Blog do Doutor Fofinho

"Tudo começou há algum tempo atrás na Ilha do Sol..." Há muitos anos eu montei esse blog, dando o nome "Le Cul du Tabou", inspirado por uma amiga, para falar sobre o tabu das coisas. Ganhei muitos seguidores, mas desde 2018 não escrevi mais nele. Estou retomando, agora com novo nome, o "Blog do Doutor Fofinho", muito mais a minha cara, minha identidade. Sejam bem vindos.

Sunday, January 06, 2013

UMA HISTÓRIA REAL.

-->


Dei esse nome a esse texto porque, emocionado que estava hoje, lembrei do filme homônimo do David Lynch, no qual um senhor de 73 anos, ao saber que seu irmão está morrendo e, sem licença para dirigir devido à parca visão, resolve atravessar os Estados Unidos num pequeno trator.  E olha eu aqui, from coast to coast, revisitando a história real da minha vida.

Hoje reencontrei uma pessoa com quem não falava há mais de quinze anos. Uma prima de segundo grau, que apesar de ser mais velha – acho que ela estava localizada num intermezzo de gerações entre meus pais e eu – foi uma pessoa sempre muito querida por mim. Sim, ela e quem a conhece saberão que estou falando dela porque, ao contrário de muitas postagens minhas, nas quais revelo segredos e histórias onde revelar seus atores não cai muito bem, essa é uma história real e que só tem a causar orgulho e satisfação.

Acho que nossa longa amizade começou quando, lá pelos meus sete anos de idade, fiquei meio vizinho dela na pequena província de Santana City, Zona Norte de São Paulo. Ainda filho único, chegava a passar algumas manhãs e algumas tardes com a sua mãe, enquanto a minha ia à feira, ao banco ou o que quer que fosse. E lá ficava eu, vendo a Tia Anunciação fazer tricô com um monte de outras senhorinhas, na garagem transformada em sala de conversação. E vez ou outra cruzava minha prima, ouvia suas histórias de namorados, me divertia com aqueles “quase adultos” saindo para festas de sábado à noite. Passado algum tempo, a Tia Anunciação nos deixou, ficamos algum tempo sem contato, até que descobri, já adolescente, que ela estava morando numa outra casa, próxima à minha.

E foi naquela casinha com uma varanda na janela, que nos tornamos verdadeiros amigos e confidentes. Era para lá que fugia do inferno que era minha casa em vários momentos e passava horas conversando, trocando idéias, falando bobagens e coisas sérias, ouvindo música.  Foi nessa mesma casinha, anos mais tarde, onde fui morar com minha família quando perdemos tudo. Sim, ela e seu marido, fizeram o que poucas pessoas fariam por uma família: alojaram quatro pessoas e um poodle em sua pequena casa. Eu vou chamar de “voltas da vida” toda uma gama de coisas que incluem fofocas, injustiças, intrigas e todo tipo de sacanagem que ocorre muitas vezes, porque esse texto é uma homenagem a um reencontro, não uma revoada de escombros do passado. E foi isso. As tais “voltas da vida” fizeram com que eu e minha família saíssemos da casa dela sem dizer adeus ou obrigado. Eu saí com um nó no peito porque naquele tempo, corpo de homem e alma de menino, tinha que juntar os cacos dessa família despedaçada e seguir em frente. E lá fomos nós, morar no cortiço.

Como eu disse, muito tempo passou e nunca mais havia falado com ela. Faziam alguns anos que eu a procurava por “vias indiretas”. Cheguei a passar várias vezes na porta da antiga casa, sem sucesso. Digitei seu nome na internet, perguntei a alguns parentes, ninguém soube me informar. É claro que minha busca não foi exatamente profissional, porque tinha medo de achá-la e não ser bem recebido. Tinha medo que aquele sentimento de amor e carinho que existia entre nós tivesse desaparecido. É por isso que acho que essa busca demorou e, enquanto o tempo passava, tratei de encontrar a mim mesmo antes.

Hoje, homem feito, realizado em vários campos, feliz, independente. Não sou o “filho de Francisco ou Berenice”; sou apenas eu, encontrado. E nesse reencontro, comecei a sentir falta de ir à busca de pessoas que fazem parte da minha história, que andaram comigo, que me ampararam. Nos últimos tempos, refiz laços, desatei nós, encontrei antigos amigos, parentes. Não quero encontrar todo mundo. Tem gente que não quero ver a cara. Outro dia, falando com minha irmã de um tio de quem nunca gostei, achei que ele estivesse morto. Ele, sua mulher, todos. “Mas ele não morreu? Achei que tivesse. Tamanha era a falta que sentia dele. Mas não é o caso dessa prima querida e de outras tantas pessoas que reencontrei, sobretudo nesse ano de 2012.

Nos últimos anos, muita coisa mudou em minha vida, inclusive meu modo de ver vários assuntos. Mesmo tendo trabalhado todos esses anos tratando de dependentes químicos, sempre repudiei a filosofia dos alcoólicos anônimos. Repudiei sem conhecer. Essa foi uma das mudanças. Não, eu não sou “adicto”, mas convivendo muito próximo de um “adicto” no seio da minha família, passei a olhar as coisas de um prisma totalmente diferente. E passei a prestar atenção nos ensinamentos que eles trazem. Até descobri que Jung ajudou a elaborar os tais doze passos. Junguiano que sou agora, olho inclusive com outros olhos esses passos que levam à recuperação.

E o que os doze passos têm a ver com reencontrar minha prima? Tem tudo a ver. O que será que se encontra no final da uma recuperação? Se for uma recuperação de verdade, acho que, muito mais que abstinência, se encontra a alma. E pra reencontrar a alma, precisamos deixar para trás nas águas do rio da vida as malas pesadas que nos atrasam. É preciso perdoar, é preciso pedir perdão, reconhecer erros, falhas, injustiças. O oitavo e o nono passo falam disso. Perdoar, deixar as pedras para trás.

Hoje, pela manhã, recebo uma resposta de minha prima à minha mensagem no Facebook. Tanta gente reclama do Facebook; até eu reclamo algumas vezes. Mas sou eternamente grato a esse dispositivo, que me fez reencontrar e conhecer pessoas maravilhosas. E reencontrar essa prima querida, depois de tantos anos, me deixou muito feliz. Uma felicidade que quis compartilhar com as pessoas que gosto e acompanham minhas postagens.

Lembrando o que dizia uma pessoa muito sábia que conheço: “Para tudo há um jeito; só não há jeito quanto a tampa (do caixão) fecha”. E eu acredito nisso. Mesmo sendo reencarnacionista, pra que deixar para outra vida o que podemos fazer nessa? Diga o quanto ama, faça carinho no cocoruto da pessoa amada, beije, peça desculpas, reconheça o bem que lhe foi feito. Não há religião no mundo que seja contra a esses princípios. Isso é uma história real.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home