UMA HISTÓRIA REAL.
-->
Dei esse nome a esse texto porque,
emocionado que estava hoje, lembrei do filme homônimo do David Lynch, no qual
um senhor de 73 anos, ao saber que seu irmão está morrendo e, sem licença para
dirigir devido à parca visão, resolve atravessar os Estados Unidos num pequeno
trator. E olha eu aqui, from coast
to coast, revisitando a história real da minha vida.
Hoje reencontrei uma pessoa com quem não
falava há mais de quinze anos. Uma prima de segundo grau, que apesar de ser
mais velha – acho que ela estava localizada num intermezzo de gerações entre
meus pais e eu – foi uma pessoa sempre muito querida por mim. Sim, ela e quem a
conhece saberão que estou falando dela porque, ao contrário de muitas postagens
minhas, nas quais revelo segredos e histórias onde revelar seus atores não cai
muito bem, essa é uma história real e que só tem a causar orgulho e satisfação.
Acho que nossa longa amizade começou
quando, lá pelos meus sete anos de idade, fiquei meio vizinho dela na pequena
província de Santana City, Zona Norte de São Paulo. Ainda filho único, chegava
a passar algumas manhãs e algumas tardes com a sua mãe, enquanto a minha ia à
feira, ao banco ou o que quer que fosse. E lá ficava eu, vendo a Tia Anunciação
fazer tricô com um monte de outras senhorinhas, na garagem transformada em sala
de conversação. E vez ou outra cruzava minha prima, ouvia suas histórias de
namorados, me divertia com aqueles “quase adultos” saindo para festas de sábado
à noite. Passado algum tempo, a Tia Anunciação nos deixou, ficamos algum tempo
sem contato, até que descobri, já adolescente, que ela estava morando numa
outra casa, próxima à minha.
E foi naquela casinha com uma varanda na
janela, que nos tornamos verdadeiros amigos e confidentes. Era para lá que
fugia do inferno que era minha casa em vários momentos e passava horas
conversando, trocando idéias, falando bobagens e coisas sérias, ouvindo
música. Foi nessa mesma casinha,
anos mais tarde, onde fui morar com minha família quando perdemos tudo. Sim,
ela e seu marido, fizeram o que poucas pessoas fariam por uma família: alojaram
quatro pessoas e um poodle em sua pequena casa. Eu vou chamar de “voltas da
vida” toda uma gama de coisas que incluem fofocas, injustiças, intrigas e todo
tipo de sacanagem que ocorre muitas vezes, porque esse texto é uma homenagem a
um reencontro, não uma revoada de escombros do passado. E foi isso. As tais
“voltas da vida” fizeram com que eu e minha família saíssemos da casa dela sem
dizer adeus ou obrigado. Eu saí com um nó no peito porque naquele tempo, corpo
de homem e alma de menino, tinha que juntar os cacos dessa família despedaçada
e seguir em frente. E lá fomos nós, morar no cortiço.
Como eu disse, muito tempo passou e nunca
mais havia falado com ela. Faziam alguns anos que eu a procurava por “vias
indiretas”. Cheguei a passar várias vezes na porta da antiga casa, sem sucesso.
Digitei seu nome na internet, perguntei a alguns parentes, ninguém soube me
informar. É claro que minha busca não foi exatamente profissional, porque tinha
medo de achá-la e não ser bem recebido. Tinha medo que aquele sentimento de
amor e carinho que existia entre nós tivesse desaparecido. É por isso que acho
que essa busca demorou e, enquanto o tempo passava, tratei de encontrar a mim
mesmo antes.
Hoje, homem feito, realizado em vários
campos, feliz, independente. Não sou o “filho de Francisco ou Berenice”; sou
apenas eu, encontrado. E nesse reencontro, comecei a sentir falta de ir à busca
de pessoas que fazem parte da minha história, que andaram comigo, que me
ampararam. Nos últimos tempos, refiz laços, desatei nós, encontrei antigos
amigos, parentes. Não quero encontrar todo mundo. Tem gente que não quero ver a
cara. Outro dia, falando com minha irmã de um tio de quem nunca gostei, achei
que ele estivesse morto. Ele, sua mulher, todos. “Mas ele não morreu? Achei que
tivesse. Tamanha era a falta que sentia dele. Mas não é o caso dessa prima
querida e de outras tantas pessoas que reencontrei, sobretudo nesse ano de
2012.
Nos últimos anos, muita coisa mudou em
minha vida, inclusive meu modo de ver vários assuntos. Mesmo tendo trabalhado
todos esses anos tratando de dependentes químicos, sempre repudiei a filosofia
dos alcoólicos anônimos. Repudiei sem conhecer. Essa foi uma das mudanças. Não,
eu não sou “adicto”, mas convivendo muito próximo de um “adicto” no seio da
minha família, passei a olhar as coisas de um prisma totalmente diferente. E
passei a prestar atenção nos ensinamentos que eles trazem. Até descobri que
Jung ajudou a elaborar os tais doze passos. Junguiano que sou agora, olho
inclusive com outros olhos esses passos que levam à recuperação.
E o que os doze passos têm a ver com
reencontrar minha prima? Tem tudo a ver. O que será que se encontra no final da
uma recuperação? Se for uma recuperação de verdade, acho que, muito mais que
abstinência, se encontra a alma. E pra reencontrar a alma, precisamos deixar
para trás nas águas do rio da vida as malas pesadas que nos atrasam. É preciso
perdoar, é preciso pedir perdão, reconhecer erros, falhas, injustiças. O oitavo
e o nono passo falam disso. Perdoar, deixar as pedras para trás.
Hoje, pela manhã, recebo uma resposta de
minha prima à minha mensagem no Facebook. Tanta gente reclama do Facebook; até
eu reclamo algumas vezes. Mas sou eternamente grato a esse dispositivo, que me
fez reencontrar e conhecer pessoas maravilhosas. E reencontrar essa prima
querida, depois de tantos anos, me deixou muito feliz. Uma felicidade que quis
compartilhar com as pessoas que gosto e acompanham minhas postagens.
Lembrando o que dizia uma pessoa muito
sábia que conheço: “Para tudo há um jeito; só não há jeito quanto a tampa (do
caixão) fecha”. E eu acredito nisso. Mesmo sendo reencarnacionista, pra que
deixar para outra vida o que podemos fazer nessa? Diga o quanto ama, faça
carinho no cocoruto da pessoa amada, beije, peça desculpas, reconheça o bem que
lhe foi feito. Não há religião no mundo que seja contra a esses princípios. Isso
é uma história real.
0 Comments:
Post a Comment
<< Home