dupla” ou “tripla” ou “quádrupla”. Ou seja: vivenciam algumas facetas da sua homossexualidade, mas não se sentem capazes ou não podem ou não devem assumi-la em outras. Gente que namora, que transa, que vive junto, que frequenta boates e ainda assim usa aliança de noivado no ambiente de trabalho e finge ter “uma mina”. Gente até que faz tudo isso e mantém sua “noiva eterna” nos confins de uma cidade do interior. Gente casada, com filhos e até netos que mantém uma vida totalmente paralela.

E por que é que isso ocorre? Justamente porque são pessoas que não tiveram a oportunidade de se revelarem, simplesmente porque não encontraram esse terreno acolhedor. É lógico que tem gente que é obrigada a fingir, negar, ocultar por razões profissionais, ou políticas. Mas acredito que estamos muito antes disso. Estamos “fabricando” adultos gays – dentro ou fora do armário sem nos preocupar com a questão fundamental: cuidar da criança, do adolescente, do jovem.

Ensinar na escola, ensinar os pais, ensinar a sociedade, ensinar os casais que seus filhos podem nascer gays do mesmo modo que podem ter olhos verdes ou azuis ou castanhos e que isso não é culpa de ninguém, de nenhum erro, de excesso ou de falta de cuidado. Uma mãe superprotetora ou um pau ausente vão causar o mesmo tipo de dano em filhos gays ou héteros. A única diferença, no caso de um filho gay, é que talvez ele tenha maior dificuldade em se assumir e vivenciar uma vida normal.

Eu realmente quero que as coisas sejam diferentes. E que essas conquistas, essa evolução tão esperada e tão atrasada, possa fazer parte dos livros de História e não seja mais um problema para tanta gente, como é até hoje.

Sunday, March 13, 2011

FANTASIAS DE ESCRITOR

No final do ano passado, lancei meu primeiro livro de contos, “Prosas, Macumba e Cafezinho”. Esse foi um passo que me deixou muito feliz e ainda tem me causado muitas alegrias ouvir elogios de várias pessoas. E há cerca de um mês, recolhi os exemplares que estavam na Livraria da Vila, desde o lançamento. E a caixa, com cerca de cem exemplares, ficou no porta-malas do carro desde então. Há quatro ou cinco dias, cheguei a pensar: “Tenho que tirar essa caixa daqui, vai que alguém rouba meu carro.” Mas a caixa continuou por lá, junto com um aparelho de ar condicionado e uma sacola de roupas.

E na última sexta-feira, depois de um longo dia de trabalho, fui visitar a casa nova de uma amiga, no bairro de Perdizes. Cozinhei comida mexicana para celebrar sua mudança e ficamos lá conversando, por algumas horas. Ao sair de lá, me dirigi para o carro e, ao abrir a porta. Vejo um ar condicionado no chão. Pensei: “Nossa, um ar condicionado...” Depois pensei de novo: “Nossa, é o meu ar condicionado”. Corri para ver o porta-malas e já entendi tudo. Aberto, revirado. Levaram o estepe e uma a caixa de livros. Deixaram uma sacola com seis calças jeans de grife. Olhei dentro do carro, estava tudo lá. Até mexeram no banco, talvez fossem levar o carro. Saí correndo e, umas dez quadras depois, imaginei que eles pudessem ter jogado a caixa de livros na rua. Pedi pra que minha amiga verificasse. Nada. Levaram cem exemplares do meu livro.

Corri espalhar a notícia para meus amigos “facebookers”:

“A divisão anti-roubos da Fundação Doutor Fofinho de amparo a múltiplas coisas adverte: se alguém disser que leu meu livro "Prosas, Macumba e Cafezinho" na Cracolândia, acreditem. Ontem foram furtados do meu carro, junto com meu estepe, 100 exemplares do meu livrinho. É o Doutor Fofinho levando cultura à gente boa da Cracolândia!”

Um deles tratou de expandir a idéia que pulverizou minha imaginação:

“Parabéns pelo incentivo à cultura! Vamos inaugurar esse movimento cultural ? Ou isso tudo é um grande golpe de marketing da tua editora??? heheheheh

Já pensou? no noticiário do jornal nacional " Um cena chocante vem sendo presenciada na cracolandia. Usuários de crack que nunca leram estão deixando a droga por uma atividade mais prazerosa. Os livro do Dr. Fofinho foram roubados e trocados na boca, traficantes começaram a distribuir juntamente com as pedras um exemplar para cada comprador, porém o tiro saiu pela culatra : o livro vicia mais que a droga e os usuários agora querem ler ao invés de fumar pedra. As editoras do mundo já estão providenciando versões em diversas linguas e estudos científicos começam a ser feitos na tetativa de compreender como este livro ativa o sistema de recompensa de forma mais intensa que esta potente droga. Um outro estudo nos EUA tenta a mesma substituição para a heroina e metanfetaminas. Dr. Fofinho tem o prazo de 30 dias para lançar 5 outros livros e assim atender os pedidos dos usuários que ameaçam voltar para a pedra caso não tenham outros para ler....

Gostei da idéia. Imaginei o cara que roubou meu carro levando o livro para trocar na Cracolância. Sim, com letra maiúscula. Agora não é apenas uma região; é um conhecido bairro da cidade. Tem várias “bocas”, “biqueiras”, mocós, favelas, mas Cracolândia, só tem uma. De repente, a caixa de livro se rasga por baixo, como qualquer caixa de papelão que se preze. E os livros desabam, com suas capas roxas fulgurantes, pelos arredores da praça da luz. O ladrãozinho tenta recupera-los, mas ainda está com o meu estepe nas mãos e não consegue deter os zumbis do crack se aproximando e catando os livros. Sim, porque na Cracolândia, caiu no chão é pedra, ou vira pedra minutos depois.


Os zumbis catam os livros, e saem andando, embrulhados em seus lençóis de hospital e cobertores de exército. O ladrãozinho saiu correndo, com medo de perder a calota que vai lhe render três pedras de crack. Mas, de repente, uma coisa estranha acontece. Os zumbis param, vão se acomodando pelos arredores com o livro nas mãos. Vão folheando, dando aquelas risadas dos retardados e emaconhados. Aquele “hãããã”, bem característico. Vão vendo as figurinhas e com a luzinha emanada por alguns caximbos e alguns isqueiros, começam a ler os contos. Um deles, guardando o livro entre seus dedos queimados de pipar pedra, cutuca o outro com seu cotovelo magrelo e diz: “Mano, ouve só essa...” e lê alguns trechos para o outro. De mão em mão, de nóia em nóia, os livros vão passando e levando alegria, deixando uma mensagem de amor e esperança aos corações e mentes petrificados.

O pessoal da boca começa a estranhar. Sexta de madrugada, sábado de noite, as vendas caíram. O “patrão” manda seus olheiros checarem o que está acontecendo. “Devem ter algum malandro com biqueira nova por aí”. “Nenhuma biqueira nova, nada de droga nova, patrão. O novo barato é um tal de livro roxo que tudo quanto é nóia ta lendo”.

Rede Globo e todas as outras emissoras foram lá conferir. Rádios e jornais, tudo mundo quer saber sobre o “Milagre do Livro Roxo”. Famílias de craqueiros inveterados começam a comentar sobre o tal livro roxo que salvou seus filhos da perdição. “Presente de Deus”, dizem eles. Edir Macedo e Bispa Sônia, preocupados com a nova adesão de seus fiéis ao novo livro roxo, tratam de imprimir versões parecidas. Mas os zumbis rejeitam os plágios e só querem saber do “tal livro da macumba”.

Prefeito, governador, presidenta. Ordem suprema de imprimir um milhão de exemplares do livro roxo para distribuir nas ruas. Obama deflagra a coqueluche do “Purple Book” mundo afora. O livro roxo agora é o livro mais distribuído e traduzido no mundo. Minha vingança espontânea e inusitada sobre a hegemonia medíocre de Zíbia e Paulo Coelho.

Autógrafos, entrevistas, Prêmio Nobel da Paz, de Literatura, de Medicina. Livro Guiness de Recordes. Encontro marcado com Dalai Lama e conferências internacionais. Convidado especial da Oprah.

Saindo do consultório numa noite escura, um zumbi embrulhado num lençol sujo se aproxima. Chegou a minha hora. Vou ser assassinado, a mando de um “patrão” do tráfico. Morrendo de medo, me ajoelho perante o zumbi, peço perdão a Deus pelos meus pecados e clemência a ele para que me deixe viver. O zumbi estica o livro, no meio das mãos sujas e dedos queimados: “O senhor me dá um autografo?” Levanto, discretamente, suspiro aliviado e digo: “Claro, só estava procurando a caneta que caiu no chão.”

Acordo assustado. Nada disso aconteceu. Olho no relógio. São seis horas da manhã do domingo. Estava sonhando. É lógico que foi um sonho bom.

Sunday, March 06, 2011

BAD MOOD BITCHES

São Paulo é realmente uma cidade surpreendente. Feia, mas surpreendente. Sim, apesar de ter nascido aqui e amar a cidade, amo-a aceitando a sua feiúra. É claro que tem lugares bonitos, e é muito mais claro que moro em algum desses lugares; e andando por aí somos capazes de encontrar algumas “ilhas” de beleza. São Paulo é um arquipélago de belas ilhas cercado de coisa feia por todos os lados.

Tem um monte de coisas que tornam a cidade muito mais feia: o trânsito caótico, as enchentes, os buracos, a poluição, o rios sujos, as construções que nunca terminam e por aí vai.

Mas há alguns poucos momentos no ano nos quais a cidade fica linda e o Carnaval é um desses. Não é pela festa em si, nem é por causa do Sambódromo. A cidade fica linda porque está vazia. Ontem andei pelas ruas e fiquei decepcionado. Achei que pouca gente tinha viajado. As ruas estavam lotadas, cheias de gente e carros. Felizmente, hoje, ao sair de casa, senti aqueles ares de cidade vazia que tanto amo. É São Paulo com alguns milhões a menos. E apesar dos uns e outros que amam carnaval ou não viajaram porque estavam sem dinheiro, fiquei com a fantasia de que só ficaram as pessoas pacatas, que não têm samba no pé e que, como eu, odeiam essa parafernália.

Hoje amei São Paulo. Resolvemos ir ao Restaurante Mocotó, nos confins da Zona Norte da Cidade. Lugar feio, cheio de sobrados esquisitos, quase todos com vista para a Dutra. E o percurso que levaria ao menos uma hora, foi feito hoje em menos de trinta minutos. Faróis abertos, poucos carros nas ruas, poucos passantes. Era como se São Paulo dissesse em alto som, pra todo mundo ouvir, o quanto me amava também. Ficamos enamorados.

Comida boa, papo bom, ótimos amigos, clima ameno. Sem sol de queimar coco, sem fila na porta do restaurante. Torresmo, escondidinho de carne seca, baião-de-dois, carne de sol assada, queijo coalho, sorvete de rapadura, pudim de tapioca. E tem gente que ainda reclama da vida.

O tempo foi passando e o restaurante foi enchendo. Lá fora, gente esperando, devorando aperitivos. Em pé, olhando feio para as mesas, um casal cuspia fogo com os olhos sobre os rostos felizes dos sentados. Reclamavam da demora. Reclamavam. Reclamavam. Reclamavam para todos os garçons que passavam, como se eles tivessem que expulsar as pessoas da mesa. Reclamavam que haviam pessoas nas mesas que não estavam comendo, gente bebendo e dando risada, palitando dentes, espreguiçando ao invés de deixarem a mesa para quem quisesse comer. Que lástima. Depois de muita reclamação, vagou uma mesa. Com certeza a mesa não vagou por força da reclamação. Foi o próprio tempo, o tempo de cada uma das pessoas sentadas naquela mesa que se esgotou e as levou para fora do restaurante.

Mal o garçom limpava a mesa, a nova “dona” já foi chegando, reclamando, maldizendo, falando que era um “absurdo” esperar tanto. Tentei fotografá-la, para mostrar a cara de pastel de angu azedo. Não consegui, porque a bunda achatada do seu marido tampou o campo visual. Queria colocá-la no blog como símbolo do lado feio da cidade, essa feiúra que está incrustada no coração sujo das pessoas.

Sim, a cidade é feia. Mas é a pureza da alma, das atitudes e do coração das pessoas, aliados aos bons momentos que podemos ter na vida que torna São Paulo uma cidade bela. É essa beleza interna, interior, intrínseca que faz a nossa cidade morável e memorável.

Agora pergunto: o que faz a Dona Azeda e o Seu Bunda Chata saírem para almoçar em pleno domingo de carnaval e ficarem reclamando? Por que “p.q.p.” não ficaram na casa deles com sua corja familiar, comendo maionese e lagarto assado recheado com cenoura, gelatina com creme de leite e bebendo vinho tinto doce?

Eu não gosto de esperar muito tempo para comer, mas já fiquei algumas horas na porta do Mocotó, do argentino 348, do grego Acrópoles e alguns outros, porque sabia que ia valer à pena e estava disposto a esperar. Sem reclamar. E quando não estava a fim, simplesmente ia embora. Sem reclamar.

Acho que é isso o que esses cretinos deveriam ter feito. Até porque pessoas assim não param por aí. Iam reclamar da comida, do serviço, da falta de gelo da cerveja, iam conferir a conta e achar erros. AAAAAARRRRGGHHHHHH!

Mas a feiúra das almas escuras desses infelizes não foi suficiente para estragar o meu domingo maravilhoso. Volto pra casa de barriga cheia, satisfeito, contente, doido pra tirar aquele cochilo. Amanhã São Paulo fica feia novamente. Estarei de plantão por 24 horas. Mas não posso reclamar nem maldizer essa feiúra que pagas contas.