À BIENTÔT, PARIS

Na minha alma tem um monte de pátrias juntas. Tem uma parte baiana, um pedaço paulistano, uma porção carioca, uma fatia nova-iorquina e um “tantão assim” parisiense. Tem ilhotas de vários lugares por onde passei também. Sou esse mélange, esse patchwork de pátrias, culturas, cores e sabores que foram se agrupando, se ajeitando e formando essa amálgama de coisas que me compõem. Mas se de tudo isso eu tiver que escolher um pedaço só; se eu tiver que apreciar apenas um prato de todo esse banquete, com certeza fico com Paris. Todo mundo sabe, não tem segredo: Paris manda em meu coração.
E não graças ao Lula ou à Dilma, mas graças ao meu suor, ao meu trabalho, tenho conseguido reabastecer-me de Paris com certa frequência. Menos do que eu gostaria ou precisava; ao menos o bastante para manter acesa essa chama de amor que alimenta a minha vida. Seis dias se passaram, e eu banhando ininterruptamente o meu coração e a minha alma de Paris.
Champagnes, vinhos, brioches, museus, monumentos, ruas, avenidas e pontes. Tudo, tudo o que há pelos caminhos que trilho em Paris, tem a ver com minha alma, com o brilho da minha vida. E se passaram rapidamente seis maravilhosos dias. E, como quase todas as vezes que fui a Paris, tive a maravilhosa oportunidade de apresentar a pessoas muito queridas, a cidade que mais amo. Minhas ruas, minhas comidas, minhas estações de trem. É como se dissecasse minha alma para eles; é como se repartisse um chocolate, dando pedaços doces da minha alma a elas. A diferença é que prefiro dividir Paris a chocolate. Os chocolates, caros ou baratos, chiques ou populares, são finitos; eles abastecem temporariamente minha alma e suplantam minhas angústias; Paris é infinita, perene e repleta de amor para multiplicar.
Quando estou aqui, a Paris física e a Paris da alma formam um uno, indivisível, um todo. É o desejo ligado à plena realização do desejo. É completude. Mas no liga-desliga dos vai-e-véns da vida, chega o momento de desligar, de ir embora. A perfeita fusão do “corpo” e da “alma”precisam agora se desfazer. É hora de ir embora. E começa o luto.
Não coincidentemente, esse luto chega com o frio. Chegamos com o dia ensolarado e partimos com o dia frio, chuvoso. É a resposta da Paris física ao ocaso da alma que se distancia dela. Estou indo embora. Acordo cedo para comprar os suprimentos que estancam meus vazamentos até quando eu puder voltar: queijo, foie gras, flor de sal, sal trufado, terrines, geléias chocolates. Arrumo as malas, uma delas quebra. Minhas coisas relutam em partir. Táxi, aeroporto, filas, check-in, raios-x, revistas. Uma avalanche de desagrados transformando a completude em fragmentação. Meu amor por Paris vai se enxugando, compactando, encistando. Minha alma, outrora expandida, se guarda numa caixa quadrada.
Não,meu amor não morreu. Só morrerá quando estiver morta a minha alma. Então não morrerá nunca. Mas a violência com a qual somos invadidos com as burocracias nos aeroportos, faz com nos esqueçamos do “bonheur”. Masoquismo transformador, ainda por cima escolho voar com American Airlines. É o sonho transformado em dura realidade. Não tem mais cadeiras à beira do Sena; agora resta ficar encalacrado num assento minúsculo. Acabou o fromage, o jambon, o citron. Agora é batata frita, queijo processado,chips e Kit-Kats. A poesia parisiense chacinada pela idiotia enlatada de uma companhia aérea americana.
Acho que já estou ficando “enguarulhado” ou “encumbicado”. Enquanto caminhava para o metrô ontem, de braços dados com minha amiga, saindo do Château de Versailles, ficamos revivendo a horrorosa chegada ao aeroporto de Cumbica. Pensamos que experiência horrível deve para um estrangeiro chegar ao Brasil por São Paulo. Cumbica mata qualquer poesia.
Mas estou apenas brincando. Estou triste e de luto por deixar Paris, mas a poesia da minha alma ainda não teve tempo de desfalecer. Saio do outono europeu para chegar, não em Cumbica, nem na Marginal do Tietê. Eu chego na primavera da existência, com a alma florida, com poesia pulando da boca e miragens paradisíacas saltando dos olhos.
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