Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Tuesday, January 01, 2013

“E EU QUE ERA TÃO TRISTE, DESCRENTE DESSE MUNDO” *


*Trecho da música Corcovado, de João Gilberto.




 Comecei a escrever muito cedo. Poesias, contos, crônicas. Mas era na poesia que eu sangrava; era essa navalhada que fazia desafogar minha  dor, meu peito oprimido. Um dia publicarei minhas poesias. O livro tem até nome. Tem até cor. Um livro preto, cheio de tristeza misturada de esperança. Hoje nem eu tenho muita coragem de visitar esses porões através de meus escritos. Porque é tanta felicidade na minha vida, no meu peito, que essa coisa escura do passado me faz um tanto mal. Está tudo lá, guardados, nos porões, jamais esquecido.

Tem uma faceta minha que adora contar minhas agruras, escorregar pelos meus feitos heróicos e desembocar na estrada em que me encontro hoje; tem um gozo, uma satisfação em mostrar o quanto sou vencedor. Gosto de contar a mim mesmo, relembrar tudo o que passei nos momentos em que o barco da vida balança mais forte do que achamos poder suportar. Daí a memória serve para dizer, em tom forte de pai, e voz doce de mãe que a tempestade irá passar. Como aqueles grandes mitos que ouvimos; como nas histórias dos heróis que lutam e vencem batalhas, como a vendedora de sanduíches na praia que se torna empresária, gosto de dizer a mim mesmo que já comi gramas e tropecei em pedras mais pesadas e que sou capaz de driblar esse novo problema.

Também gosto de rememorar esses pesados momentos até  para quem não me conhece e está passando por dificuldades. Amigos, pacientes, parentes. Pessoas que precisam poder enxergar e acreditar que a dor passa, que a ferida estanca, que o sofrimento acaba. Nesses anos todos, muita gente ouviu vários pedaços da minha história e pode, através dela, levantar a cabeça, olhar para frente e seguir andando. É lógico que há níveis diferentes de problemas e sofrimentos, mas acreditar que é possível, ajuda e muito quem está passando por dificuldades.

Há cerca de duas semanas, encontrei um paciente que não via há uns 7 anos. Engraçado que, um dia antes, pensei nele: “Por onde andará fulano? Como será que ele está?”. E no dia seguinte, no meu plantão no hospital, ele aparece para uma consulta, sem saber que me encontraria. Sua queixa atual não era nada frente às dificuldades pelas quais tinha passado; estava ansioso e estressado, sobrecarregado com o trabalho. E numa conversa relativamente rápida, pude dizer isso a  ele; o quanto ele havia crescido, tudo o que havia conquistado e que deveria ter paciência. Eu sei. Paciência é algo fácil de pedir, difícil de ter. Mas ela veio de braços dados com a esperança de dias melhores.

E então ele me disse o quanto eu tinha sido importante na vida dele, o quanto eu o ajudei e que tudo o que ele havia conquistado, devia a mim, porque ninguém acreditava na possibilidade dele vir a se tornar alguém, conquistar coisas, exceto eu. Disse que lembrava das histórias que contava e do quanto eu falava que ele seria tão capaz quanto eu de vencer os obstáculos. E ele acreditou.

Esse encontro foi terapêutico, curativo para nós dois. Ele trouxe para mim um presente muito maior que a gratidão; ele trouxe a certeza que amor e atenção nesse trabalho de cuidar das mentes fazem uma grande diferença na vida das pessoas. Mas trouxe a vontade de agradecer àqueles que me ajudaram desse jeito em minha vida. Amigos, terapeutas, familiares. Gente que me deu todo tipo de alimento, do físico ao espiritual, do corpo à alma.

É claro que a vida continuará com seus movimentos. Como disse numa postagem de fim de ano no Facebook: subidas e descidas, vai e vens. É lógico que o meu barco balançará algumas vezes; mas acreditar que seremos capazes de driblar os obstáculos e as instabilidades da vida me faz ter vontade de continuar caminhando. Nisso, a fé tem um papel importante em minha vida: é ela a assinatura, o compromisso, a lavragem que me dá lastro, fôlego e vontade.

Mas a fé não é nada sem o amor. Quem tem fé e não ama, não tem fé de verdade. É preciso amar as coisas, as pessoas, as escolhas; é preciso amar a fé. Esse “ser preciso” não é algo que possamos aprender ou nos resignarmos; o amor vem de dentro. Posso aprender a conviver, respeitar, compreender a até desenvolver um certo gostar, adestrado, politicamente correto. Isso não será suficiente; é só através do amor que somos capazes de sentir de fato a fé.

É isso aí: eu já fui descrente desse mundo. E ao encontrar o meu amor, descobri o que é a Felicidade. Não apenas o amor pelo outro; mas o amor por mim mesmo.          

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